O número sete
é considerado místico. Sete são as cores do arco-íris. Sete os Pecados
Capitais. Sete as notas musicais. Sete os dias da semana. Sete sepultamentos
teve Anita Garibaldi.
Número da
Perfeição Divina: No sétimo dia Deus descansou de todas as suas obras, diz a
Bíblia.
Sete também já
foram os nomes de uma Praça no Centro Histórico da Laguna.
No começo ela
nem poderia ser chamada de praça. Pelo menos não como a conhecemos hoje. Era um
mero descampado coberto de relva. Uma área em forma de triângulo sem qualquer tipo
de infraestrutura.
Mas seu espaço
era o centro nevrálgico da Vila da Laguna que depois virou cidade.
A então Praça Conselheiro Mafra (hoje República
Juliana), à direita, em cartão-postal colorizado de 1910. |
Num prédio na
cor branca ali situado, de dois andares, eram feitas as leis municipais que
regiam a comunidade.
Era também
local do Tribunal de Audiências e do Júri, e do Paço da Câmara Municipal.
Notícias eram
divulgadas. Decisões tomadas e proclamadas ao povo das sacadas e escadaria,
após toques de um sino situado num arco, que também anunciava as horas das
audiências, as chamadas dos jurados e horário de fechamento dos
estabelecimentos comerciais.
O povo ali
embaixo, aguardando, ouvindo, a obedecer a ordens nem sempre do seu agrado ou
em seu benefício. Determinações às vezes visando outros interesses, de
poderosos, influentes, mandões. Como sempre.
Da sacada foi proclamada uma República
Da sacada do
prédio, historicamente foi proclamada a República Catarinense em 29 de julho de
1839. Ali David Canabarro esteve com os demais farroupilhas e simpatizantes da
Revolução, entre eles o general Giuseppe Garibaldi.
Ao redor de
uma mesa em seu piso superior vereadores lagunenses aceitaram o novo regime e
Laguna como capital, chamada Cidade Juliana, e transcreveram em ata a histórica
sessão.
Nesse mesmo
prédio, em seu térreo foi instalado pelo lado norte o Corpo da Guarda. No lado
sul as celas da cadeia, as úmidas enxovias onde ficavam os acusados e/ou condenados
a cumprir suas penas determinadas pela Justiça.
Bem por isso o
povo a chamou, primeiramente, e popularmente ficou conhecida, como Praça da
Cadeia.
Sábio o povo
em suas denominações de logradouros públicos na nossa Laguna: Rua das Cozinhas,
Rua da Banca, Rua do Fogo, Rua Direita, Rua da Fonte, Rua da Igreja, Rua do
Teatro, Rua da Praia...
Simples,
direto, sem imerecidas homenagens, sem puxa-saquismo, hipocrisia e demagogia barata.
Linguagem
popular, conhecida, geográfica, referencial.
Ao redor da
então Praça da Cadeia, além de residências, se instalaram ao longo do tempo
inúmeros estabelecimentos comerciais, como armazéns, escritórios de advocacia,
barbearias, alfaiatarias, farmácias, clubes, associações, bibliotecas, ateliê fotográfico,
panificadoras, restaurantes, bares, fábricas, livrarias, cartório, órgãos públicos...
No vértice do
triângulo do início da Rua Raulino Horn funcionavam em fins do século XIX e
primeiras décadas do século XX, as agências do Telégrafo e do Correio.
Nome da Praça alterado ao longo do tempo
Nossos
governantes representantes, ao sabor dos acontecimentos que se sucediam,
alteravam a nomenclatura do local.
Os nomes variavam
conforme o regime vigente, pelo falecimento de alguma autoridade mais eminente,
ou por sugestões e leis que partiam de membros do Legislativo ou Executivo Municipal.
Sete nomes
teve a Praça. Uma Praça na Laguna e seus sete nomes:
1) Praça da Cadeia
Diz Saul Ulysséa em seu livro “Laguna de 1880”,
que era assim conhecida no passado. Com esse mesmo nome, Praça da Cadeia, a ela
se referem outros historiadores e viajantes que por aqui passaram pelo século
XIX.
Como já antecipado, o nome faz ligação com o
prédio no local, um dos primeiros em nossa cidade, construído em sua primeira
etapa mais baixa em 1747 (informa Ulysséa), local onde funcionava o Tribunal de
Audiências e do Júri, e do Paço da Câmara Municipal.
Nesse mesmo prédio, em seu térreo, foi instalado
pelo lado norte o Corpo da Guarda. No lado sul as celas da cadeia. Bem por isso
a denominação popular da praça.
2) Praça Conde D'Eu
Em
1881, em sua “Descrição do Município”, Francisco Isidoro Rodrigues da Costa,
que foi juiz de Direito da nossa Comarca, cita o local como já sendo Praça
Conde D’Eu. Mas a alteração do nome se deu alguns anos antes.
O Príncipe Imperial Luís Filipe Maria Fernando
Gastão, o Conde D’Eu, marido da Princesa Isabel foi convocado, após muito
insistir, para liderar como comandante-em-chefe os exércitos aliados em 1869,
na Guerra do Paraguai, também denominada de Guerra da Tríplice Aliança.
Pela grande habilidade estratégica, coragem e
sangue-frio que demonstrou no conflito, ao retornar ao Brasil em 1870, foi
recebido como herói e realizadas grandes manifestações populares.
As homenagens se sucederam pelo Brasil com
diversos logradouros públicos recebendo o seu nome.
Foi o caso da Laguna que alterou a então Praça da
Cadeia para Praça Conde D’Eu.
Publicidade do advogado Luiz Vianna citando a Praça Conde D'Eu. Jornal O Município de 12 de janeiro de 1879. |
Em 1884 o Conde aqui esteve, de passagem,
vistoriando as obras da Estrada de Ferro e a Ponte de Laranjeiras, em Cabeçuda,
que estava em construção.
Anos depois o município de Orleans foi assim
denominado porque colonizado em terras pertencentes à Princesa Isabel e seu
príncipe consorte.
3) Praça da República
Com
a Proclamação da República em 15 de novembro de 1889, foram substituídos pelo
Brasil praticamente em sua totalidade, nomes de logradouros públicos,
associações e entidades que lembravam a Monarquia ou denominações a ela
vinculadas.
Outros nomes pelo país que apoiaram e agora
serviam ao novo regime implantado passaram a receber homenagens dali em diante.
Em Santa Catarina podemos citar diversos exemplos,
sendo o mais destacado (e emblemático) o da nossa capital que de Nossa Senhora
do Desterro passou a chamar-se Florianópolis em homenagem ao segundo presidente
republicano, o marechal Floriano Peixoto. Aliás, nome que o nosso Campo do
Manejo (hoje Praça Vidal Ramos) também recebeu.
O Jornal O
Futuro de 26 de dezembro de 1891, editado em nossa cidade, já faz referência
à nova Praça da República.
E foram milhares de Praças, ruas, associações,
clubes, etc., denominados XV de Novembro, em homenagem à data.
Na Laguna foram trocadas as nomenclaturas de muitos
logradouros, dentre eles:
Rua Bragança (virou 16 de abril e mais tarde João
Pessoa); Travessa do Império (hoje Rua Custódio Bessa); Rua dos Andradas (hoje
Voluntário Benevides); Rua do Teatro (depois Rua do Império e hoje Rua XV de
Novembro).
A nossa Praça Conde D’Eu passou a denominar-se
Praça da República.
4) Praça Conselheiro Mafra
Em novembro de 1904 foi aprovado pelo Conselho
Municipal da Laguna e sancionado pelo superintendente (prefeito) José Maurício
dos Santos um projeto de lei alterando o nome de Praça da República para Praça
Conselheiro Mafra.
O jornal O
Albor de 2 de dezembro daquele ano registrou a mudança, salientando que
“Era uma homenagem ao ilustre jurisconsulto catarinense que, com tanta erudição
e brilho, tem patrocinado a causa do nosso estado na questão dos limites com o
Paraná”.
Era a Guerra do Contestado que teve solução
judicial graças ao dossiê elaborado por Manuel da Silva Mafra.
Um município do oeste catarinense recebeu seu
nome, assim como uma rua em Florianópolis que teve sua denominação alterada de
Rua do Príncipe para Conselheiro Mafra.
Laguna se aliou às homenagens e também alterou o
nome de nossa praça.
5) Praça da Bandeira
Desde a Revolução de 1930 o Brasil vivia o tempo
do getulismo, onde os símbolos pátrios tomavam proporção de verdadeira
veneração, através do nacionalismo.
Desfiles cívico-militares tinham a Bandeira
Nacional como símbolo máximo de um povo e seu território.
O prefeito da Laguna Giocondo Tasso, nomeado pelo
Interventor em Santa Catarina Aristiliano Ramos em 1933 e alguns anos depois
eleito ao mesmo cargo por voto direto, não fugiu à regra.
Uma solenidade na Praça. Ao fundo, à esquerda, a construção chamada Potreiro, que deu nome à praça vizinha. |
Bem por isso, novamente a nossa Praça teve seu
nome alterado, passando a ser denominada Praça da Bandeira, com a construção de
um grande suporte para hasteamento de três bandeiras: a nacional, a estadual e a
municipal; e a edificação no fim da década de 1930 de um Obelisco no centro daquela
área em homenagem à República Juliana em seu centenário comemorado festivamente
em 29 de julho de 1939.
A denominação “Praça da Bandeira” foi a que mais se
fixou na memória de gerações e até hoje citada pelos mais idosos.
6) Praça Anita Garibaldi
Durante a gestão do prefeito Juaci Ungaretti
(31/01/66) a 31/01/70), novamente foi alterada a nomenclatura da praça.
Com a inauguração da Estátua da nossa heroína no
centro daquela área em 20 de setembro de 1964, o povo começou a se referir ao
local, numa espécie de geolocalização, num referencial, como Praça de Anita.
Com o nome de Anita já mais consolidado no cenário
histórico lagunense, catarinense e brasileiro, com pesquisas, estudos e livros
sendo publicados, principalmente de autoria de Wolfgang Ludwig Rau, o local
passou a se consolidar como um ponto turístico atrativo, trazendo mais
visitantes.
O prefeito Juaci com sua visão progressista, vendo
no turismo histórico e de veraneio uma mola propulsora para o desenvolvimento
de nossa cidade, alterou, com apoio dos vereadores, a nomenclatura da Praça.
Utilizou-se do personagem de Anita Garibaldi como
chamariz, um atrativo, utilizando-se duma ferramenta que seria conhecida anos
depois como “marketing turístico e histórico”.
Penso que foi o nome mais acertado, mais adequado
e valoroso dos sete utilizados ao longo do tempo para denominar a Praça, sem
demérito algum sobre os demais.
7) Praça República Juliana
Na gestão seguinte, os vereadores lagunenses
aprovaram a Lei nº 14/71 e o prefeito Saul Baião (31/01/70 a 31/01/73) a
sancionou, alterando pela sétima vez o nome da Praça.
De Praça Anita Garibaldi para Praça República Juliana,
nome que se perpetua até os dias atuais.
Houve algumas críticas pela mudança, inclusive
pela imprensa catarinense.
Mas a troca se dava por determinação da Agência
dos Correios.
Além disso, a prefeitura e vereadores se
defenderam dizendo que “Foi justamente do Movimento Farroupilha, nesta cidade,
que emergiu o nome de Anita. A República Juliana, proclamada em 1839, deu
ensejo a que Anita se projetasse por sua coragem e bravura.
A nova denominação daquela Praça, embora
chamando-se agora “Praça República Juliana”, continua sendo, ainda que
indiretamente, uma homenagem a Ana de Jesus Ribeiro – Anita Garibaldi.
Sabemos cultuar a memória de nossos heróis,
talvez, como poucos o saibam.
Nossas tradições históricas datam de trezentos
anos e nos ensinaram a assim proceder”.
Troca atendeu
determinação dos Correios
Mas a mudança tinha sua razão de ser, um motivo
básico. Pelo menos foi o alegado na época.
Conforme as justificativas dos vereadores e
prefeito, a troca de nomes atendia “recente determinação, ou melhor,
solicitação da Empresa Brasileira dos Correios e Telégrafos, que em uma mesma
cidade não era aconselhável existir dois logradouros públicos com a mesma
denominação”.
Explique-se:
No município da Laguna já existia uma Avenida
Anita Garibaldi.
Onde se localizava?
Ela iniciava onde hoje é a rótula defronte ao
Centro Administrativo Tordesilhas, nas proximidades do Ceal, em direção ao hoje
Sambódromo, à Avenida Castelo Branco (atual João Marronzinho).
Da citada rótula em direção ao centro e bairro Magalhães,
finalizando ao lado do Colégio Stella Maris, ela se chamava Avenida Brito
Peixoto.
Anos depois, por volta de 1975, novos
representantes municipais querendo homenagear o governador de Santa Catarina,
lagunense Colombo Machado Salles (1971-1975), deram seu nome à avenida em toda
a sua extensão, mesmo porque foi quase toda ela lajotada com recursos
estaduais.
Para compensar, o fundador da Laguna Domingos de Brito
Peixoto e seu filho Francisco ganharam um monumento em 1982 na pequena Praça defronte
ao Cine Mussi; e Anita Garibaldi ganhou o nome de uma curta rua, de alguns
metros de extensão, paralela à antiga avenida que levava seu nome, ali defronte
à Rodoviária.
Além disso, só para lembrar, já existiam o Clube
Anita Garibaldi, a Árvore de Anita Garibaldi, a Rádio Garibaldi, o Museu Anita Garibaldi, a Estátua de Anita
Garibaldi e a Casa de Anita Garibaldi.
Depois surgiu o Aeroporto Anita Garibaldi na Praia
do Sol, que recebeu esta denominação a partir de 2009, e, nos dias atuais, a beleza
da Ponte Anita Garibaldi, inaugurada em 2015. Além de casas comerciais, produtos, fundações e
institutos.
Que legal. Não sabia que foram 7 nomes aquela praça. Abraço
ResponderExcluirPois então, Geraldo. Confesso que não sabia da Praça da República. Grato pela leitura.
ExcluirQuantas histórias para uma Praça. Até hoje chamo de Praça da Bandeira. Esse nome ficou na minha memória.
ResponderExcluirEu também continuo chamando de Praça da Bandeira. Aliás, lagunense da gema acho que a chama assim. Agradeço a leitura é comentário.
ExcluirParabéns Valmir pela divulgação de mais uma parte da história de Laguna.
ResponderExcluirNas fotos da época,ficam as marcas da história...as casas,algumas ainda existem,as ruas,as pessoas percebemos a passagem do tempo.
Abraços, Nidia
Verdade Nidia. Cada pesquisa dessas é uma viagem. Quantos passaram e passamos...
ExcluirGrato pela leitura e participação.
Pelo jeito, as mudanças não terminam por aí. Agora foi mudado o nome da Escola Jeronimo Coelho. Renato Joinville
ResponderExcluirE muitas vezes o que é para mudar não muda, Renato.
ExcluirAgradeço a sempre leitura e participação aqui no Blog.
Parabéns por essa matéria de inegável relevância, onde além dos aspectos históricos, nos mostra também sobre a brevidade das coisas, que mudam conforme a ocasião, mesmo sendo só em relação a um nome de uma rua ou praça, nos faz pensar. Obrigado.
ResponderExcluirAgradeço a leitura e tuas palavras, Norton. Parabéns para ti pelas fotos da Laguna muito bem colorizadas digitalmente. Abraço.
ExcluirValmir, como sempre, estais de parabéns pela matéria veiculada. Lembro, quando pequeno, da retirada e transporte do obrlisco para a praça que fica atrás do CEAL. Mais uma vez, parabéns por mais essa bela matéria que resgata nossa história. Abraço.
ResponderExcluirAgradeço a leitura do Blog e participaçao nos comentários. Lamento que não se identificou. Abraço.
ExcluirSem dúvida, de extrema relevância e bastante detalhada nossa história. Nossa terra que amamos. Parabéns!
ResponderExcluirAgradeço a leitura e incentivo, Fátima. Grande abraço.
ExcluirValmir, gostei da simbologia do número sete aplicada aos sete nomes que a nossa praça recebeu desde o seu início como logradouro. Além da impecável pesquisa, vi que em todas as trocas não faltaram argumentos e fatos a justificar cada mudança. Mas, há coisas, que de tão perenes que são na sua essência, nenhum modernismo destrói ou apaga, ou seja, no popular, não colam, que, até hoje - lembrando a minha tia-avó Alzira e a minha mãe Leda, que ali nasceu, permanece na minha memória e para minha georreferência, como bem-escrito por ti, a tal da Praça da Bandeira. Abraço do Adolfo PV da Silva
ResponderExcluir