Ele já foi de moradia. Ele já sediou a chamada Coletoria (depois Exatoria) da Fazenda Estadual. Nele já funcionou a 18ª Delegacia
Regional de Polícia e Ciretran. Ele já foi local da secretaria Municipal de Educação.
Hoje o palacete situado na rua Santo Antônio, no Centro Histórico da Laguna está
abandonado, em estado precário de conservação, com suas obras de arte no muro lateral aguardando um futuro que não
chega.
Dois cachorros
de porcelana portuguesa, silenciosos, postados em dois pilares do portão
lateral, não latem para o descaso.
O imóvel de
arquitetura luso-brasileira, telhado arrematado com platibandas ornamentais virou há tempos um depósito de inservíveis, do que
não se usa mais, do lixo. Arquivo-morto de um tempo que passou.
Suas paredes carunchadas,
tricolores, guardam lembranças etéreas que se perderam no tempo. Vozes
distantes, imagens difusas.
Lá está a casa atravessando os anos e gestões, aguardando uma restauração que nunca vem.
Poderia servir
para sediar a secretaria Municipal de Turismo ou a Fundação Lagunense de Cultura. É um belo
prédio. De rica arquitetura, centenário, histórico, central, turístico.
Precisa ser
restaurado. Quem sabe um fundo perdido? Uma emenda impositiva conseguida
através de um deputado? Um projeto em busca de verbas à cultura estadual ou
nacional?
Um projeto à secretaria Especial de Cultura? Ao Ministério do Turismo? Ao BNDES? Ou uma verba tal e qual à concedida para o PAC de cidades históricas que tão bem restaurou a sede da Banda Carlos Gomes, a Casa de Anita, Casa Candemil e os Clubes Operária, Blondin e Congresso Lagunense?
Qual vereador e deputado poderiam abraçar essa causa? Qual entidade?
Até quando
assistiremos a mais um imóvel público se deteriorando, este em pleno centro
histórico, enquanto a prefeitura paga vultosos aluguéis para suas instalações?
Até quando?
Histórico
Em suas lindas
janelas ogivais pessoas se debruçaram e foram partícipes e testemunhas de gerações que
passaram pela rua Santo Antônio nº 24, acompanhando procissões, desfiles
cívico-militares, o dia-a-dia da rotina da vida lagunense.
O imóvel foi construído
no final do século XIX por João Guimarães Pinho (Jones), filho de Manoel José
Dias Pinho e dª Maria Guimarães Pinho.
Quem foi João Guimarães Pinho
João Guimarães
Pinho nasceu na Laguna em 20 de março de 1865. Depois de alfabetizado foi para
o Rio de Janeiro onde estudou no Colégio Abílio e no Dom Pedro II.
João Guimarães Pinho. Fonte: Memória Política de Santa Catarina/Carlos Humberto Pederneiras/Os Governantes de Santa Catarina de 1739 a 1982. Editora da Ufsc, 1983. |
Depois
retornou a sua terra natal para trabalhar com seu pai e irmãos Salvato e Oscar
Guimarães Pinho. Juntos com o progenitor eram sócios na empresa Manoel Pinho
& Filhos, uma das mais importantes na Laguna, ligada ao ramo de importação
e exportação, proprietária de navios e de moinho de arroz.
Aqui foi
também juiz de Paz e suplente de juiz Federal.
João Guimarães
Pinho pelo Partido Republicano Catarinense (PRC) foi eleito oito vezes deputado
estadual. Chegou a assumir como presidente da Assembleia Legislativa de Santa
Catarina e nesta condição assumiu a interinidade do governo do estado em 1914.
Foi provedor
do nosso Hospital Senhor Bom Jesus dos Passos.
João Guimarães
Pinho casou com dª Maria Otília Martins Pinho em 26 de abril de 1884.
Entre os
filhos do casal, além de Cecy, Iracema, Manoel e Francisco, está dª Diva (Martins) Pinho Gomes, casada com João Rodolfo
Gomes (Joca Moreira).
Dos filhos
deste casamento, está dª Nelly (Pinho) Gomes Mattos, casada com Tancredo (Donga)
Mattos, futuro proprietário do imóvel.
A árvore
genealógica de ascendentes e descendentes é extensa, mesclando-se posteriormente a outros tradicionais
sobrenomes lagunenses: Cabral, Ulysséa, Carneiro, Grott... Não é objetivo aqui, para esta matéria, estendê-la em demasiado.
No ano de 1929,
João Guimarães Pinho mudou-se para o Rio de Janeiro onde faleceu em 12 de
fevereiro de 1948.
Durante muitos anos colaborou com o jornal O Albor escrevendo a coluna "Cartas do Rio", usando o pseudônimo Arthur Machado, abordando assuntos da política nacional.
Em sua
homenagem uma das principais vias do Mar Grosso na Laguna recebeu seu nome:
avenida João Pinho; ainda em vida foi homenageado com o nome do pequeno jardim defronte à Casa Paroquial, ao lado da matriz.
Em Braço do Norte em 1950 criou-se o Curso Normal Regional
(mais tarde Ginásio Normal João Guimarães Pinho), anexo à EEB Dom Joaquim.
Posteriormente, como já informado, Tancredo (Donga) Mattos adquiriu o imóvel, chamado até então de “palacete dos
Pinho” e vai nele residir com a esposa Nelly (neta, portanto, de João Guimarães Pinho).
Ali nascem e vão ser criados todos
os filhos: Edson, Nelson, Nancy, Sérgio e Norton.
Na gestão do
governador Irineu Bornhausen (31/01/1951 a 31/01/1956), o imóvel é vendido por Tancredo (Donga) Mattos ao
estado de Santa Catarina que nele instala a repartição da Coletoria Estadual. Vai funcionar ali
durante anos, transformando-se em ponto de referência.
Cachorros de porcelana portuguesa
O local vai
ser referência por causa daquela importante repartição pública e, principalmente, por dois
tradicionais cachorros de porcelana portuguesa postados em dois pilares do
portão lateral, no recuo com escadaria.
Verdadeiras obras
de arte. Apreciadíssimas, importadas pelo primeiro proprietário, Guimarães
Pinho, da Fábrica DEVEZAS/José P. Valente, fundada em 1884 em Vila Nova de Gaia, em
Porto, Portugal.
Devezas era
uma fábrica especializada em louças de cerâmicas decorativas, azulejaria
figurada e plástica ornamental. Tornou-se conhecida mundialmente pelas
qualidades das peças, hoje objetos raros de coleções, antiquários e museus.
Os dois cachorros de porcelana também estão
precisando de restauro. Mais uma vez. Mas na Laguna parece que quase ninguém mais se
importa com as nossas obras de arte.
Restauro mais uma vez?
Sim. Em 1990
as duas peças de porcelana precisavam igualmente de reparos. Chamei atenção
pelos jornais, protestei através das rádios.
Pouco depois foi
conseguido pelo chefe do escritório do então Sphan (hoje Iphan) da Laguna, arquiteto Dagoberto Martins um restauro nas Oficinas do Centro Integrado de
Cultura (CIC), em Florianópolis.
Os cachorros foram
retirados dos pedestais e para a capital do estado foram levados. Demoraram a retornar. Passaram
meses, mais de ano. Problemas burocráticos quanto ao orçamento/empenho/pagamento a serem feitos pelo estado emperraram o processo. O pessoal na Laguna, já calejado pelo
desaparecimento de outras peças, começou a cobrar das autoridades.
Artista Plástico e Restaurador Aldo Nunes (já falecido), recuperando os cachorros de porcelana em 1991. Foto: Valmir Guedes Jr. |
Por conta
própria fiz uma visita às oficinas do CIC. Lá estavam eles sendo restaurados
por Aldo Nunes e José Carlos Boaventura. Fotografei as peças e o saudoso artista plástico e restaurador Aldo Nunes junto a elas.
Fiz a matéria para o jornal Gazeta Lagunense de dezembro de 1991, em
minha coluna A Bernunça.
Semanas depois,
com toda a pressão feita, inclusive com cobrança realizada pelo então prefeito
Nelson Abrahão Netto (1989-1992) retornavam os cachorros de porcelana à Laguna
e eram recolocados nos devidos lugares. Lá estão até hoje.
Mas precisam novamente ser restaurados e preservados com toda segurança.
Últimos anos
Com a saída da
Exatoria Estadual da Laguna para Tubarão em 1991 (ficou um postinho com apenas dois funcionários que depois também foi extinto) o local ficou
desocupado, até que em 31 de janeiro de 1998, após uma pequena reforma o
governo do estado, seu proprietário, na gestão do governador Paulo Afonso o ocupou novamente,
nele instalando a 18ª Delegacia Regional de Polícia Civil – 18ª Ciretran.
Com a
transferência da Delegacia anos depois, o prédio ficou fechado, sendo cedido pelo estado ao município da Laguna que nele instalou em seu anexo a secretaria
Municipal de Educação, em março de 2013, por conta de um vendaval e invasão de pombos no Centro Administrativo Tordesilhas.
Pouco depois, por falta de
condições físicas (umidade, mofo, cupim, infiltrações, goteiras, etc.) o prédio da rua Santo Antônio foi desocupado e desde então se
encontra fechado, com o anexo dos fundos utilizado eventualmente como depósito. Já houve furtos em seu interior no ano passado.
Pergunto mais
uma vez: Até quando?
Esse casarão é realmente muito lindo!
ResponderExcluirQuantas histórias.... é triste ver um patrimônio com esse valor histórico,abandonado.
A cidade perde mais uma oportunidade.
Quem sabe ainda haja tempo para uma restauração.Esta na hora de reinvindicar.
Parabéns Valmir pela publicação dessa matéria.
Nidia
Realmente um imóvel dos mais tradicionais e lindos da nossa Laguna. Grato pela leitura.
ExcluirDá uma tristeza quando passo ali. Aquele casarão tem que ser restaurado. Antes que caia. Boa história.
ResponderExcluirVamos torcer pela seu restauro e aproveitamento. Agradeço a leitura.
ExcluirUm casarão em estilo luso-brasileiro com a cara e a identidade lagunense não pode ser deixado ao desleixo, ao acaso, merece mais que uma restauração, um tratamento nobre a altura de sua história.
ResponderExcluirMais uma matéria show. Querem que os proprietários recuperem suas casas mas o proprio governo não faz sua parte.
ResponderExcluirTomara que não vire ruínas.
Tomara mesmo, Apesar de estar há anos abandonado e servindo de mau exemplo.
ExcluirGrato pela leitura.
Esses imponentes e vigilantes cães, dia e noite, faça chuva ou sol, desde o meu tempo de garoto, estão ali perfilados, compenetrados e atentos à passagem do tempo, os seus guardiões, guardiões do palacete. Fiéis ao seu dono que, ingrato, não lhes dá a mínima atenção, uma retribuição, um afago como todo o canino gosta. Um caso histórico de maus tratos aos animais, ao seu simbolismo, o que revela o desprezo, o desapreço, uma virada de costas a um passado tão cheio de glórias e rico, como bem escreveste neste artigo. Lamentável, porque vejo, assim como o que acontece com a Estátua, outra obra de arte – e aí incluo o palacete -, formando uma lista de verdadeiros crimes contra a memória e o patrimônio coletivos da Laguna. Ainda bem que existem pessoas, Valmir, que alertam para esses descalabros. Lembrando o brado tradicional e esperado do bloco do raiar das terças de Carnaval: Acorda, Laguna! Abraço do Adolfo PV da Silva
ResponderExcluirRealmente abandonar esse casarão é um crime contra o Patrimônio Histórico da nossa Laguna. Grato pela assídua leitura.
ExcluirParabéns novamente, pela história e pelo alerta. Em nossa cidade, pelo fato de ter sido no passado um lugar tão importante, possuímos inúmeros casos como este de descaso e negligência. Quando digo inúmeros, não é simples expressão para exemplificação e sim uma realidade incomoda que nos rodeia desde sempre. Descaso, desprezo, falta de vontade são práticas que nos entristecem, por entendermos que as coisas deveriam ou poderiam ser diferentes. Por isso faço coro em seu questionamento final. Abraço.
ResponderExcluirAgradeço a leitura e comentário sobre o importante tema.
ExcluirParabéns Valmir, por abordar mais um tema, que infelizmente a administração publica ignora. Renato Joinville
ResponderExcluirAgradeço a leitura, meu caro. Vamos fazendo a nossa parte, mostrando e pedindo providências. Abraço.
ExcluirOlá. Parabéns pelo Blog. Você tem informações sobre a localizaçao da farmácia do Raulino Horn? Ele tinha casas em Laguna ? Desde já agradeço
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