Há algum tempo, pesquisando documentos no Arquivo Público (Casa Candemil) de nossa cidade, me deparei com um Livro de Registros da Prefeitura da Laguna. Na capa-dura na cor preta, os dizeres “Para Termos de Suficiência – Exame de Condutores da Laguna - 1933”.
A publicação estava empoeirada, meio comida pelas traças em suas beiradas. Traz os registros oficiais dos primeiros motoristas da Laguna, de carroças e automóveis. E melhor: com fotos ¾ de todos eles. Uma preciosidade para qualquer pesquisador/historiador.
O Livro, e único exemplar que encontrei, abrange os anos de 1933, administração do prefeito Giocondo Tasso, a 1956, já dirigindo o Paço Municipal o prefeito Walmor de Oliveira.
Para melhor entendimento dos nossos leitores, antigamente era a prefeitura quem organizava e realizava os exames de direção, contratando os examinadores e expedindo a Carteira de Habilitação.
Pelas anotações fica-se sabendo que o primeiro a se registrar, em 25 de maio de 1933, foi Oscar Bergler, 28 anos, Carteira nº 1, sendo seu exame de habilitação prestado em Tubarão alguns anos antes, em 1923. Testemunhas do registro? Dr. Paulo Carneiro e Mário Bianchini.
Assinam ainda o documento o secretário da prefeitura José (Zeca) Freitas e o então prefeito-provisório Giocondo Tasso.
O primeiro motorista de automóvel/caminhão na Laguna foi Willy Strak, mas sua carteira foi registrada no município de Brusque.
Em 13 janeiro de 1915, conforme registro do Jornal O Albor, chegava a nossa cidade, no convés do vapor Anna, o primeiro automóvel da Laguna, de propriedade de Júlio Bergler. "Está de hoje em diante à disposição do público", conforme noticiou o periódico, registrando a grande atração. Como o proprietário não dirigia automóvel, quem tomou a boleia do veículo foi Willy Strak, que por sinal foi também motorista do primeiro caminhão pertencente a Jacinto Tasso.
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Willy Strak na direção do Ford T, 1915, pertencente a Júlio Berger.
Primeiro automóvel da Laguna. Acervo: Marega |
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1º caminhão da Laguna. Um Ford 1915 pertencente a Jacinto Tasso.
Na direção, Willy Strak. Acervo: Marega.
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E quem terá sido o primeiro carroceiro cadastrado?
Lá está, para todo o sempre: Celestino dos Santos, 31 anos, casado, analfabeto, filho de João Maria dos Santos. Celestino recebeu a Carteira nº 2. Quem assina a rogo é Júlio Marcondes. Testemunhas Oscar Bergler e Hilarião Pacheco. O exame foi prestado bem antes, em 7 de julho de 1923, na delegacia de Polícia, conforme caderneta apresentada.
Os pioneiros chauffeurs da Laguna
E assim transcorre o Livro, página a página, enumerando os nossos pioneiros chauffeurs de automóveis e carroças, ainda grafando este termo em francês como então em uso.
Dr. Paulo Carneiro, Carteira nº 3; Mário Bianchini, Carteira nº 4; Pedro Rocha, Carteira nº 8 (de quem falaremos mais tarde); Dr. Aurélio Rótulo, Carteira nº 13; Humberto Zanela, nº 17; Francisco Fernandes Pinho, nº 19; Mário Remor, nº 30. E por aí vai.
Dos mais antigos e conhecidos motoristas da nossa Laguna, destacam-se Vitório Paladini, Carteira nº 57, motorista (ou chauffeur de praça, como queiram) durante décadas; e João (Salame) Juvêncio Martins, que depois foi instrutor de gerações de alunos, com a Carteira nº 63.
E quem terá sido a primeira mulher a tirar carteira na Laguna?
Lá está registrado. A pioneira a aventurar-se sobre quatro rodas chamava-se Córa Magalhães Rocha, nascida lagunense em 1907, filha de Luíza Rollin Magalhães e Eugênio Magalhães.
Casada em 4 de julho de 1925 com Pedro Rocha, comerciante na Laguna.
Córa fez os exames de direção, foi aprovada pelo perito examinador José Bergler. Recebeu a Carteira de Habilitação de nº 103, em 16/09/37, portanto aos 30 anos de idade, documento assinado pelo prefeito Giocondo Tasso. (O marido de Córa, Pedro Rocha, possuía a carteira de nº 8, como já informei).
Até 1956, último ano dos Registros que constam no Livro, Córa Magalhães Rocha foi a única mulher autorizada a dirigir automóvel na Laguna.
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Córa Magalhães Rocha, aos 30 anos. |
Pelas minhas pesquisas complementares, soube que era uma mulher decidida, de opinião, além de bonita, e que pelo seu pioneirismo, certamente enfrentou mitos e preconceitos. Afinal, à época, mulheres viviam para o lar, não comandavam negócios nem tinham o peso social que só vão começar a adquirir em meados do século XX. O voto feminino no Brasil, por exemplo, só foi assegurado em 24 de fevereiro de 1932, quando as mulheres adquiriram o direito de votar e ser votadas para o Executivo e Legislativo. E mesmo assim parcialmente. Somente as casadas, as com autorização dos maridos, as viúvas, e as solteiras que tivessem renda própria.
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Em 10 de março de 1937 (portanto seis meses antes de obter sua carteira)
Córa Magalhães Rocha, a filha Adail, o marido Pedro Rocha (atrás) e o cunhado
Lincoln Magalhães, posam com um Ford T. Acervo: Marega. |
Córa morou numa casa (onde hoje é um Bar/Café desativado) na então chamada Praça da Bandeira (atual República Juliana), teve três filhas (Adail, Maria Luíza e Abgail) e depois se mudou para o Rio de Janeiro. Anos após voltou a morar em nossa cidade, na segunda casa da rua Ângelo Novi (ao lado do Clube Blondin) depois retornando ao Rio de Janeiro. Posteriormente, viúva, retornou à Laguna, residindo no casa de dois andares onde funcionou o consultório do dr. Carpes, na rua Tenente Bessa. Faleceu no Rio de Janeiro aos 102 anos. Foi também até hoje, a única pessoa por quatro vezes Festeira de Santo Antônio dos Anjos.
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Curiosidades sobre automóveis e motoristas
A primeira mulher a dirigir um carro no mundo foi a alemã Berta Benz em 5 de agosto de 1888, esposa de Karl Benz, fundador de uma montadora de carros alemã, a Mercedes-Benz.
Era um Benz Patent-Motorwagen, primeiro modelo de automóvel da História o “veículo com motor a gás” foi patenteado em 29 de janeiro de 1886. O primeiro exemplar do Benz Patent-Motorwagen, de 1886, hoje está no Deutsches Museum, em Munique. Berta Benz dirigiu o terceiro exemplar produzido.
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A primeira mulher a conseguir uma carteira de motorista foi a francesa e Duquesa d’ Uzès, no ano de 1899. Dois meses depois ela foi aos tribunais responder por excesso de velocidade. A velocidade máxima era de 12km/h e ela dirigiu o automóvel a 15 km/h. Nem imagino como foi medido essa diferença.
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O primeiro automóvel desembarcou em terras brasileiras em novembro de 1891. Um modelo Peugeot, movido a gasolina, dois cilindros em V, 3,5 cv de potência máxima, pertencente a Alberto Santo Dumont, que retornava da França com a família.
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As primeiras mulheres a ter habilitação para dirigir no Brasil foram Maria José Pereira Barbosa Lima, viúva do jornalista Alexandre Barbosa Lima Sobrinho; e Rosa Helena Schorling, que aprendeu a dirigir aos 12 anos, no automóvel de seu pai, um Opel 1895, com direção do lado direito e câmbio e freio do lado de fora.
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Otília Garofallis Fialho, nascida a 9 de novembro de 1910, foi a primeira mulher a tirar carteira de motorista na Capital catarinense, e exibiu seu feito em alto estilo, em 1928, cruzando a ponte Hercílio Luz., que havia sido inaugurada dois anos antes. Só abandonou o volante aos 90 anos, por causa da visão prejudicada.
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Ford T |
Em 1903, Henry Ford, com 40 anos de idade e mais 11 investidores, funda sua empresa, a Ford Motor Company e revoluciona a fabricação de automóveis, com sua montagem em série.
Em 1 de outubro de 1908 foi apresentado o primeiro modelo Ford T. Como inovação o volante no lado esquerdo. Carro simples de dirigir e manutenção barata. Por volta de 1918, metade dos carros da América do Norte era desse modelo.