"As febres loucas e breves que mancham o silêncio e o cais"
(Corsário - Aldir Blanc/João Bosco)
Foram diversas
epidemias que atingiram a nossa velha e tricentenária Laguna. Algumas delas
devastadoras à população.
Dentre as
doenças infecciosas estão a varíola, febre amarela, a temida febre cerebral, cólera e
coqueluche.
Quando surgiam
pelos jornais notícias de surtos de epidemias em outras regiões ou cidades como, por exemplo, o Rio de Janeiro, a população local já ficava apavorada.
Editoriais dos
periódicos lagunenses pediam providências preventivas às autoridades.
Sem vacinas
para a maioria das doenças naqueles recuados anos, com conhecimentos médicos
ainda incipientes, apesar das lutas incansáveis dos profissionais da saúde e
cientistas, além da falta de recursos, a população ficava entregue à
misericórdia Divina, e a sua própria sorte.
Grande parte
da população também resistia em ser vacinada à medida que as vacinas surgiam.
Se nos dias atuais isso ainda
acontece, imagine naquelas épocas.
Acreditava-se
que era melhor ser contaminado de uma vez para ficar imune pelo resto da vida,
“Já que ela não dava duas vezes”.
O problema é
que em muitos casos a varíola matava ou deixava terríveis sequelas, como
cegueiras e o rosto do doente todo marcado, esburacado, bexiguento, bem por
isso o nome popular da doença.
Nas páginas da
história do Brasil ficou registrada a Revolta da Vacina, reação de parte da
população no Rio de Janeiro à vacinação obrigatória, tornada lei em outubro de
1904 e inserida nas medidas sanitaristas do médico Oswaldo Cruz.
Laguna: “Emanações pantanosas”
Além disso, as
condições sanitárias das cidades, das Vilas, dos povoados, da população em
geral, não eram das melhores.
Francisco
Isidoro Rodrigues da Costa, juiz de Direito na Laguna em 1877, deixou um
manuscrito de 216 páginas, contando sobre Laguna, seus aspectos geográficos,
históricos, sociológicos e econômicos.
No tópico “Higiene”, Isidoro Rodrigues
escreveu:
“A higiene pública, que sempre mereceu particular
atenção da parte dos governos, é, infelizmente, questão de pouca monta entre
nós, apesar de diariamente se darem casos funestos, por onde se pode avaliar a
sua necessidade e importância. A Laguna, cidade importante da Província, não
tem procurado melhorar o seu estado sanitário.
As emanações pantanosas, sobretudo, que favorecem
a propagação de epidemias, não são extintas. A providência favoreceu o povo com
uma contínua mudança de ventos, que carregam os miasmas e contribuem para a
salubridade, embora de 1874 a 1878 a epidemia da Varíola dizimasse a população.
Estando em frequente comunicação com o Rio de
Janeiro, facilmente se importa a Febre Amarela, as Bexigas e todas as espécies
de epidemias. Deve-se por isso conservar as casas, as ruas, os valos e outros
focos de miasmas sempre acionados, observando os preceitos higiênicos”.
Oswaldo
Rodrigues Cabral diz que a varíola não poderia nem se considerada uma epidemia,
porque ela nunca deixou de estar presente entre nós catarinenses, tanto no
século XIX como nos anos iniciais do século XX.
Ano após ano
surgiam os surtos de maior ou menor intensidade.
Varíola pela primeira em SC em 1775, diz Cabral
Para Cabral a
varíola entrou pela primeira vez em território catarinense em 1775, trazida
pela tropa que rumava para o sul e que ficou aguardando transporte na Ilha.
“Alguns soldados contraíram as “bexigas” e foram
desembarcados na Vila para serem tratados na enfermaria militar”.
Morreram
trinta e cinco rapidamente. Cinquenta e sete tiveram ordens de embarcar.
“O restante, embora poupado à morte, mas atingido,
mal convalescido, debilitado, ainda no período de descamação, perseguido por
uma sarna impertinente, teve ordem, mesmo assim, de prosseguir viagem, de
embarcar para a Laguna e de lá seguir para o Rio Grande... a pé!
E continua Cabral: “Laguna foi atingida, nem
poderia deixar de ser... E, notícias recolhidas falam de que Porto Alegre e Rio
Pardo também. Resultado: de toda a tropa, metade, ou mais, não chegou ao
destino”.
A varíola nos anos de 1870
Conforme vimos
no Relatório do juiz Rodrigues da Costa, a varíola atacou a população lagunense
e dizimou muitas vidas nos anos de 1874 a 1878.
De fato. A
varíola aqui atacou por vários anos do século XIX.
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Na seta indicativa, o prédio onde funcionou o primeiro hospital da Laguna, no caminho do Magalhães, à beira da Lagoa Santo Antônio dos Anjos. |
Nosso primeiro
hospital, São Francisco de Assis, fundado em 1864, (conforme Saul Ulysséa, já
que outros autores falam em 1855 como ano de sua criação), funcionava precariamente num
prédio alugado na então chamada Praia do Estaleiro.
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Década de 1970. À esquerda ruínas do Hospital São Francisco de Assis (Estaleiro). À direita obras do futuro Iate Clube. Aos fundos, as primeiras casas na chamada Ponta dos Martins (hoje Ponta das Pedras).
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Era no caminho para o Magalhães,
à beira da Lagoa, ao lado do palacete de Francisco Fernandes Martins. Tinha
somente dez leitos e não atendia doentes epidêmicos.
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Hospital de Caridade Senhor Bom Jesus dos Passos na virada dos século XIX/XX |
O Hospital de
Caridade Senhor Bom Jesus dos Passos foi fundado em 1884.
Não tínhamos um local exclusivo para recolhimento de doentes epidêmicos, um lazareto, como era então denominado.
1874: “A morte parecia insaciável”
Em 13 de agosto
de 1874, o jornal A Regeneração
publicava um abaixo-assinado contendo 68 nomes de ilustres personalidades
lagunenses.
Agradeciam ao
médico Pedro G. de Argollo Ferrão pelo seu trabalho incansável no atendimento
aos doentes de varíola em nossa cidade.
Os parágrafos
iniciais diziam:
“Os
abaixo-assinados são testemunhas oculares das cenas de consternação produzidas
pela terrível epidemia da varíola, que assola há cinco meses esta população,
fazendo uma mortalidade como até hoje nunca foi vista neste lugar.
Hoje era o
filho pranteando a morte de seus pais; amanhã a viúva que trajava o crepe pelo
esposo que perdera; mais logo, a mãe desolada que beijava o cadáver do filhinho
querido!
A morte
parecia insaciável, e o luto cobria já muitas famílias! O povo em desânimo
sentia-se tomado de pavor ante tantas cenas lutuosas!”.
Em novembro do
mesmo ano a varíola ainda fazia vítimas, tanto que o presidente da Província
mandou à disposição da nossa Câmara a quantia de 200$000 (duzentos mil réis) “para
socorrer os indigentes atacados da varíola”, conforme noticiou A Regeneração de 26 de novembro de 1874.
No mês
seguinte, dezembro, desembarcou na Laguna, certamente desavisado, vindo a bordo
do Vapor S. Lourenço, o Visconde de
Barbacena e grande comitiva para visitas, principalmente às minas de carvão e
ao futuro leito da estrada de ferro.
Hospedou-se na
casa do juiz de Direito Manoel do Nascimento Fonseca Galvão. No dia seguinte
pela manhã cedo assistiu missa na Matriz.
Aí deve ter
sabido que a varíola continuava atacando por aqui. Não quis saber de mais nada.
Imediatamente embarcou no navio e dali não mais saiu. Horas depois foi embora,
saindo pela barra afora.
1878: Governador pede providências
Em 13 de
outubro de 1878 o jornal A Regeneração
publicou correspondência do presidente (governador) da Província de Santa
Catarina ao inspetor de Saúde Pública do estado.
Solicitava quais
providências a serem tomadas “para acautelar ou impedir a propagação da
epidemia de varíola, que grassa atualmente na corte, e já se manifestou na
Laguna, segundo comunicação do delegado de polícia daquele lugar”.
Não há maiores
informações na imprensa, mas o ofício bem demonstra que a varíola novamente
visitava nossa cidade.
1879: Doentes atendidos numa casa perto da Carioca
Em 1879 a
imprensa publicava notícias sobre a moléstia que estava novamente entre nós.
Foi nos
primeiros dias de janeiro daquele ano. Como não havia lazareto, como sabemos, o
doentes foram atendidos numa pequena casa situada no Largo da Carioca.
“Logo perto da
Carioca! por onde diariamente transitam centenas de pessoas”, criticava o
jornal O Município, de 8 de abril
daquele ano. Possuía um enfermeiro e dois ajudantes pagos pela municipalidade.
O médico Francisco
José Luiz Vianna explicou que a casa nas imediações da Carioca foi utilizada
porque já haviam no local seis moradores, uma mãe e cinco filhos infectados.
“Habitando regiões incógnitas”
No dia 22 de
abril era anunciado o fechamento da enfermaria improvisada “por não haver mais
doentes de varíola”. Pudera, tinham morrido todos.
O jornal O Município dizia que a falta de maiores cuidados e recursos, além da inexperiência no tratamento dos doentes atacados do mal, fizeram com que eles “tivessem mais tarde alta, não para se reunirem aos seus cá na terra, mas sim a aqueles que habitam nas regiões incógnitas”.
Fechou a casa,
mas a doença continuava.
Em 13 de
julho, o jornal A Verdade pedia
providências às autoridades, tendo em vista o reaparecimento da varíola em seis
pessoas no Potreiro, como era então chamado o Largo do Rosário, na hoje Praça
Jerônimo Coelho.
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Jornal A Verdade de 13 de julho de 1879. |
Em 20, o mesmo
jornal dizia que a varíola ia fazendo vítimas pela cidade.
“Vai de novo
fazendo vítimas essa terrível enfermidade, sendo que, segundo consta-nos, não
se tem tomado as medidas precisas: pois tendo já falecido três pessoas daquele
flagelo, algumas delas têm ficado insepultas por mais de 12 horas, quando
parece que não se deveria prolongar por tanto tempo”.
Varíola a bordo no Porto em 1902 – 1ª Revolta
Popular
Em 31 de
janeiro de 1902, logo pela manhã abafada e quente, uma notícia assustadora
correu rapidamente pelas estreitas ruas, casas comerciais e residenciais da
Laguna.
Ela dizia que
havia um marinheiro portador de varíola a bordo do navio Industrial, que chegava naqueles instantes ao nosso velho porto,
proveniente do Rio de Janeiro.
Como a notícia
chegou antes da embarcação, não se sabe.
O navio, de
propriedade da empresa de Manoel Pinho & Filhos, uma das mais importantes
de nossa cidade, fazia o trajeto regular entre a Capital Federal, Florianópolis
e Laguna, transportando variadas cargas.
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Porto da Laguna em 1906 |
O comissário
de Polícia Gentil Collaço Veras logo foi avisado do fato e se dirigindo
rapidamente ao local proibiu qualquer comunicação ou contato dos tripulantes
com pessoas em terra. Deu ordens expressas ao comandante para manter a embarcação
ao largo na Lagoa Santo Antônio dos Anjos, isto é, sem atracar.
As ordens não
foram acatadas e o navio encostou ao trapiche reservado à empresa.
Com medo de
contágio, apavorados mesmo, tendo em vista os acontecimentos do passado que ainda
estavam bem nítidos na lembrança das pessoas, das mortes e sofrimentos no final
dos anos de 1870, populares exaltados se mobilizaram e foram ao local
protestar.
Lá intimaram o
comandante para se retirar com seu navio. Ficaram de vigília durante à tarde e
noite e como o ultimato não foi cumprido, cortaram as amarras.
No dia seguinte o médico Henrique Chenaud foi
convocado para subir a bordo e constatar ou não a suspeita.
Confirmada a doença,
ordens foram dadas para que a embarcação saísse pela barra, o que logo aconteceu.
O Industrial foi para Florianópolis,
deixou o doente no Lazareto da capital, situado na Ilha de Ratones, foi desinfetado
e retornou à Laguna, onde desembarcou sua carga. Dias depois, em 7 de
fevereiro, partiu novamente em direção ao Rio de Janeiro.
Este
acontecimento serve para demonstrar como o povo tinha verdadeiro pavor das
epidemias, até porque tinha passado por várias delas ao longo dos anos, perdido
entes queridos ou ficaram com sequelas.
Laguna não tinha Lazareto
Lazareto era
um local para isolamento de pacientes acometidos pelas doenças infectocontagiosas.
Laguna, mesmo sendo uma cidade portuária de grande movimento, com entradas e
saídas de muitas embarcações de várias praças, por incrível que pareça, ainda
não possuía um.
Varíola a bordo no Porto em 1904 – 2ª Revolta
Popular
Nos primeiros
dias de julho de 1904 começam a chegar a nossa cidade notícias alarmantes do
Rio de Janeiro dando conta do aumento pavoroso da varíola por lá.
O Albor de 15 de julho noticia o fato,
dizendo que a média diária de mortes na então capital federal era de 20
pessoas.
“Só no
Hospital São Sebastião estavam em tratamento de varíola em 6 do corrente, 246
doentes”, destacava o semanário lagunense.
A imprensa
aconselhava o povo a vacinar-se, como medida preventiva, mas havia muita resistência
por parte da população.
Na edição
seguinte de 20 de agosto O Albor
volta ao tema:
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O Albor de 20 de agosto de 1904: alerta! |
“Cuidado! A
varíola está fazendo grande número de vítimas no Rio de Janeiro.
É conveniente
que nos acautelemos, procurando vacinar-nos e revacinar-nos.
O boletim de
estatística demógrafo-sanitária, relativo a semana de 25 a 31 de julho último,
acusa naquela cidade 267 notificações de varíola às delegacias de saúde.
Do obituário
d’esses sete dias constam terem sucumbido ao terrível morbus (doença) 92 pessoas!
Cuidado!”
Nos dias de
hoje O Albor poderia ser facilmente acusado
de estar propalando o terror, xingado de coveiro ou de publicar fake
news.
Mas eram fatos
verdadeiros. Com tão terríveis números e avisos pela imprensa o pessoal já
ficava alarmado muito antes, já aguardando o pior.
Guardas para proibir entrada de abelhudos
Em 9 de
setembro o superintendente (prefeito) municipal em exercício da Laguna, Oscar
Guimarães Pinho solicitou dois guardas (praças) para que ficassem postados nos
trapiches quando da chegada de navios provenientes do Rio de Janeiro.
A medida
visava evitar a entrada de pessoas, principalmente crianças que, por
curiosidade, invadiam as embarcações.
“Esse costume,
em épocas como a atual, em que grassam com intensidade várias epidemias no Rio
de Janeiro, pode trazer consequências gravíssimas, no caso de haver epidemias a
bordo, pois o contágio se estabeleceria de forma a se tornar difícil o emprego
de medidas higiênicas de isolamento”, esclarecia o superintendente pelas
páginas do O Albor.
Eita gente
mexeriqueira que não podia ver chegar um navio que já ia entrando na embarcação
sem ser convidada.
Doente é levado em carroça do Areal ao Iró
Em setembro,
um novo caso de varíola a bordo do mesmo navio Industrial, repete o acontecido dois anos antes, em 1902.
Novamente
ficou resolvido que o navio partisse para deixar o doente no lazarento da
Capital.
Só que desta
vez as condições da nossa Barra não permitiram a saída do navio. A tripulação
também se negava a prosseguir viagem com o doente a bordo e solicitou que ele
fosse, com brevidade, removido para terra.
Aí foi que a
porca torceu o rabo.
Dois anos
tinham se passado e ninguém tinha tomado providências quanto à construção de
uma casa de acolhimento em nossa cidade.
Eita Laguna! A
coisa já vem de tempos!
O coronel
superintendente José Maurício dos Santos já de volta ao cargo (devia estar de
férias ou licença médica, sei lá), conseguiu uma casa no Areal em propriedade
cedida por Álvaro Carneiro para instalar o enfermo. Para lá mandou seguir
móveis, objetos e materiais higiênicos.
Com isso,
parecia tudo resolvido.
Nãnãninanão...
Não na nossa Laguna onde tudo é sempre difícil.
Moradores da
rua Almirante Lamego – é o jornal quem o diz -, foram até a prefeitura
protestar porque o local escolhido ficava muito próximo de suas casas.
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Foto feita do alto do Morro do Rosário. À direita a rua Almirante Lamego, no Campo de Fora. À esquerda, na seta, o local provável da casa de Álvaro Carneiro, no Areal. |
O prefeito que
não era bobo nem nada, certamente pensando nos votos de sua próxima
candidatura, acatou a reivindicação e solicitou aos comerciantes Pacheco &
Irmãos a cessão de uma casa no Morro do Iró, completamente isolada e distante
da população.
No meio da
tarde, o doente foi transportado em canoa do Industrial para a praia do Areal e de lá em carroça até o Iró.
Diz o jornal O Commercio de 2 de outubro de 1902 que
Fernando Souza e Alípio Berthinho foram contratados pela municipalidade para
buscar, levar e tratar o marinheiro.
Já o jornal O Albor informa que “Foram necessários
quatro pessoas para segurá-lo, visto o seu estado de delírio violento”.
O que prova
que a condição do doente já não era das melhores.
Finalmente, no
dia 27 de setembro, o navio Industrial
partiu para o Rio de Janeiro, “ficando assim a população mais tranquila, pois
muitas pessoas receavam que fossem aparecendo outros casos a bordo”.
Em 7 de
outubro O Albor noticiava que no dia
1º o “desditoso” foguista do Industrial acometido de varíola havia falecido,
com seu corpo sendo inumado (sepultado) próximo a casa do Iró, “tendo sido
expedidas ordens severas para a desinfecção rigorosa de tudo quanto lhe
serviu”.
Nem o nome do
infeliz tripulante foi citado para o registro na história.
Vacinas gratuitas
Dias antes, o
jornal O Commercio, de 2 de outubro,
editado em nossa cidade, avisava que o médico Henrique Chenaud já estava
vacinando gratuitamente a população lagunense às quartas-feiras e sábados, no
edifício do Governo Municipal.
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Jornal O Commercio de 2 de outubro de 1902. |
Na mesma
edição o jornal traz a informação que o caso da varíola a bordo do Industrial “produziu pânico em
Florianópolis pelo menos nas autoridades sanitárias”.
Ordens foram
dadas para que todo navio proveniente do Rio de Janeiro fosse visitado pelo
médico de saúde e as roupas e bagagens, bem como o navio fossem desinfetados.
O redator do jornal
aproveitou a deixa para dar uma paulada nas autoridades da Laguna:
“Tanta cautela
não há aqui para os navios procedentes do Rio de Janeiro. Sirva, pois, de
exemplo”.
Enfim, é criado o Lazareto na Laguna
Somente anos
depois desses tristes acontecimentos, em setembro de 1908, é que finalmente foi
inaugurado um Lazareto na Laguna.
Para isso o
governador do estado, coronel Gustavo Richard enviou 750$000 (setecentos e
cinquenta mil réis) para auxiliar com as obras na casa situada no Morro do Iró
adquirida pela municipalidade e que já vinha sendo utilizada provisoriamente
para esses casos.
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Jornal O Albor de 20 de setembro de 1908. |
O local vai
servir dali em diante para isolamento dos acometidos pela varíola e outras
moléstias de caráter epidêmico.
Dez anos
depois, em 1918, ali também serão instalados alguns dos atingidos pela Gripe
Espanhola. Será a casa de falecimento de Renê Rollin, chefe dos Escoteiros da
Laguna e que muito socorreu os atingidos pela moléstia, sendo ele mesmo uma das
vítimas.
Sua história
pode ser lida Aqui
Coqueluche em 1910
Em 1910, a
coqueluche atacou a população lagunense, principalmente crianças.
O jornal O Albor em sua edição de 5 de junho daquele
ano informa que esta doença estava deixando muitas crianças doentes e
provocando muitas mortes.
“Durante o mês
de maio, a coqueluche roubou dos carinhos dos lares 16 crianças”, informa o
jornal.
A publicação
também alertava que “Continuavam a ser feitos enterros de crianças em caixões
descobertos, o que é um grande mal para evitar-se a propagação da moléstia”.
Era então
hábito enraizado na população o de carregarem as urnas funerárias descobertas
nos enterros de crianças (os anjinhos), só as fechando no momento que desciam
às sepulturas.
As autoridades
sanitárias e os jornais também alertavam sobre o perigo de outro nefasto procedimento:
“Há poucos
dias, vimos caixões em que esses inocentes seres eram conduzidos para o
cemitério por crianças.
É um hábito
que pensamos deva ser abolido. Todas as precauções e cuidados são poucos para
evitar a propagação da moléstia”.
Há muito custo,
com criação de normas e multas, com o passar dos anos e o surgimento de
vacinas, esses péssimos hábitos caíram em desuso.
A DTP, vacina
tríplice bacteriana, contra tétano, difteria e coqueluche foi criada na década
de 1930 e desde os anos 1980 é usada em larga escala.
Mas as mortes
por coqueluche na Laguna chegarão a 25 nos meses de abril, maio e junho de
1910.
Conforme
informa o jornal O Albor de 17 de
julho daquele ano, em quadro de obituários e suas causas enviado por Antônio
Luiz de Carvalho, escrivão de paz da Laguna, serão um total de 76 falecimentos
naquele 2º trimestre.
Pelo
demonstrativo podemos observar que a varíola continuava fazendo suas vítimas,
em número de 14:
Gripe Espanhola em 1918
A gripe Espanhola em 1918 apareceu na
Laguna “sorrateiramente, sem ninguém esperar”.
Os primeiros casos da gripe em nossa
cidade se deram em 4 de novembro daquele ano, conforme registra O Albor de 26 de janeiro de 1919.
O número de pessoas atingidas foi de
2/3 da população da época, diz o mesmo jornal. Como a população da Laguna,
conforme IBGE - Censo Demográfico de 1920 era de 27.573 habitantes, mais de 18
mil pessoas teriam sido atingidas.
Calcula-se em 130 o número de mortos,
entre adultos e crianças. As vítimas fatais eram de cinco a dez pessoas
diariamente.
Do Hospital Senhor Bom Jesus dos Passos
saíam pela manhã, em carroças em direção aos cemitérios, dezenas de corpos das
pessoas falecidas à noite.
Enfermarias lotadas, todos os leitos
ocupados. Nos corredores pacientes deitados em esteiras pelos corredores.
Um Posto de Socorro foi montado na sede
da Loja Maçônica Fraternidade Lagunense, então situada na Praça Vidal Ramos. Os
salões dos Clubes Blondin, Congresso Lagunense, Anita Garibaldi e 3 de Maio,
também foram utilizados.
O Lazareto situado no Morro do Iró
também foi ocupado.
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Na Praça Vidal Ramos o prédio da Loja Maçônica Fraternidade Lagunense foi utilizado como Posto de Socorro aos infectados pela Gripe Espanhola em 1918. A edificação foi demolida posteriormente. Situava-se entre o Cine Palace, onde depois funcionou a Rádio Difusora e a sede do Clube Blondin, onde hoje funciona o escritório do Iphan. |
O comércio foi paralisado. A cidade
ficou com aspecto desolador.
Falecimentos de comerciantes,
profissionais liberais, operários, armadores. A gripe não distinguiu classes,
nem sexo, nem idade. Atingiu a todos, indistintamente.
Os funcionários da Agência dos Correios
da Laguna foram atingidos, paralisando por completo o tráfego postal em todo o
sul do estado. Funcionários tiveram que ser deslocados de Florianópolis para
substituí-los.
As escolas isoladas do município ficaram
sem frequência e, no maior estabelecimento, o Grupo Escolar Jerônimo Coelho, no
centro da cidade, todos os professores e funcionários ficaram doentes.
Damas de Caridade, Tiro 137 e Irmãs da
Divina Providência do Hospital e do Colégio Stella Maris, além de dezenas de
pessoas da nossa sociedade, ficaram à frente da batalha contra o mal.
O Grupo de Escoteiros da Laguna também
vai participar ativamente do auxílio aos necessitados. O instrutor do Grupo,
René Rollin, será uma das vítimas da pandemia, cuja morte causou profundo abalo
na sociedade lagunense.
Vendo-se contaminado pela doença,
Rollin despediu-se da família e partiu sozinho, a pé pelo morro em direção ao
Lazareto.
Em meados de dezembro de 1918 já
cessavam os casos de gripe na Laguna.
Cerca de um mês e quinze dias haviam se
passado desde a primeira ocorrência.
Por ser cidade portuária, o vírus deve
ter vindo a bordo de algum vapor proveniente de praças maiores, como a do Rio
de Janeiro, onde a epidemia atingiu grandes proporções. Ou Santos, Paranaguá
ou a capital do estado, Florianópolis, cidades atingidas dias antes.
Para ler mais sobre a Gripe Espanhola
na Laguna, ver posts já publicados neste Blog em 2020: Aqui Aqui Aqui e Aqui
Essas são algumas histórias de surtos
epidêmicos ou ameaças em nossa cidade.
Houve outros tipos e situações, como a
febre amarela, febre cerebral, cólera e febre intermitente.
Esta última, de
caráter epidêmico, atingiu a localidade de Mirim em 1902, fazendo 700 doentes, como
registra O Albor de 28 de março daquele ano.