Lá pelo ano de 1976, quando da
criação do Centro Cívico Brito Peixoto, no então Conjunto Educacional Almirante
Lamego - Ceal, o sempre lembrado professor Emídio Padilha me chamou a um canto do
então corredor de pisos vermelho-ladrinhados da tradicional Instituição de Ensino
e me intimou a ser o primeiro presidente do Centro.
Estávamos em plena ditadura, com os
estudantes brasileiros ameaçados pelo temido decreto-lei nº 477, de 26/02/1969,
que os proibia justamente de manifestações políticas e de pensamento.
As eleições para o Centro Cívico,
apesar disso tudo, eram diretas. O presidente do Centro tinha que ser escolhido
pelos alunos e professores, em votação.
Em princípio não aceitei o convite,
argumentei que não havia tempo, era aluno em dois turnos. Pela manhã do Curso
Científico do Ceal; e à noite do Colégio Comercial Lagunense - CCL, em Ciências
Contábeis.
Não o convenci. Argumentou que meu
nome era sua indicação e pela minha eleição ia trabalhar.
Fiquei de pensar. Dias depois aceitei
o desafio.
Logo em seguida a
eleição. Ganhei por grande diferença do outro candidato.
Mãos à obra. Junto com uma
diretoria formada, encetamos campanhas do quilo, de agasalhos. Organizamos as
solenidades em comemoração à Batalha do Riachuelo, onde diversas autoridades do
município eram convidadas; o Desfile Cívico de Sete de Setembro, entre outros
eventos.
Foi um aprendizado, antes de qualquer
coisa.
Busquei os alunos Manoel Marques, o
Sérgio Hilzenderger, o Marcos Bez Birollo e juntos lançamos o jornal estudantil O Diálogo, de grande sucesso.
O pessoal de hoje, acostumado com as
tecnologias de i-pod, i-pad, MP3, facilidades do Word, do Excel, computador,
xerox colorida, impressora, scanner, as multifuncionais da vida, não tem nem
ideia de como era difícil fazer um jornal. Gráfica naquela época nem pensar.
Quando tento explicar à gurizada –
aos poucos que ainda querem ouvir porque a maioria não está nem aí - os métodos
que então utilizávamos e que hoje soam jurássicos, a nova geração fica olhando pasma,
como se fossemos de outro mundo, de uma galáxia distantes anos-luz. De outro
tempo e espaço sideral.
No fim e ao cabo, acho que já somos
mesmo dinossauros. Mas não faz tanto tempo assim meu Deus!, “meros” trinta e
oito anos atrás, mas tudo parece tão distante, de outra encarnação.
Vejamos o método: a matriz stencil
(ou carbono) era introduzida no cilindro da máquina de escrever. Tinha-se que
datilografar (sim, sim, a gente datilografava, não digitava) com a pequena
alavanca da máquina, um dispositivo manual em ponto neutro, isso é, sem estar
na fita vermelha ou preta.
Não se podia errar, já que não dava
para enxergar as letras que iam sendo grafadas. Feito isso o carbono era
passado com todo cuidado para uma máquina chamada mimeógrafo a álcool. Quem
fazia esse trabalho com toda a paciência que é lhe é peculiar, era o Gariba.
Os dedos ficavam sempre sujos, não
tinha jeito. Ia-se rodando a manivela e introduzindo o papel com toda calma.
De vez em quando se completava com
álcool o pequeno depósito (tanque) da máquina. Consumia que era uma coisa. Parecia
carro Maverik de oito cilindros. Um litro era pouco.
Depois as folhas eram colocadas para
secarem. Não se podia expô-las ao sol, porque aí as letras sumiam como num
passe de mágica. Depois se agrupavam as quatro folhas que formavam as oito
páginas do jornal, grampeava-se e pronto! Era só distribuir aos estudantes.
Uma trabalheira de se levar uma tarde
inteira. Mas era tão bom em nossos sonhos de mudanças, transformações...
As resmas de papel eu consegui na
Livraria do Juca, um apoio logístico em troca de um pequeno anúncio, afinal estudantes
sem grana.
O saudoso Juca, bom coração, cedeu
para as feituras das edições as resmas mais os carbonos necessários. E com esse
material produzimos uns oito números que fizeram o maior sucesso, principalmente
entre o público feminino.
Não ficou sequer um exemplar do
jornal O Diálogo para provar a história, mesmo porque a tinta azul das folhas no
mimeógrafo a álcool sumia com o passar dos dias e claridade. Pior do que os
extratos de banco de hoje em dia.
No ano seguinte, 1977, com o jornal
matutino já extinto há muito, inventei de lançar no Colégio Comercial Lagunense
– CCL, um outro jornal.
Surgiu O
Corujão porque as aulas eram no período noturno. Criativo e
sugestivo não? Hehehe.
Só que desta vez os exemplares eram comercializados a
dois cruzeiros, porque o pessoal da noite tinha poder aquisitivo, trabalhava e
tal. Foi um sucesso de vendas. Seu Rui Martins era quem rodava o semanário no mimeógrafo.
Mas o jornal, infelizmente, foi somente até o número 3. A edição de nº 4, já impressa e pronta para distribuir, foi proibida de circular
pela direção do Colégio, porque tecia algumas críticas, pequenos comentários
que desagradaram algumas pessoas.
Morria ali, como tantos outros por
esse Brasil, mais um órgão de imprensa estudantil.
Hoje posso dizer que foi meu primeiro
contato com a censura à imprensa, quando aprendi precocemente que quem detém
autoridade – eleito ou não – não suporta ser questionado em seus atos.
Aprendi nada, cabeça dura que sou,
tanto que continuo questionando até hoje.
Pois semana passada – veja só! -
abrindo o baú físico e memorial, descobri entre meus guardados, numa pasta bem
fechada, entre cartolinas, as 3 edições do Jornal O
Corujão. Não sei explicar como resistiram,
intactas, após quase 40 anos às mudanças, às transformações da minha vida e ao
tempo, se mantendo com a mesma aparência como foram produzidas. Da edição nº 4, não sobrou um só exemplar.
E para que fique registrado neste
Blog, reproduzo aqui os ditos 3 exemplares, com alguns pequenos comentários. Para
ampliar basta clicar sobre eles, vocês sabem:
Capa da edição de nº 1, 18 de abril de 1977. O Jornal Corujão vinha pela rua, chegando e assustando o pessoal. Quanta pretensão. |
Página 3 com o Lá & Cá. Quadrinhas, curiosidades, mensagens... |
Estória de um louco, um texto de Manoel Marques e que já havia sido publicado no extinto jornal O Diálogo. Pequeno texto saudando mais uma edição e outro intitulado CALAMIDADE PRIVADA dando um "pau" na falta de sanitários para os alunos. O jornal começava a incomodar. |
Momento do humor, com palavras cruzadas e desenhos. |
A coluna Fofocolândia com 2 notinhas sobre professores, Elói Matos e Carlos Araújo Horn, e um texto sobre a união de turmas. E mais uma "Estória de um louco", de Manoel Marques. |
O Expediente do Jornal e um texto meu sobre o vestibular. |
Edição nº 3, de 02/05/1977. No desenho de Marcos Bez Birollo, o carrasco lendo o jornal indaga ao condenado à guilhotina qual seu último desejo. - Tenha piedade, deixe-me ler O Corujão também, só um pouquinho!", responde ele. |
Mensagem sobre o verdadeiro amigo; e as diferenças entre o homem e a mulher. Quanto romantismo... |
Uma nova coluna surge. Qual é o grilo? Novamente desenho de Marcos Birollo. E mais uma estória de um louco, de Manoel Marques, cuja autoria não é destacada. |
Surge a vaquinha, com suas "Barbaridades"; um texto meu sobre "A curriola" e a promessa de uma turma (série) de Contabilidade em lançar um outro jornal no Colégio. Pau nas criaturas invejosas e hipócritas. |
Palavras cruzadas, quadrinho e piadas. |
Página 6 e a coluna que fez o maior sucesso "Umas qui outras"; e comparações sobre "O homem ideal tem que ter" e o "Quem dá mais?", as duas escritas por uma tal de Maria, que simplesmente não lembro qual era a aluna. O homem ideal tem que ter o nariz do Nelson Matos? Quem dá mais pelo olhar penetrante do Carlinhos Horn? Penetrante? hummmmmm. Eu hein? |
Surge a tão aguardada página de "Esportes". Resultados do campeonato citatino (sic) de futebol; a nominata da nova diretoria da Liga Atlética Lagunense - LAL. Presidente: Valdemar Manoel de Souza. Na junta disciplinar: João Carlos Silveira e Munir Soares, entre outros. |
O Expediente do jornal e um texto "Pausa para meditação". |
Maravilha de matéria! . Interessante levar ao conhecimento dos estudantes. Valmir, outro dia li aqui no blog sobre a tarefa gratuita que é o resgate dos fatos. Não se ganha nada, mas sabemos que é importante. Fatima Barreto.
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