segunda-feira, 15 de junho de 2020

Os primeiros casos da gripe espanhola na Laguna surgiram em 4 de novembro de 1918, diz jornal (Parte III)

O jornal O Albor não circulou na maior parte do ano de 1918. Bem por isso faltam relatos jornalísticos semanais da epidemia e suas mortes, acontecida nos últimos dias daquele ano.
Quando o semanário lagunense retornou já estávamos em fins de janeiro de 1919.
Em 26 daquele mês, o jornal trouxe reportagem sobre o lamentável ocorrido, sintetizando os principais fatos.
O título da coluna na página 2 foi “A pandemia da influenza – Considerações retrospectivas”.
Penso que seja um documento histórico importante, um verdadeiro relatório sobre a pandemia em nossa cidade e que melhor traduz o que aconteceu naqueles tristes dias.
Ele demonstra também, que em janeiro de 1919, o pior já tinha passado:

A pandemia da influenza
 Considerações retrospectivas
Jornal O Albor de 26 de janeiro de 1919 – Pág. 2

“A calma e a tranquilidade voltaram finalmente aos lares lagunenses.
Depois de tantos dias penosos, em que tudo ficou abalado, como se um verdadeiro ciclone tivesse caído sobre a nossa cidade, os corações mais desafogados tomam seu ritmo normal e os pulmões, quase que comprimidos pela areia das notícias dolorosas recomeçam a respirar com maior liberdade.
Não será inútil, agora, olhar ligeiramente para este triste passado, e formarmos uma ideia do que foi esta pandemia e como as nossas autoridades estaduais e municipais, desempenharam-se de suas obrigações de administradores e de protetores da saúde pública.
Logo que as notícias da marcha da epidemia, nas outras cidades, começaram a chegar à Laguna, as autoridades locais não demoraram em tomar as primeiras providências.
Como era notório as nossas farmácias não estavam preparadas para enfrentar tamanho problema
Nem era possível prever, com antecedência, um tal flagelo, Mas mesmo assim, tinham feito abundantes pedidos de remédios à casas do Rio, pedidos que não foram satisfeitos, se não depois de alguns dias, quando já a epidemia grassava assustadoramente neste cidade.
O sr. Oscar Pinho, superintendente e o sr. Antônio Bessa, 1º substituto em exercício, dirigiram-se imediatamente ao ilustre governador do estado, por intermédio do nosso representante no Congresso do Estado, coronel João Pinho, pedindo auxílio do governo para conter à epidemia.
O dr. Hercílio Luz, sempre solícito em atender ao apelo do povo, quando justo, prontamente declarou que Laguna podia contar com os recursos que solicitava de seu governo.
Os srs. Oscar Pinho e Antônio Bessa, diante da boa vontade do benemérito governador, telegrafaram ao doutorando Manoel Pinho, filho do mesmo sr. Oscar, que estava no Rio, comissionado pela Diretoria Geral da Saúde Pública, encarregando-o de arranjar uma certa quantidade de remédios, mais urgentes, contra a gripe, o que o doutorando Pinho obteve, gratuitamente, da Diretoria da Saúde Pública, remédios que aqui chegaram quando as farmácias viam os seus estoques quase extintos.
Na mesma ocasião, com prévia autorização do Exmo. Dr. Hercílio Luz, as referidas autoridades municipais telegrafaram para o Rio de Janeiro no sentido de conseguir-se mais um médico, que viesse prestar os seus serviços aos atacados do terrível mal.
Efetivamente, dias depois, em companhia do doutorando Pinho, que espontaneamente e gratuitamente pôs-se ao serviço da população, aqui aportava o dr. Ernesto Masi.
Outras remessas de medicamentos, sempre devidas à iniciativa dos srs. Oscar Pinho e Antônio Bessa, obtidas por intermédio do sr. Salvato Pinho, por conta dos srs. Pinho & Cia. Na importância de algumas centenas de mil réis eram enviadas a esta firma, que os cedia gratuitamente a todos que deles tivessem necessidade.
Trazendo para as colunas do nosso jornal, estes fatos, que, aliás, estão no domínio público, não nos move outro intuito que não o de tornarmos bem patente o modo porque agiram as nossas autoridades, cujos atos foram tão injustamente censurados por indivíduos que, ao menos em casos tais, deviam pôr de parte os seus interesses políticos e deixar que a razão se manifestasse livremente.
A verdade é que – a vinda do dr. Ernesto Masi e do doutorando Manoel Pinho, os medicamentos contra a gripe, a instituição de um posto de socorro, a adaptação do Hospital de Caridade para receber o maior número de gripados, nada, absolutamente nada se deve a esses politiqueiros, que tanto mal vêm fazendo à nossa terra.
Os primeiros casos de gripe espanhola foram constatados em 4 de novembro (1918), e já no dia seguinte é que chegaram o dr. Masi e o doutorando Pinho. Existiam muitos doentes, quase todos ao cuidado do dr. Aurélio Rotolo (pai), médico municipal.
Nesse dia foi o dr. Rotolo atacado pela gripe.
Dali para diante o número de doentes aumentou de modo absurdo, podendo-se garantir que dois terços (2/3) da população da Laguna foi acometida do mal.
Vão nossos agradecimentos às Damas de Caridade, essas incansáveis e dedicadas senhoras; aos membros da corporação Tiro 137, aos ativos e briosos Escoteiros; às bondosas Irmãs de Caridade, quer do Hospital, quer do Colégio; aos drs. Ismael Ulysséa, Aurélio Rotolo, Ernesto Masi, doutorando Manoel Pinho e farmacêutico Tácito Pinho sempre prontos a acudirem numerosíssimos enfermos; ao coronel João Pinho, Antônio Bessa, Saul Ulysséa, padre Aurélio, José Pinto Varella, Major João Guimarães Cabral, Luiz Trindade, Júlio  Barreto, Boaventura Barreto, Hildebrando Barreto, Luiz Bezerra, Horácio Rocha e todos outros que eram vistos em toda praça prestando serviços, onde sua presença era reclamada e ao sr. Júlio Boppré oferecendo diária e gratuitamente sessenta garrafas de leite aos indigentes.
Ao dr. Ferreira Lima, digno Inspetor de Higiene que, apesar das dificuldades que se viu cercado, nunca deixou de atender prontamente qualquer pedido feito, levamos também os nossos agradecimentos.
Ao dr. Hercílio Luz, a essa alma generosa, a esse coração bondoso, a nossa gratidão pelo muito que fez em benefício da nossa população.
Se, entre os nomes apontados alguém nos escapou, esse que nos queira perdoar.
A nossa intenção é grafar os que merecem. Não temos, em absoluto, com aqueles que prestaram serviços, o menor propósito de magoar com a involuntária exclusão de seu nome”.

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