29 julho 2017
19 julho 2017
Fundação da Póvoa de Santo Antônio dos Anjos da Laguna
Domingos de Brito Peixoto, o fundador, em 1676, da Póvoa de Santo Antônio dos Anjos da Laguna. |
A Póvoa de Santo Antônio dos Anjos da Laguna foi fundada em
1676.
Quem disse isso?
Ora bolas! O próprio filho do fundador, o
capitão-mor da Laguna Francisco de Brito Peixoto. E disse não uma, mas duas
vezes.
Quem discorda?
Durante muitos
anos a data de fundação da Laguna foi um tema bem discutido.
No início
década de 70, nossos maiores historiadores chegaram a um consenso e por fim, o
tricentenário foi comemorado em 1976.
O historiador,
médico, escritor, deputado, lagunense Oswaldo Rodrigues Cabral, autor de
inúmeras obras de relevo da história catarinense, penso que condensou os vários estudos e
versões sobre a Fundação da Laguna, e num extenso capítulo publicado no livro
“Santo Antônio dos Anjos da Laguna – Seus valores históricos e humanos”, edição
comemorativa da passagem do tricentenário de fundação da Laguna, publicado em
1976 pelo governo do estado, Imprensa Oficial – IOESC, no governo de Antônio
Carlos Konder Reis, dissecou as várias correntes.
Mas vamos por
partes, que o assunto e longo e apaixonante. Para quem gosta, evidentemente.
Há um
documento, citado por Carvalho Franco, onde aparece o ano de fundação da
Laguna. Ele está transcrito quase que integralmente no livro "Bandeiras e
Bandeirantes de São Paulo" – Cia. Editora Nacional – Col. Brasileira – Vol. 181
– S. Paulo, 1940 – págs. 282/3/4.
Trata-se de
uma petição ao Rei, assinada por Francisco de Brito Peixoto, o capitão-mor da
Laguna, o filho do fundador e presente quando da fundação da póvoa, e anexa à
provisão-régia de 6 de fevereiro de 1714.
Em minha
humilde opinião, dos mais importantes documentos sobre a fundação da Laguna, de
valor incalculável historicamente, porque é um depoimento, fonte primária insofismável, mesmo sendo feito 38 anos depois dos
acontecimentos, que narra pormenores, como tempo desprendido da viagem pelos
Brito Peixoto desde Santos, o ano, a quantidade de gente que trouxe, a morte do
irmão Sebastião de Brito Guerra e a do pai Domingos de Brito Peixoto na Vila da
Laguna.
O documento
prova que a data, o ano de fundação da Póvoa de Santo Antônio dos Anjos da
Laguna não foi escolhido aleatoriamente por alguns historiadores e legisladores
três séculos depois visando comemorações de aniversário.
Cabral
transcreve a petição e também o fazemos aqui:
“Diz o Capitão Francisco de Brito Peixoto, morador
na povoação de Santo Antônio dos Anjos, que fez e descobriu para as bandas do
sul, em distância de cento e vinte léguas da Vila de Santos, que ele teve tão grandes
desejos de merecer no serviço de Vossa Majestade e de lhe dilatar o Império,
que, sendo das principais e mais abastadas famílias de todas aquelas vilas do
sul, deixou sua casa e a própria mãe e se foi com outro seu irmão mais moço, chamado
Sebastião de Brito Guerra, que era tenente da Ordenança, em companhia de seu
pai, o Capitão Domingos de Brito Peixoto, a descobrir novas terras que não fossem
de pessoa alguma habitadas, e com efeito, NO
ANO DE 1676 saíram da Vila de Santos, donde eram moradores, levando
consigo cinquenta escravos seus, com os quais bem feitorizavam as suas fazendas,
que deixaram incultas e todo o mantimento necessário para a dita gente, e para
dez homens brancos, que com ela iam, como também outras armas e provimento
bastante de pólvora e chumbo, e ferramentas condizentes para o rompimento dos
matos e feitorias de embarcações, em que fizeram uma despesa tão grande como se
considera, e com este apresto saiu da dita Vila, em que meteu mantimento e mais
ferramentas necessárias, dando-lhes ordem fossem dar fundos defronte da paragem
chamada Lagoa dos Patos, e que aí estivessem, até que o suplicante, seu pai e irmão
chegassem, para lhe apontarem a paragem em que iam desembarcar, que o dito seu
pai já tinha sabido, por ter de antes ido examinar o dito sítio, e depois que
gastaram quatros meses no caminho com romper os matos e buscar as passagens,
foi o mesmo suplicante com os mais dar no sítio da Lagoa dos Patos, com imenso
trabalho de tão áspero e dilatado caminho... e nesta viagem lhe morreram mais
de vinte e cinco escravos... e assim chegou ao dito sítio da Laguna, fez pôr em
terra os mantimentos e ferramentas que pelo mar tinha mandado na fragata, fundando
povoação... dando o pai do suplicante notícia ao Sereníssimo Senhor Rei Dom
Pedro (Pedro II, denominado o "Pacífico" N.A.), que a glória haja, pai de Vossa Majestade, que Deus guarde, foi servido
mandar-lhe agradecer por carta este novo descobrimento e povoação, o que fez
com promessa de lho remunerar, a qual carta se perdeu em uma das ditas embarcações,
porém a viram muitas pessoas que dela testemunharão, e assim o dito seu pai,
como o suplicante, enquanto foi vivo, gastaram muita fazenda neste descobrimento,
e nele lhe morreu o outro filho solteiro, o tenente Sebastião de Brito Guerra,
com muita quantidade de escravos, que lhe mataram e se perderam, e o dito
capitão Domingos de Brito Peixoto, pai do suplicante se faleceu na mesma povoação,
depois do dito seu filho, e por sua morte nenhum outro varão lhe ficou mais que
o suplicante, Francisco de Brito Peixoto”.
Um único
documento desses dirimiria qualquer dúvida quanto ao ano de fundação da Laguna,
não é mesmo, leitor? Mas ainda há mais.
Moacir
Domingues, em sua obra “A Colônia do
Sacramento e o Sul do Brasil” – Porto Alegre – Sulina 1973 – pág. 239 –
Doc. 27, transcreve outro documento.
É uma nova
carta ao Rei de Portugal, essa datada de 20 de abril de 1730, portanto 16 anos
mais tarde o que já havia declarado na petição de 1714, o mesmo Francisco de
Brito Peixoto, já com certa idade (85 anos, vai falecer em 1735), diz o
seguinte:
“(...) Resolveu-se meu Pai Domingos de Brito
Peixoto, vassalo de V.R.M, sendo morador da Vila de Santos, e abundante de
bens, na mesma Vila a vir com todo o empenho, trazendo-nos em sua companhia
assim a mim como a um irmão meu Sebastião de Brito Peixoto, em uma fragata, que
para esse fim mandou fazer trazendo em nossa companhia muitos escravos, com
todos os preparos necessários para o descobrimento deste lugar chamado a Lagoa
dos Patos, cujo descobrimento fizemos em era de seiscentos e setenta e seis, e
chegando à dita Laguna fizemos assento em o mesmo lugar, que é hoje da Vila...”
E indaga
Osvaldo Cabral sobre este segundo documento:
“Por que insistiria Francisco de Brito Peixoto no milésimo 1676, se não fora ele o verdadeiro, fixado de tal modo em seu subconsciente que, mesmo valetudinário e quebrado pelos anos e desenganos, ainda era o que lhe vinha à mente para citar?”
“Por que insistiria Francisco de Brito Peixoto no milésimo 1676, se não fora ele o verdadeiro, fixado de tal modo em seu subconsciente que, mesmo valetudinário e quebrado pelos anos e desenganos, ainda era o que lhe vinha à mente para citar?”
Cá pra nós
leitor, se fossemos fazer uma ação, requerendo na Justiça, uma espécie de
Certidão de Nascimento tardia da Laguna, eis dois documentos imprescindíveis –
fontes primárias, repito – que estariam em anexos aos autos.
Ainda Osvaldo
Rodrigues Cabral, nas páginas 82/83 do livro “Santo Antônio dos Anjos da Laguna
– Seus valores históricos e humanos", diz que aceitam o ano de 1676, preferindo-o
a qualquer outro, os seguintes autores/historiadores:
Basílio de Magalhães, Aurélio Porto, Lucas Alexandre Boiteux e
Aníbal de Matos, além dele próprio, Cabral.
******
E o mês e dia de fundação da Laguna?
Quanto ao mês
e dia de Fundação, aí sim não existem documentos que comprovem a data. Os
estudiosos se dividem nas opiniões.
Diz Cabral na
obra que venho me reportando até aqui, que não se conhece com exatidão...
o dia em
que o seu fundador, com sua gente - familiares, agregados, escravos, indígenas
e homens de armas – pisou pela primeira vez, com propósitos de nele se fixar, o
chão sulino e, olhando em torno, escolheu o local que lhe pareceu o melhor para
deitar fundamentos a um povoado, dizendo aos circunstantes que acreditava ser
aquele o sítio mais apropriados para fazê-lo, e ao mais que trazia em mente, e
mandou que desenfardassem toda a tralha que traziam”. P. 57
Cabral
salienta que Laguna “não seria a única de tantas povoações oriundas da expansão
vicentista que perderia memória do dia exato em que se verificou o evento”.
Sabe-se que
era praxe entre os descobridores de novas terras, batizá-las com o orago a que
seria dedicada.
No caso de
Santo Antônio dos Anjos da Laguna, a dificuldade está justamente no complemento
“dos Anjos”, sendo o nosso padroeiro o único santo com essa nomenclatura.
O saudoso
professor Ruben Ulysséa debatia duas possibilidades:
13 de junho,
data consagrada ao santo lisboeta – Santo Antônio de Lisboa, igualmente chamado
de Pádua; e a data de 2 de outubro consagrado no hagiológio aos Anjos.
Hagiológio=
Nome que se dá à descrição, estudo e tratado sobre a vida dos santos, no
cristianismo.(N.A.)
Nail Ulysséa,
estudiosa da nossa paróquia, escreveu todo um capítulo dedicado a Matriz Santo
Antônio dos Anjos da Laguna, no livro em comemoração ao Tricentenário de Fundação.
Sobre o nome
da Fundação, diz Nail “Que há um concerto uníssono em afirmar que a povoação
foi fundada sob a invocação de Santo Antônio”.
“Porque “dos
anjos”, isto sim, há diversas opiniões a respeito”, salienta.
Cita Ruben
Ulysséa, para quem a povoação foi fundada a 2 de outubro, dia do Anjo da
Guarda.
Nail Ulysséa
também invoca a opinião de Frei Adalberto Ortmann, que em artigo publicado em
1958, no volume “Ensaios Paulistas, com o título de “Famílias de Piratininga e
Franciscanos Paulistas”, afirma que frades franciscanos acompanharam Dias
Velho, na fundação de Nossa Senhora do Desterro; e Domingos de Brito Peixoto,
na de Laguna.
Franciscano
que teria erigido “A capela de Santo Antônio dos Anjos, numa invocação típica
dos franciscanos, lembrando a capelinha de Nossa Senhora dos Anjos, berço de
sua ordem em Assis d’Itália”.
Nail Ulysséa
também fala dos místicos, que se apoiam na lenda “de que a primeira imagem de
Santo Antônio fora trazida pelos anjos e colocada na praia, onde foi
encontrada”.
“Chegando na Laguna no dia 02 de outubro, dia “dos
Anjos”(Anjos Gabriel, Rafael e Miguel), Domingos de Brito Peixoto
inteligentemente, não fugiu à tradição de oferecer a fundação ao santo do dia,
só acrescentou antes o nome do santo de sua devoção (ouvi esta hipótese,
pessoalmente do grande historiador Dr. Oswaldo Rodrigues Cabral). Fato é que
veio com ele a primeira imagem de Santo Antônio, sendo colocada na capela de
pau-a-pique, para devoção, devoção esta que chegou ao grau de intimidade entre
o lagunense e o santo, como se tem para com um pai, um irmão ou para com um
grande e melhor amigo. Santo Antônio dos Anjos é carinhosamente, o “Toninho”.
***
Voltemos ao
início da década de 70. A data do tricentenário da Fundação da Laguna (1976) se
aproximava e havia a necessidade de se marcar o dia e mês para as comemorações
da Fundação. Mas qual dia? Qual mês do ano?
As opiniões se
dividiam. Dia 13 de Junho? Dia 2 de outubro? Terceiro domingo de julho?
Legisladores
lagunenses, junto aos historiadores e demais autoridades, optaram por 29 de
julho. Lei Municipal nº 15/1975, de 02/05/75.
Por quê?
Dia e mês
criados aleatoriamente, sem dúvida, mas onde também se pretendeu homenagear a
República Catarinense (ou Juliana), com a criação de uma Semana em que se pudesse
reverenciar a data, com exposições, concertos musicais, concursos literários, palestras, gincanas,
etc...
Era o embrião
da futura “Semana Cultural da Laguna”, criada em 1981 na gestão do prefeito Mário José Remor/João Gualberto Pereira, que visava unir a
população no conhecimento de sua história e se tornar uma atração
turístico-cultural no inverno, num mês “fraco” nesse aspecto.
Epílogo
História não é
uma ciência exata, como a matemática, por exemplo. A qualquer momento, através
de novos documentos e/ou depoimentos que surgem pelas mãos de pesquisadores,
tudo por ser reescrito.
Que as autoridades da
Laguna meditem:
Mesmo não
sendo exata, a história segue uma dedução lógica. Ela não dá pulos, não se pode botar as carroças antes dos bois.
Se a data da
fundação da Laguna for alterada para 50, 100 anos antes, como alguns propõem,
obviamente deixa-se de se reconhecer a data de 1676 como a de sua fundação. Não há
como ser diferente.
Risque-se,
portanto, o nome do fundador Domingos de Brito Peixoto, mude-se o brasão e a
bandeira do município e retire-se a estátua de Brito Peixoto de seu pedestal.
Altere-se
também o nome de Santo Antônio dos Anjos da Laguna, batizada que foi pelo seu
fundador.
E mais que
isso. Troque-se de padroeiro.
É o que
querem? É o desejo do povo lagunense?
14 julho 2017
Fortim Atalaia da Ponta da Barra: memória histórica de uma Batalha Naval entre Farrapos e Imperiais
“A memória, na qual cresce a história, que por sua
vez a alimenta, procura salvar o passado para servir ao presente e ao futuro” (Le Goff).
Completamente
abandonado, em ruínas - até 1976 ainda era possível ver algumas paredes -, o
Fortim Atalaia, também chamado de Forte Garibaldi, situado na Ponta da Barra bem que poderia ser reerguido e
restaurado.
Este fortim,
em princípio chamado de Bateria da Barra da Laguna, um posto de artilharia da
costa, armado com canhões, ao que se sabe foi construído por volta do ano de
1800.
O Major Manoel Joaquim D'Almeida Coelho, em sua obra "Memória Histórica da Província de Santa Catarina, página 176, editada em 1854, informa:
"Pouco antes do ano de 1880 o capitão-mór da Vila da Laguna, Jerônimo Francisco Coelho, fez construir à sua custa, no lado do sul daquela barra e para defesa da mesma, um forte que ainda existe; mas desmantelado. Foi desse forte que se aproveitaram os rebeldes em 1839 para impedir a entrada da esquadrilha imperial, causando bastantes mortes, ferimentos e danos às primeiras embarcações".
Como vimos, foi o forte reconstruído pelos Farroupilhas durante a República Catarinense, ou Juliana, em 1839. Servia também como depósito de armamentos.
O Major Manoel Joaquim D'Almeida Coelho, em sua obra "Memória Histórica da Província de Santa Catarina, página 176, editada em 1854, informa:
"Pouco antes do ano de 1880 o capitão-mór da Vila da Laguna, Jerônimo Francisco Coelho, fez construir à sua custa, no lado do sul daquela barra e para defesa da mesma, um forte que ainda existe; mas desmantelado. Foi desse forte que se aproveitaram os rebeldes em 1839 para impedir a entrada da esquadrilha imperial, causando bastantes mortes, ferimentos e danos às primeiras embarcações".
Como vimos, foi o forte reconstruído pelos Farroupilhas durante a República Catarinense, ou Juliana, em 1839. Servia também como depósito de armamentos.
A foto, tirada no último fim de semana, mostra a situação do local nos dias de hoje. É possível observar as pedras remanescentes das paredes do Fortim. |
Não sei se o terreno onde se situa é propriedade particular. Presentemente está cercado e situado entre duas casas. Se verdadeiro, não seria o caso de uma indenização em prol da nossa história?
Em minhas pesquisas, encontrei o Decreto nº 28/82, de 27 de dezembro de 1982, assinado pelo então prefeito da Laguna Mário José Remor, "considerando tombado as ruínas do Forte José Garibaldi, em Ponta da Barra". O Decreto considerando a área pertencente ao Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural de nosso município, foi publicado à página 5 do Jornal O Renovador, de 15 de janeiro de 1983.
É seguir o exemplo do que foi feito nas fortificações, fortalezas da Ilha de Santa Catarina, projetos do brigadeiro José da Silva Paes.
Bem que a Universidade Federal de Santa Catarina (Ufsc) ou a Udesc ou o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), juntamente com a prefeitura da Laguna, poderiam restaurar e revitalizar a área. Muitas das pedras que constituíram os alicerces e paredes da edificação ainda estão depositadas no local.
Em minhas pesquisas, encontrei o Decreto nº 28/82, de 27 de dezembro de 1982, assinado pelo então prefeito da Laguna Mário José Remor, "considerando tombado as ruínas do Forte José Garibaldi, em Ponta da Barra". O Decreto considerando a área pertencente ao Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural de nosso município, foi publicado à página 5 do Jornal O Renovador, de 15 de janeiro de 1983.
É seguir o exemplo do que foi feito nas fortificações, fortalezas da Ilha de Santa Catarina, projetos do brigadeiro José da Silva Paes.
Bem que a Universidade Federal de Santa Catarina (Ufsc) ou a Udesc ou o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), juntamente com a prefeitura da Laguna, poderiam restaurar e revitalizar a área. Muitas das pedras que constituíram os alicerces e paredes da edificação ainda estão depositadas no local.
Depois,
poderia ser aberto à visitação pública, como museu, já que se trata de
monumento de arquitetura militar de nosso país. Réplicas de canhões, painéis e fotos contariam a
história dos 106 dias da efêmera República Juliana, e da Batalha Naval que a pôs fim.
Teatro da Batalha Naval de 15/11/1839. Desenho de Lucas Boiteux. |
“(...) Subi ao cimo da montanha mais próxima, a
fim de observar o inimigo, e de pronto compreendi que o seu plano consistia em
agrupar suas forças na entrada da laguna. Imediatamente, enviei uma mensagem ao
general Canabarro com base na qual as suas ordens (sic) foram emitidas de uma
forma igualmente expeditiva. Mas, a despeito da diligência de seu comando,
nossos homens não chegaram a tempo para defender aquela entrada. Uma bateria
que erguêramos na ponta do molhe, dirigida pelo bravo Capotto, não pôde opor aos
imperiais senão uma frágil resistência, contando apenas com armas de pequeno
calibre – de resto, mal manejadas por inábeis atiradores”.
Já Wolfgang
Ludwig Rau, em sua monumental obra “Anita
Garibaldi – O perfil de uma Heroína Brasileira”, ressalta à página 140:
“(...) Pelas duas horas da tarde, surgem no
mar os navios legalistas, vindos de Imbituba, sob comando de Frederico Mariath.
Do Morro da Barra, José Garibaldi, no forte ali
existente, observava sua aproximação, tentando adivinhar-lhes os planos de
ataque. São quase vinte embarcações variadas, mas todas apinhadas de material e
de homens. Passam a forçar a barra sinuosa, um a um.
Representam enorme supremacia numérica. Deslizando
a trinta metros, apenas da bateria do forte”(...)
Em nota de
rodapé, Ludwig Rau diz:
“Em abril de 1969, o autor fotografou no local os
restos ainda existentes da fortaleza: - alicerces e dois cantos de parede de
alvenaria ciclópica da outrora pequena edificação. Na ocasião, ainda se notava
perfeitamente a escavação do plano circundante, sobre um aglomerado de rochas
escarpadas, rente às quais corria o velho canal da barra, hoje aterrado e
deslocado para grande distância (uns 300 a 400 metros) da sua antiga posição.
Somente localizados os vestígios da fortaleza destruída, é que o autor pode
visualizar também a batalha naval de 1839, e compreender, só então
perfeitamente, “o porquê” de atirarem mutuamente a queima roupa. As embarcações
percorrendo o tortuoso canal da barra antiga, ao dobrarem no estreito
sangradouro a curva rochosa sobre o qual se situa a fortaleza, chegavam a bater
com a “carangueja” contra as pedras, e expunham os flancos aos canhões de
Garibaldi, a poucos metros apenas de distância.
Consta que as forças imperiais, posteriormente,
melhoraram a construção danificada pelo combate; utilizaram o mesmo fortim
ainda durante muitos anos”.
Após a batalha
de 15 de novembro, o Capitão de mar e guerra Frederico Mariath dirigiu ao
Ministro da Marinha o seguinte ofício:
“E menos de uma hora estava o inimigo derrotado,
vencido e algumas embarcações em fuga; eles se achavam ao pé da fortaleza em
semicírculo” (...).
(...) “Tomamos 5 peças de artilharia da fortaleza”
(...)
Oswaldo
Rodrigues Cabral, em sua “História de
Santa Catarina” ao abordar a queda da República Catharinense diz:
“John Griggs e José Henrique Teixeira morreram
bravamente na carnificina. Os lances de coragem e de bravura assinalam-se de
parte a parte. Canabarro cede. Garibaldi e Anita iniciam o transporte de armas
e munições de bordo para terra numa frágil canoa, enquanto o combate prossegue
violento. O forte da barra resiste – mas a impetuosidade dos imperiais é
assombrosa”.
A foto, abaixo, é de 1976, e foi publicada no livro “Laguna
– Memória Histórica”, do professor Ruben Ulysséa. Nota-se parte de uma das
paredes ainda em pé.
Já as duas fotos publicadas abaixo são do livro de Wolfgang Ludwig Rau, uma das obras mais importantes
– se não a mais – sobre a heroína lagunense.
São fotos
antigas, captadas em 1969 pelo Arquiteto-Historiador-Escritor, que correu o
mundo passando e visitando os locais por onde Anita pisou.
Penso que
observando, estudando e analisando essas fotos é possível fazer um projeto de
restauro do local.
Estou sonhando?
Pois sonhar não custa nada, não é o que se diz? Quem sabe algum dia um
político, uma autoridade ligada à cultura do nosso município se interesse por
esse aspecto histórico e leve a ideia adiante, realizando-a. Quem sabe? Se bem que não cuidaram nem do acervo do Rau... os monumentos estão sujos e abandonados... roubaram até o sino do Museu...
P S:
Cá entre nós, e só entre nós leitor, imagine se este ponto de referência,
citado por diversos escritores e até por Garibaldi, este lugar histórico, palco
de sangrentas batalhas, fosse situado, já nem falo em outro país da Europa,
como a própria Itália, mas em outro município, encostado ao nosso, em Tubarão,
por exemplo? Garanto que virava ponto turístico e histórico dos mais
importantes do Sul. Cantado e decantado em versos e prosas. Com ampla
divulgação na mídia.
Mas o local
fica aqui, e não se dá a devida importância. Lá está, em ruínas, aguardando o
devido reconhecimento de nossas autoridades, através do restauro e
revitalização. Eis um infeliz exemplo de um país sem memória.
07 julho 2017
Relíquia: Urna contém terra da primeira sepultura de Anita Garibaldi
No dia 10 de
fevereiro de 1980, o acervo da Casa de Anita, localizada na Praça Vidal Ramos,
era revigorado com a solenidade de entrega de uma pequena urna (sarcófago) de
madeira. Em seu interior, um punhado de terra retirada da Landa Pastorara, em Mandriole (Itália), local da primeira sepultura da heroína de dois mundos, Anita
Garibaldi.
A doação à prefeitura da Laguna, feita pela “Societá Conservatrice del Capanno Garibaldi”, composta de
garibaldinos da Emilia Romagna, coroava de êxito um
trabalho do maçom Salun Jorge Nacif, irmão da Loja Fraternidade Lagunense e
membro do Conselho Municipal de Cultura.
Salun durante
cinco anos manteve intensa correspondência levando sua solicitação junto às
autoridades italianas.
O garibaldino
Guerrino Guerrini, presidente da Società, providenciou o envio. A urna contendo
a terra da sepultura veio via diplomática das Embaixadas do Brasil e Itália.
E trazida a Laguna pelo deputado federal Adhemar Guisi.
A entrega foi
formalizada pelo vice-cônsul da Itália em Santa Catarina Arno Suarez Cuneo, com
a presença do prefeito da Laguna Mário José Remor, do vice João Gualberto
Pereira, do secretário de Educação e Cultura José Paulo Arantes, do diretor do
Museu Anita Garibaldi Manoel Américo de Barros, do historiador Wolgang Ludwig Rau,
do deputado Adhemar Ghisi, entre outras autoridades.
Presente
também à solenidade, o major Mário Boronzi, membro da Associação Garibaldina,
grafólogo, escritor e historiador, que veio da Itália para conhecer a nossa
cidade.
Na
oportunidade, o dr. Adib Abrahão Massih fez a alocução, ressaltando o valor
histórico para o patrimônio municipal. (A madeira da urna necessita de restauração, tantos anos passados).
O arquiteto,
historiador e escritor Rau também discursou e fez um pequeno relato sobre as sete sepulturas de Anita na Itália e explicava:
“A terra foi recolhida da primeira sepultura de
Anita, na Landa Pastorara, a uma distância de 800 metros da Casa Guiccioli, em
Mandriole, onde Anita morreu ao anoitecer de 4 de agosto de 1849, nos braços do
marido Giuseppe.
O garibaldinos e seus adeptos, consagraram o
local, construindo uma alameda de acesso, com uma monumental coluna erguida,
com lápides de mármore contando o que ali aconteceu”.
E finalizou Rau:
“Considerando a universalidade da matéria e do
espírito, onipresentes por força do Grande Arquiteto do Universo, Deus, esse
punhado de terra arenosa da planície lacustre de Comacchio e de Ravena, ao ser “depositada”
na “Casa de Anita”, formaliza o simbólico retorno ao rincão natal da famosa
filha da Laguna, Ana Maria de Jesus Ribeiro, esposa dileta do grande José
Garibaldi, da nossa Anita Garibaldi”.
01 julho 2017
Quem foi Romeu Ulysséa
Professor Romeu Ulysséa. |
Romeu Cabral
Ulysséa nasceu na Laguna, em 15 de julho de 1890, filho de Ana Guimarães Cabral
(dª Santa) e Ismael Pinto de Ulysséa.
Teve 18 irmãos
(nem todos aqui nominados): Julieta, Heitor, Gilberto, Leonor, Renato, Ramiro,
Otília, Juracy, Nicanor e Modeno, além de Laura, Tobias, Jandira, Aurora e
Murilo. Esses cinco últimos faleceram em tenra idade.
Seu pai foi
médico ilustre e o primeiro lagunense e primeiro no sul catarinense a formar-se
em medicina. Também foi deputado estadual e constituinte em 1892.
Após os
primeiros estudos feitos em nossa cidade, em 1902, aos 12 anos, Romeu Ulysséa
foi para o Rio de Janeiro, onde estudou no Colégio Latino-Americano,
dirigido pelo renomado filólogo José Oiticica e sua esposa Francisca Bulhões,
que teve entre seus alunos Antônio Houaiss e Manuel Bandeira.
Problemas em
sua saúde fizeram com que retornasse para Laguna, onde prestou concurso e foi
aprovado para o magistério. Em 1915 foi nomeado Lente Catedrático da Escola
Complementar, anexa ao Grupo Escolar Jerônimo Coelho, inaugurado em 1912 e onde
por 44 anos lecionou Português, Francês, Latim, História Natural, Física e
Química. Aposentou-se em 1958.
Em 1938,
também professor do Ginásio Lagunense, fundado em 1932, e onde exerceu o cargo
de diretor, Romeu Ulysséa juntamente com os demais professores daquele
educandário que marcou época no ensino do sul catarinense, fundou a “Congregação
dos Professores”. Entre os membros destacavam-se Sargento Egeus Laus, Dr. Paulo
Carneiro, Oscar Leitão, Joaquim Cabral, Germano Donner, José Varela Júnior,
Mário Cabral, Paulo Gailit, Antônio Dib Mussi e Ruben Ulysséa.
O órgão viria
responder pela manutenção do estabelecimento escolar, que funcionou no mesmo
prédio onde hoje se situa a Biblioteca Pública que leva seu nome, na rua
Voluntário Fermiano, nº 101, centro.
Muitos dos seus alunos ainda hoje relembram suas aulas de Português e noções de Latim, com suas
proposições, verbos e regências gramaticais.
Aliás, uma das insistências em suas aulas é quando ele ensinava aos alunos
que não era indiferente reger o termo da oração com a preposição “a” ou a
preposição “para”, quando se queria exprimir destino. O “a” indicava destino
provisório, e “para” destino demorado ou definitivo.
Assim,
explicava o renomado professor, se digo vou a Tubarão, quero dizer que vou a
Tubarão e volto. Já se digo vou para Tubarão quero dizer que vou para lá e
fico.
Quando
professor do Ginásio Lagunense, Romeu Ulysséa por diversas vezes recebeu
convites para lecionar no renomado Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro.
Declinou de todos eles porque seu desejo foi sempre o de permanecer em sua
terra natal.
Também lecionou
na Escola Técnica de Comércio Lagunense.
Uma pequena história engraçada
José Bessa, em
seu livro “Gente de Minha Terra”, narra uma história interessante e ao mesmo
tempo engraçada.
Antes de
contá-la, o autor frisa que considerava Romeu Ulysséa o melhor professor de português
de todos os tempos. “Os seus ensinamentos ficaram de tal maneira impregnados,
foram tão bem assimilados, que continuam presentes como se tivessem sido
aprendidos ontem”.
Houve um
período em que Romeu Ulysséa assumiu a direção do Ginásio Lagunense, mas logo
renunciou ao cargo, devido ao seu temperamento introspectivo, fechado. Ele era
extremamente tímido.
Vamos ao
“causo”:
“Aula de
latim. O professor Oscar Leitão, juiz de Direito, chega e imediatamente faz a
chamada. Um dos alunos levanta-se para responder: “presente”, aliviando ao
erguer-se a pressão no ventre e deixando escapar, quase ao mesmo tempo, um som
bastante estranho para o momento e o local, uma sala mista de alunos e alunas:
PUM! O professor indignado retira-se imediatamente. Vai chamar o diretor a quem
comunica o fato.
O diretor Romeu,
mestre no português, que não falava palavrões ou têrmos chulos, vai até a sala,
mas sem nenhuma vontade de punir alguém. Constrangido, não sabe como relatar a
queixa recebida:
- Contaram-me que um dos alunos soltou um... um...
um....
Não encontrou um sinônimo adequado,
mesmo sendo responsável pela cátedra de português. Até que falou:
- Um vento.
O riso, ou
melhor, a gargalhada foi geral, até das moças. Mesmo todo vermelhão e
envergonhado, o professor Romeu disse que o fato era muito desagradável, etc. e
tal.
O aluno, autor do estranho ruído,
levantou-se e assumiu a responsabilidade do “vento”, dizendo que tinha sido
involuntário.
Tudo estaria resolvido se ao sentar-se
novamente o infeliz aluno não tivesse soltado mais uma vez outro barulhento
“vento”.
Com essa, o nosso bom, tímido e
educado professor Romeu saiu porta afora, desconcertado e em busca de novos
ares".
Romeu Ulysséa também foi membro da Comissão Regional de Escoteiro, fundada em 23 de dezembro de 1912
por René Rollin, o primeiro estabelecimento em Santa Catarina. Em 1917, foi
vice-presidente da Comissão.
Do Rio de Janeiro trouxe a primeira bola pneumática para Laguna
Do Rio de Janeiro trouxe a primeira bola pneumática para Laguna
Em seu período
no Rio de Janeiro, Romeu Ulysséa foi um dos fundadores do time de futebol America,
onde jogava ao lado de seu primo Francisco Pinho.
Datam de 1909
os primeiros jogos de futebol em nossa cidade. Alguns cronistas dizem que foi anterior a esta data. Enfim.
Renato, Ramiro e Almy, todos Ulysséa, usavam uma bola de borracha. Chegando de férias do Rio de Janeiro, Romeu trouxe uma bola pneumática, uma novidade à época, e a um dos times da Laguna deu o nome de América, tal como no Rio de Janeiro.
Renato, Ramiro e Almy, todos Ulysséa, usavam uma bola de borracha. Chegando de férias do Rio de Janeiro, Romeu trouxe uma bola pneumática, uma novidade à época, e a um dos times da Laguna deu o nome de América, tal como no Rio de Janeiro.
Em 1917 foi
fundado na Laguna o “Tiro de Guerra 137”, tendo Jones Pinho como seu primeiro
presidente e Saul Ulysséa como vice. Romeu Ulysséa foi seu primeiro diretor e
integrado à diretoria da entidade por vários anos.
Romeu Ulysséa
colaborou com muita frequência para o jornal O Albor, fundado em nossa cidade
em 1901 e que existiu até 1965. Usava quase sempre o pseudônimo de Rosaldo.
Foi redator,
juntamente com Ivo de Aquino e Lucas Bainha, do jornal diário A Tarde, surgido
em 1º de julho de 1914, de propriedade dos irmãos Fernando e Lucas Bainha e
dirigido pelo seu fundador, o médico Estelita Lins.
Em 1917,
editoriou, juntamente com seu pai Ismael e Saul Pinto de ’Ulysséa, seu tio, o
jornal A Nota, fundado por Hugo Brinck Fischer, que era casado com Salomé Pinho
de Ulysséa, sua tia.
As três Bibliotecas Públicas da Laguna
Em 29 de maio
de 1980, na gestão de Mário José Remor/ João Gualberto Pereira (1977-1983), foi
organizada, atualizada e inaugurada no prédio ao lado do Museu Anita Garibaldi,
a Biblioteca Pública Municipal Romeu Ulysséa. Uma homenagem em vida ao emérito
educador lagunense. Era secretário de Educação, Saúde e Promoção Social à
época, José Paulo Arantes.
A Biblioteca Romeu Ulysséa havia sido criada pela Lei 14/69, de 19 de agosto de 1969, pelo prefeito Juacy
Ungaretti.
A Biblioteca Pública Romeu Ulysséa, quando de sua inauguração na Praça República Juliana em 29 de maio de 1980. |
Biblioteca Pública Romeu Ulysséa nos dias de hoje, instalada no mesmo imóvel onde funcionou o Ginásio Lagunense. |
Ao longo da
história da Laguna, era a 3º Biblioteca que se inaugurava em nossa cidade.
A primeira foi em 1876, quando do 2º centenário de sua fundação. Funcionava na então Praça Conde D’Eu, atual Praça República Juliana, mediante mensalidade de alguns cidadãos. Sua diretoria era assim constituída: Diretores: Custódio José de Bessa e Francisco Izidoro Rodrigues da Costa; secretário e tesoureiro: Antônio Fernandes Vianna; Bibliotecário: Antônio Luiz de Carvalho.
A primeira foi em 1876, quando do 2º centenário de sua fundação. Funcionava na então Praça Conde D’Eu, atual Praça República Juliana, mediante mensalidade de alguns cidadãos. Sua diretoria era assim constituída: Diretores: Custódio José de Bessa e Francisco Izidoro Rodrigues da Costa; secretário e tesoureiro: Antônio Fernandes Vianna; Bibliotecário: Antônio Luiz de Carvalho.
A segunda
Biblioteca pertenceu ao extinto Centro Cultural Antônio Guimarães Cabral,
denominada Cruz e Sousa e funcionava na mesma Praça, naquele casarão defronte
ao Museu.
O aniversário de um século de nascimento
Até o fim de
sua vida, Romeu Ulysséa viveu na residência edificada no local da mesma casa onde nasceu, na
rua Conselheiro Jerônimo Coelho, aos cuidados de sua irmã, a professora Otília
Ulysséa Ungaretti.
Por ocasião do seu centenário de vida, em 15 de julho de 1990, uma solenidade foi realizada na Câmara de vereadores da Laguna, que contou com apresentação especial do Coral Santo Antônio dos Anjos no recinto e defronte à sua residência. Homenagens e discursos emocionados de ex-alunos.
Por ocasião do seu centenário de vida, em 15 de julho de 1990, uma solenidade foi realizada na Câmara de vereadores da Laguna, que contou com apresentação especial do Coral Santo Antônio dos Anjos no recinto e defronte à sua residência. Homenagens e discursos emocionados de ex-alunos.
O advogado e
ex-deputado por Laguna Armando Calil Bulos, assim se manifestou nas páginas do
jornal O Estado, sobre o aniversariante:
“Singular personalidade. Manteve-se longe da
esquina, das rodas de bar e de café. Guardou a palavra para as salas de aula.
Ao ruído das ruas preferiu o silêncio da
biblioteca onde sobressaía a gramática que conheceu em profundidade e na qual
se tornou mestre admirado além do município natal.
Romeu Ulysséa. Bebi da límpida vertente desse
talento. E alinho-me aos discípulos cuja memória resistiu à distância no tempo
e hoje o abraçam com emoção. Um século de fecunda existência.
A classe em Santa Catarina confere-lhe destaque no
quadro de seus maiores valores. E nós o vemos entre os humanos da predileção
divina”.
Rui Marques,
outro ex-aluno, escreveu:
“Todos relembram, com carinho e gostosa saudade, a
figura ímpar do mestre culto, competente e responsável que tinha o dom especial
de transmitir-lhes o saber de um modo todo seu, eficiente, fácil.
Dele emanava como que uma aura infundindo nos
alunos respeito e admiração. A modéstia – apanágio dos sábios – trescalava em
todo seu ser, em cada lição, em cada gesto, em cada palavra, mesmo quando
corrigia um erro, com autoridade, suavemente, sem melindrar”.
Munir Soares,
ex-aluno, em sua prestigiada coluna no jornal O Renovador, fiel ao seu estilo,
recordou, saudoso:
“Quando passos firmes e cadenciados ecoavam por
todo o pátio interno, tudo mudava na sala, os alunos colocavam assento na
cadeira e esperavam “silenciosos e curvos como uma vírgula”. O professor Romeu
Ulysséa estava chegando, de cabeça baixa, sempre com um único livro numa das mãos,
em duas passadas alcançava a escrivaninha e iniciava sua aula.
A correção dos textos, a análise no diagrama,
redação, conjugação de verbos, leitura, etc., tudo com método próprio, simples
e eficiente. O mestre, considerado o maior linguista catarinense, tinha a
humildade dos sábios e às vezes, talvez, nem percebesse o milagre que sua
sabedoria produzia em todos nós.
Com ele, desvendávamos o mistério de cada palavra,
penetrávamos o mistério de berço latino. Sabia como ninguém lidar com todos os
elementos, gregos ou latinos, radicais ou não. Em pouco tempo, com a benfazeja
chuva primaveril, ele produzia o milagre da floração, adquiríamos o ‘status’ de
substantivo próprio. Rosas, narcisos e margaridas, perdiam a timidez pois já
tiravam a língua de letra”.
Seu sobrinho,
o desembargador Norberto Ulysséa Ungaretti, de saudosa memória, em artigo
publicado no mesmo jornal, ressaltou:
“Vejo-o no seu quarto de celibatário, que era
igualmente seu modesto gabinete de trabalho.
Ao longo da parede, as estantes de boa e antiga
madeira guardavam os livros, muitos livros, amigos fiéis da sua vida inteira e
que lhes preenchiam as longas horas de estudo e solidão.
Ao centro, a sua mesa, os lápis e lapiseiras
cuidadosamente arrumados, o tinteiro que abastecia a bela caneta Parcker de
tampa dourada, as folhas de papel com as suas anotações e não raro com os
desenhos, esboços e caricaturas em que se comprazia, por mero desfastio,
revelando ignorado talento de artista.
Era isto, aliás, assim como a sua própria letra,
elegante e caprichada, nítida manifestação da sua sensibilidade estética.
É assim que Romeu Ulysséa chega à celebração destes
dias, velho de um século, mas puro como criança, honrado pelo respeito da sua
gente, acarinhado pela gratidão dos milhares dos hoje avós e bisavós a quem
serviu e ajudou a formar, durante quase 50 anos, transmitindo-lhes lições que
ficaram para sempre guardadas”.
E concluiu
Ungaretti:
“Felizes dos que, como ele, aguardam o seu tempo,
alcançando serenamente, sem inquietações e sem remorsos, este luminoso crepúsculo”.
Romeu Ulysséa
faleceu em 8 de agosto de 1990, algumas semanas após completar seu centenário
de vida. Manteve até o fim sua modéstia, cultura e nobreza de caráter, traços
dominantes da sua personalidade.
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