Depois de 115 anos da morte de Anita Garibaldi nos campos da
Itália, foi que a heroína ganhou uma estátua na Laguna, sua terra natal.
A inauguração do monumento foi em 20 de setembro de 1964, na então Praça
da Bandeira (hoje República Juliana). Portanto, há exatos 60 anos na próxima sexta-feira.
A ideia do Monumento surgiu no começo do século XX
A ideia de uma estátua em homenagem à heroína lagunense numa praça na Laguna vem de longe, do início do século XX.
Foi através das memórias de Giuseppe Garibaldi ditadas a Alexandre Dumas
e lançadas em livro em 1882, que o público começou a tomar conhecimento dos
feitos e da vida de Anita Garibaldi.
Trechos traduzidos para o português começaram a ser publicados na
imprensa brasileira, ainda no século XIX.
Laguna desde sempre homenageou sua heroína, tão logo começou a tomar conhecimento dos seus feitos.
As homenagens a Anita Garibaldi não começaram há poucos anos, como alguns pensam e disseminam por aí.
Vejamos:
O semeador de estátuas
O catarinense José Boiteux era estudante de Medicina no Rio de Janeiro,
curso não concluído; e depois acadêmico de Direito, envolvido nas lutas
republicanas e abolicionistas.
Mais tarde foi jornalista, pesquisador e desembargador e liderou a
criação do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina.
Empenhou-se desde cedo em erguer monumentos a catarinenses ilustres e bem
por isso ficou conhecido como “semeador de estátuas”.
Foi uma das lideranças de uma Comissão para erguer uma Herma de Anita
Garibaldi em Florianópolis, o que aconteceu em 1919, na Praça Getúlio Vargas.
Laguna liberou verba para Herma de Anita em Florianópolis
Para isso, em 10 de junho daquele ano, através da Lei nº 323, o então
superintendente (prefeito) da Laguna, jornalista Antônio Bessa, autorizou um
auxílio de 100$000 (cem mil réis) à Comissão Organizadora.
José Boiteux aqui também esteve em 1920 quando do replantio da chamada
Árvore de Anita, nascida na quilha do abandonado barco Seival.
Seu irmão Henrique Boiteux escreveu “Anita Garibaldi – A Heroína
Brasileira”, publicado pelo Anuário de Santa Catarina em 1898, reeditado em
1906 e em 1935 pela Imprensa Naval, no Rio de Janeiro.
É dele também, editado pela mesma Imprensa Naval em 1927, “A República
Catharinense – Notas para a sua História”, que posteriormente, em 1985, recebeu
uma edição fac-símile através do patrocínio da Xerox do Brasil/Governo de Santa
Catarina. Eis um dos trabalhos mais importantes sobre o tema.
Um clube na Laguna recebeu o nome de Anita Garibaldi ainda no século XIX
Mas antes disso, Laguna já homenageava sua filha ilustre com a
inauguração da Sociedade Recreativa Anita Garibaldi, no bairro Campo de Fora, em 30 de
novembro de 1899.
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Clube Anita Garibaldi, e sua primeira sede inaugurada em 30 de novembro de 1899, na rua Almirante Lamego. |
Poucos anos depois, em 8 de julho de 1906 foi inaugurado em seus salões,
em grande solenidade e baile, um retrato a óleo da catarinense, pintado pelo
artista plástico César Burlamaqui.
O artista também foi o autor de um projeto de Monumento a Anita Garibaldi
que não chegou a ser executado.
Para isso arrecadou-se numerários para a obra, através de quermesses e
bailes.
O 1° projeto para um Monumento à heroína e o Clube em Urussanga
No mesmo ano de 1906 surgia em Urussanga o Clube Anita Garibaldi. A sociedade foi efêmera, mas a Praça central naquele município continua até hoje batizada com o nome da heroína.
A primeira diretoria do Clube ficou assim constituída:
Presidente: Pedro Bez Batti
Vice-presidente: Francisco de Cesaro
1° Secretário: Fernando Bainha
2° Secretário: Lucas Bainha
Tesoureiro: Angelo A. Nichele
Procuradores: Jacomo de Pellegrin, César Cechinel, Attilio Bainha, Antônio Bez Fontana, Sebastião Bez Fontana e Pedro de Bettio.
No mesmo ano surgia no Rio de Janeiro uma comissão para erguer uma estátua de Anita Garibaldi na então Capital Federal.
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Jornal O Albor 8 de setembro de 1906 lança campanha. |
Bem por isso, o jornal O Albor de 8 de setembro de 1906 lança pela primeira vez em nossa cidade uma sugestão/apelo para que o mesmo fosse feito por aqui:
“Quando é que nós, outros lagunenses, nos lembraremos de honrar com um monumento a memória dessa heroína filha da nossa terra, seguindo o exemplo daqueles que pela sua patriótica iniciativa nos apontam o nosso dever?”
Em 15 de setembro de 1906 o jornal O Albor noticiava que a Sociedade
Recreativa Anita Garibaldi havia tomado a iniciativa mandando levantar um
monumento à heroína, na então Praça Conselheiro Mafra (hoje República Juliana).
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Jornal O Albor 15 de setembro de 1906. |
O esboço do projeto já até existia, elaborado por A. César Burlamaqui e
era constituído de "Uma coluna oitava de dez metros de elevação, rematando, no
cimo do capitel, por um bloco donde emerge o busto de Anita com a seguinte
inscrição: “Salve a Heroína Lagunense”.
Na base da coluna sobressaia uma concha de cujo centro ressaltava o busto de
José Garibaldi, ladeado de louros presos em uma âncora e guardado por dois
índios em atitude defensiva.
O porque dos dois índios eu não entendi.
O pedestal assentava numa fundação de três metros quadrado e
trinta centímetros de altura, circundado de uma escadaria de quatro degraus,
defendida por um gradil.
Cartões-postais, nome de rua, busto em bronze e escritos
Ainda no mesmo ano de 1906, cartões-postais com o retrato da heroína são
enviados às autoridades e jornais do país por José Boiteux.
No Rio de Janeiro, em 1907, a rua Capitão Salomão passa a denominar-se
Anita Garibaldi. Na via morava o deputado catarinense Victorino de Paula Ramos.
Em 1910 um busto em bronze da heroína é inaugurado no Jardim Público.
Em 1912, o catarinense C. S. Marques Leite, sócio correspondente do
Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, publicou pela Papelaria Mendes,
do Rio de Janeiro, como evocação histórica, um curto, mas importante trabalho
sobre Anita Garibaldi.
Nele, faz campanha pelo erguimento de um monumento a heroína Anita:
“O Brasil está na obrigação de erigir-lhe um
monumento; e é por essa dívida de honra que clama a República.
O melhor ensinamento para o povo é o dos monumentos,
e aos governos cabe essa missão, perpetuando, pelas gerações em fora, no
bronze. Na pintura, por todos os meios evocativos do engenho humano, as páginas
de ouro e os vultos helênicos da terra pátria!
Um povo sem monumentos é um povo sem história, é um
povo selvagem, errante, primitivo, pronto a ser absorvido pelas conquistas!
Povos que não cultuam os seus grandes fatos
históricos e a memória de seus vultos maiores, retrogradam na marcha da
civilização”.
O Obelisco em 1939
Na Laguna, em 1939, quando do centenário da República Catharinense, um
Obelisco foi inaugurado na então Praça Conselheiro Mafra (depois Praça da Bandeira e hoje República
Juliana) para relembrar a data.
Para ler matéria sobre a inauguração do Obelisco já publicada neste Blog, clique aqui Em 1949, no centenário da morte de Anita Garibaldi, foi decretado feriado
estadual, com várias atividades no Rio de Janeiro, Florianópolis e Laguna que
enalteceram a heroína.
Em nossa cidade, sete dias foram dedicados à memória da filha ilustre, no
que foi denominada “A Semana de Anita”.
Surge os municípios de Anita Garibaldi e Anitápolis
Em 1961, dois novos municípios foram criados em Santa Catarina, gestão do
governador Celso Ramos.
Anita Garibaldi, distrito desmembrado de Lages; e Anitápolis, emancipado
do município de Santo Amaro da Imperatriz receberam denominações que lembram o
home da heroína.
Laguna ganha Monumento e Estátua de Anita Garibaldi
Foram anos de esforços
de uma comissão para concretizar o projeto.
O objetivo era inaugurar o monumento em 17 de abril de 1956, quando das
comemorações do primeiro centenário da Comarca da Laguna. Mas a inauguração não
aconteceu.
A 1ª Comissão
Em 10 de agosto de 1955 numa Assembleia Geral Ordinária realizada em
sessão no Clube 12 de Agosto, na capital do estado, foi montada uma Comissão
Pró-Monumento à Anita Garibaldi, que ficou assim constituída:
Presidente:
Desembargador Henrique da Silva Fontes
1º Vice-Presidente:
Oswaldo Rodrigues Cabral
2º Vice-Presidente: Luiz
Oscar de Carvalho
Secretário-Geral:
Tenente Ayres Melchiades Ulysséa
1º Secretário: Professor
João dos Santos Areão
2º Secretário: Professor
Hélio Barreto dos Santos
Tesoureiro: Geral:
General Paulo Vieira da Rosa
1º Tesoureiro: Capitão
Ângelo Crema
2º Tesoureiro: Tenente
Andrelino Natividades da Costa
Orador: Oswaldo
Bulcão Viana
Conselho Consultivo: Julibio Jupi Barreto, Luiz Sanchez Bezerra da Trindade, Carlos da Costa
Pereira, Tenente Cel Sylvio Pinto da Luz, Armando Calil Bulos, Wolney Colaço de
Oliveira, Acary Silva, Octávio Renê Lebarbechon, Amir Mussi, Roberto Bessa,
Thales Ulysséa, João Nicolazzi, Edgar da Cunha Carneiro, João Francisco da
Rosa, Aroldo Joaquim Camillo, Jupy Ulysséa, José Baião, Antônio Batista Júnior,
Major Jaldyr Bhering Faustino da Silva, Tenente Octávio Ulysséa e Major José
Lipércio Lopes.
Comissão de Publicidade: Othon Gama D’Éça, Tenente Ildefonso Juvenal, Zedar Perfeito da Silva,
Tenente Anchelino Natividade da Costa, Osmar Cook, Walter Piazza, Juvenal
Melchiades de Souza, Waldir Grisard, Martinho Calado Júnior e Paulo Henrique
Blasi.
Vogais: Hélcio Góes,
Irê Ulysséa, Manoel Cabral Pinho, Silvio Alano, José de Assis Alves, Antônio
Quirino dos Santos, Darcy Pacheco, Mário Ribas Maciel, Alfredo Flores da Silva,
José Antônio Silva Carvalho, Oswaldo da Silva Rollin e Walter Pinho da Silva.
A 2ª Comissão
Em 30 de junho de 1956, foi organizada uma nova Diretoria da Pró-Comissão
cuja nominata é a seguinte:
Presidente: General
Paulo Vieira da Rosa
1º Vice-Presidente:
Oswaldo Rodrigues Cabral
2º Vice-Presidente: Luiz
Oscar de Carvalho
Secretário-Geral:
Tenente Ayres Melchiades Ulysséa
1º Secretário: Aroldo
Joaquim Camillo
2º Secretário: Octávio Renê
Lebarbenchon
Tesoureiro: Roberto
Bessa
1º Tesoureiro: Capitão
Ângelo Crema
2º Tesoureiro: Acary Silva
Orador: Oswaldo
Bulcão Viana
Conselho Consultivo: Tupy Barreto, Coronel Mário Guedes, Julibio Jupy Barreto, Hélio Barreto
dos Santos, João Francisco da Rosa, Major José Lupércio Lopes e José Baião.
Comissão de Publicidade: Tenente Andrelino Natividade da Costa, Juvenal Melchiades de Souza,
Zedar Perfeito da Silva e Paulo Henrique Blasi.
Projetos e verbas
O deputado Wanderley Júnior apresentou na Câmara Federal projeto de lei
prevendo a destinação de 1 milhão de cruzeiros para a obra.
“Anita é uma glória do Brasil. Precisamos homenageá-la com a mesma
devoção com que os estrangeiros o fazem”, justificou da tribuna o deputado
catarinense.
O projeto de lei foi aprovado na sessão de 5 de outubro de 1956.
Presidente Juscelino Kubitschek autorizou verba
A lei nº 3.098, autorizando a concessão do valor para a obra, foi assinada pelo
presidente Juscelino Kubitschek.
Logo em seguida foi publicado o edital do concurso para seleção do
escultor do monumento.
O escultor escolhido foi o
gaúcho Antônio Caringi, o mesmo que executou, entre outras obras, a estátua do Laçador em Porto Alegre.
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O batismo de fogo em Imbituba. |
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A travessia do Rio Canoas |
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O encontro com Garibaldi na Fonte d'água. |
Pelo projeto, na base do Monumento deveria haver um local para guardar os restos
mortais da heroína, quando fossem transportados em breve futuro da Itália para
o Brasil. O jazigo foi construído, como pode-se se constatar na foto.
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Jazigo construído no Monumento de Anita Garibaldi na Laguna para receber os restos mortais da heroína que sepultados na Itália. |
Mas o translado até hoje não aconteceu e dificilmente irá se
concretizar, apesar de campanhas que foram encetadas ao longo do tempo, como pode-se ler em matéria já publicada neste Blog.
Recursos não foram liberados pelo Governo Federal
Mas o Ministério da Fazenda nunca liberou os recursos. Conforme
correspondência que a Comissão enviou aos jornais em 1963, o processo de
liberação entrou na Diretoria Geral de Despesas Públicas “e de lá não mais
saiu”.
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Placa afixada no Monumento com os nomes dos membros da Comissão Executiva: Governador Celso Ramos, General Paulo Vieira da Rosa, Capitão Ayres Melchiades Ulysséa, e doutores Aroldo Joaquim Camilo, Oswaldo Rodrigues Cabral e Ângelo Novi.
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Governador Celso Ramos liberou 2 milhões de cruzeiros
Foi quando o governador catarinense Celso Ramos interferiu e liberou a
quantia de 2 milhões de cruzeiros dos cofres do estado.
Aprovada pelo Legislativo Estadual, foi sancionado e transformado na Lei
nº 3.335, de 27 de novembro de 1963.
Em sua justificativa ao Projeto de Lei enviado à Assembleia Legislativa o
governador Celso Ramos assim se manifestou:
“Enquanto em países como a Itália, França, Argentina
e Uruguai erguem-se importantes monumentos que perpetuam o nome e os feitos
dessa notável heroína, expoente de liberdade, não é justo que esqueçamos que
ela também é uma glória do Brasil.
Erigindo um monumento em memória de Anita Garibaldi,
na cidade da Laguna, sua terra natal, estarão governo e o povo catarinense,
contribuindo para reparar um esquecimento injustificável”.
Na mesma data da Estátua foi inaugurado o Ceal
A estátua foi inaugurada em 20 de setembro de 1964, dentro da programação
alusiva aos 115 anos da morte de Anita.
O guindaste Lorain pertencente ao nosso porto, foi utilizado para os trabalhos de içamento.
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O Monumento de Anita Garibaldi ainda sem as correntes de proteção. |
Dentro das solenidades ainda constou a inauguração do Conjunto
Educacional Almirante Lamego (CEAL), conferência do historiador gaúcho Dante
Laytano, declamação da poesia “Retrato de Anita”, pela poetisa catarinense
Maura de Senna Pereira, apresentação do Grupo Folclórico Italiano do Paraná, e
do Centro de Tradições Gaúchas 35 de Porto Alegre, além da inauguração da Sala
Governador Celso Ramos, no Museu Anita Garibaldi.
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Governador Celso Ramos discursa em 20 de setembro de 1964 por ocasião da inauguração da Estátua de Anita Garibaldi. Jornal O Estado de 23 de setembro de 1964 |
O Obelisco inaugurado em 1939 naquele local, foi retirado semanas antes,
no início do mês de agosto e transferido para uma pequena área no início da rua
Almirante Lamego no bairro Campo de Fora, hoje denominada lei nº 2.277/2022, como
Praça União dos Artistas.
Eis a programação do evento, publicada no jornal O Albor:
Um dos discursos mais aplaudidos foi feito na abertura da cerimônia, às
11 horas pelo presidente da Pró-Comissão pelo Monumento, General Paulo Vieira
da Rosa.
Pela beleza e riqueza do enunciado, além das palavras que continuam
atuais, transcrevo-o a seguir:
Anita Garibaldi
General Paulo Vieira da Rosa
Vivemos uma época de profundo desprezo pelo passado.
O egoísmo humano aguçado pela intranquilidade da ameaça nuclear, vem tornando o
homem estupidamente materialista, brutal e cínico.
Sente-se isso nos processos políticos, nas emoções
da arte, nas explosões da inteligência, no formalismo das questões espirituais.
Em meio dessa glacial da civilização, obnubilada
pelo desenvolvimento assustador da ciência e da técnica, há o trágico da
transformação de cada invenção descoberta em arma de destruição.
Por isso o passado onde o ideal era a motivação da
luta e posto de lado, por mais grandioso que haja sido.
Vivemos somente o presente, evadindo-nos da
responsabilidade do futuro pelo alhearmo-nos às lições do passado.
Ora, em breve seremos também passado. E o que dele
ofereceremos aos nossos descendentes?
As sombrias e materiais pirâmides do Nilo ou a
luminosidade dos grandes pensadores dos modestos báculos à mão.
Erostrato queimando em Éfeso o templo de Diana, ou o
Código Romano que argamassou um mundo?
Talvez estejamos legando coisas trágicas, como a
brutalidade das lutas, o dantesco da guerra nuclear é, pior que tudo, uma noite
medieval de escravidão totalitária.
No panorama brasileiro há uma alameda orlada de
bronzes de homens e mulheres que dignificaram o país. Foram fixados na
estatuária nacional, ao longo da história com uma linha comum de amor e
verdade.
Estão ali, para que as gerações ao passarem por ela,
dá infância moderna se embebam no
exemplo que esses vultos nos dão. São a
experiência do passado.
Nessa alameda havia um local vazio.
Enchemo-lo agora.
Era destinado àquela que simbolizou o amor à
liberdade e por ela morreu. Anita Garibaldi, heroína de Dois Mundos.
Tangeu-se, é certo, mais o amor ao heroico nicense
do que os motivos que a levaram à glória, mas foi em holocausto à liberdade que
ela se finou na Itália. O amor sempre leva às causas da liberdade, o ódio, às
da escravidão.
Modesta de origem, egressa de quietude de um povoado
praiano, subiu ao palco da história, igualou-se aos heróis, a muitos deles
sobrepujando, no amor ao seu bravo companheiro e na devoção pela liberdade.
Bravo entre os bravos, disseram os centauros
farroupilhas, após os combates das Forquilhas.
Foi lutadora, foi mártir. Nem mesmo faltou quem
tentasse denegrir-lhe a glória. Perseguiram-na, prenderam-na, exilaram-na,
insultaram sua memória. Olvidados os nomes de seus inimigos nas sombras da
história, mas iluminando esta ficou a caipirinha heroica.
Tem estátuas em Ravena onde dorme Dante; em Nice
onde nascera o esposo amado; em Roma, a eterna; em Porto Alegre onde surgira a
epopeia Farroupilha; tem busto em Belo Horizonte, São Paulo e Tubarão; tem
medalhão em Florianópolis.
Mas aqui, no chão da Laguna de Santo Antônio dos
Anjos, só Deus lhe erguera o monumento carinhoso da figueirinha do Seival.
Agora, não.
Está aqui no bronze magnífico de Caringi.
Amanhã, lagunenses, nós o entregaremos a vossa
guarda.
Honrá-lo como o símbolo do vosso amor à liberdade.
A poesia de Maura Senna Pereira declamada quando da inauguração da Estátua em 1964
Abaixo a poesia “Retrato de Anita”, declamado à ocasião do evento pela
sua autora, a poetisa catarinense Maura de Senna Pereira.
A poesia consta de
seu livro “A Dríade e os Dardos”, lançado no Rio de Janeiro em 1978:
Retrato de Anita
Maura de Senna Pereira
“É filha de rei
esta que vamos celebrar?
Vestiu-se de ouro e prata
teve pérolas nos dedos
colar de água-marinha
axorcas e tiaras
teve manto de rainha?
Não é filha de rei
nem mulher de grão-senhor.
Não cintilou de pedrarias
e não nasceram em castelo
os frutos do seu amor.
É uma filha do povo
e mulher de espadachim.
Usou vestido singelo
e cinto de couro cru.
Escandalizou o seu burgo:
Fugiu com um louro guerreiro
os pés morenos afoitos
no peito uma rosa brava.
Não teve filho em castelo
mas foi mãe de generais.
Não teve reis aos seus pés
mas tem o culto dos povos.
É a Heroína de Dois Mundos
que vamos celebrar.
Lutou no convés dos navios
pela República Juliana.
Lutou de espada na mão
pela unidade italiana.
Passou fome, passou frio
dormiu noites ao relento.
Na própria terra natal
caiu um dia prisioneira
e julgou morto seu amado.
Ah, figura da tragédia:
face bela transtornada
um archote na mão pálida
espiando rostos mortos.
Mas o amado não achou
esperança renasceu
toda épica fugiu
sobre um dorso de um cavalo
cabelos soltos ao vento.
Vinte léguas até Lages
a heroína percorreu.
(Ao vê-la surgir da noite
galopando em seu corcel
os guardas fogem de espanto:
Era centauro? Aparição?)
O coração ardente batia
sob a lua fria da serra
e com o primeiro filho no ventre
moça guerreira corria
para seu amor encontrar
É a musa de liberdade
que vamos celebrar.
Eis então que seu rosto
não mais o vemos contido em nenhum quadro
e sim transfigurado
repartido pelo universo.
Os cabelos parecendo faíscas
presos ao solo europeu.
O queixo fincado na barra da Laguna.
Profundos olhos, rasgados mundos
brilhando como estrelas
passados sobre os povos.
Oh, e os lábios se abriram como outrora
para invectivar
aquele que oprime seu semelhante
e aquele que se esconde na hora de lutar.
É Anita Garibaldi
que vamos celebrar”.