Quando os Molhes
da Barra da Laguna estavam sendo construídos, os engenheiros se depararam com
uma verdadeira pedra no caminho.
Perigosa, ela
atrapalhava a navegação pelo canal. Lhe deram o nome de Pedra do Pasto.
Demorou anos,
mas a formação rochosa foi retirada.
Os práticos do
Porto da Laguna alertavam. Os comandantes e mestres de embarcações reclamavam.
Havia uma pedra
no meio do caminho, como escreveria Drummond anos mais tarde.
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Pedra do Pasto quase no meio do canal dos Molhes da Laguna em 1920. Era uma pequena formação rochosa exposta e uma parte maior submersa. |
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A boia na cor verde nos Molhes da Barra assinala o local onde estava situada a Pedra do Pasto. O local ainda hoje oferece perigo à navegação, por isso a sinalização. |
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Foto/Divulgação/PML |
Na verdade, era
uma laje granítica, parte exposta e parte maior submersa e situada quase no meio do canal dos Molhes da Barra, oferecendo enorme perigo à navegação.
Navios e barcos
ao passarem pelo local nas primeiras duas décadas do século XX eram desviados ao largo, alguns metros para o lado norte para
evitar colisões com o empecilho.
Era naufrágio certo se não o fizessem.
Foi batizada de
Pedra do Pasto
Os marinheiros
até a batizaram chamando-a de Pedra do Pasto. E com essa denominação passou a
ser conhecida.
Os jornais
lagunenses, como os semanários O Albor e O Dever desde o ano de
1915 cobravam providências em seus editoriais.
Mas para Laguna,
como sempre, tudo era demorado. Estudos eram feitos, projetos elaborados, mas
não se resolvia o problema.
Em fevereiro de
1916 aqui esteve o engenheiro Augusto Fausto, chefe das Obras dos Portos e Rios
de Santa Catarina.
Produziu
elaborados estudos topográficos, hidrográficos e de batimetria nos Molhes.
Ao final, deu
seu parecer pela arrebentação da “Pedra”, que realmente prejudicava a
navegação.
Finalizados os
estudos e pronto o parecer, seguiu para Florianópolis.
Mas esbarrou na
falta de recursos para os serviços.
Por aí se vê que
essas alegações para com nossa cidade vêm de longe.
Foi só em 1919
que o engenheiro Cândido Lucas Gaffrée, chefe das obras da Barra e Porto da
Laguna de 1917 a 1925, com os próprios recursos locais se lançou à empreitada.
Fez lá seus
próprios estudos técnicos e elaborou os trabalhos para solucionar o problema.
Para isso contou com os operários do nosso porto que construíram no galpão do Estaleiro, situado ao lado do Colégio Stella Maris, à beira do cais, uma balsa em forma de caixão-plataforma.
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Em primeiro plano a balsa-caixão sendo construída no Estaleiro ao lado do Colégio Stella Maris. Ao fundo o Rebocador João Felipe e a lancha Costa Carneiro, ambas pertencentes ao nosso Porto. |
No dia 27 de
novembro de 1919, a balsa-caixão que flutuava sobre 40 boias foi conduzido pelo
rebocador “João Felipe”, às cinco horas da manhã para o local, tendo sido
largada sobre a Pedra do Pasto somente às 13 horas.
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A balsa-caixão que foi conduzida pelo Rebocador João Felipe e depois serviu para o transporte de pedras na construção dos Molhes. |
O artefato
marítimo visava facilitar o broqueamento da laje, onde nos orifícios se
introduziria as bananas de dinamite.
A "pedra
espantalho"
Mas o serviço
demorou por conta da movimentação no porto e outros contratempos e somente em
18 de abril de 1920, foi que o jornal O Albor noticiou:
“Foi arrebentada
no dia 15 do corrente, às 10 horas da manhã, com uma carga de dinamite de 380
quilos aproximadamente, a célebre Pedra do Pasto que vinha servindo de espantalho aos navios
que demandavam à nossa Barra”.
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Jornal O Albor de 18 de abril de 1920. |
O engenheiro
Cândido Gaffrée, cujo nome há pouco tempo, injustamente, foi retirado de uma
via no bairro Mar Grosso pelos nobres vereadores lagunenses, recebeu muitas
felicitações pelo trabalho realizado com sucesso.
“Obra exclusiva
de sua reconhecida inteligência e árduo trabalho”, elogiou o jornal O
Albor em sua já citada edição.
Ainda à noite
uma banda de música (teria sido a Carlos Gomes ou a União) e muitas pessoas de sua amizade
foram até a sua residência (aquele palacete na subida do morro, hoje
pertencente à família Daux-Mussi) para cumprimentá-lo pelo êxito da empreitada.
Um operário mergulha em apneia
Mas além de
Gaffrée mais dois nomes merecem o registro da história.
O primeiro foi o
operário lagunense Athanázio Ferreira Feijó, “que arriscando a própria vida,
fez todo o serviço sem o auxílio do aparelho de escafandro”.
Quer dizer, fez
os trabalhos de perfuratriz na rocha para introdução do explosivo em mergulho
livre, sem equipamento de respiração, em apneia, como se diz no linguajar
técnico.
O segundo
funcionário que mereceu distinção e louvores foi o também lagunense Luiz
Correia, telegrafista de aparelhos Morse e Budot, que era empregado da Comissão
de Melhoramentos do Porto da Laguna.
Foi encarregado
pelo engenheiro Gaffrée de construir um cabo submarino que estabelecesse
comunicação com a Pedra do Pasto, visando sua arrebentação.
E a ordem foi
para utilizar material existente em nosso comércio e de baixo custo.
Correia nunca
vira um cabo submarino, nem sabia como fazê-lo.
Um cabo submarino construído em vinte dias
Tratou de
estudar e em vinte dias o projetou e o executou, auxiliado por mais oito
operários.
O cabo ficou
pronto com 200 metros de comprimento, com vários condutores, sendo um para
servir como telefone, dois para arrebentar a pedra e um sobressalente.
Agora vejam sua criatividade
e tecnologia aplicada:
O mencionado
cabo foi alcatroado (alcatrão) em toda a sua extensão, depois isolado com
algodão embebido numa composição de cera virgem, alcatrão, óleo de linhaça e
sebo.
Feito isso,
depois de seco, deram uma nova mão de alcatrão, cobrindo-o com uma mangueira de
meia lona, também embebida na mesma composição do primeiro isolamento.
Uma vez seco foi
o cabo coberto com arame, sobre o qual foi dada uma terceira mão de alcatrão.
Uma trabalheira
danada, convenhamos.
Mas funcionou
direitinho e o êxito foi completo. E a Pedra do Pasto foi removida.
Até hoje uma
boia na cor verde assinala o local, que ainda oferece perigo devido ao
assoreamento e ao nível do mar que desceu bastante, passados todos esses anos.
Mas foi esse
obstáculo explodido lá em 1920 o responsável durante os anos das décadas posteriores, pela malfadada lenda da pedra que atravancava a entrada da Barra da Laguna, tornando-a
impraticável.
Faz a cama e deita na fama
O encalhe nos Molhes um ano e seis meses depois do navio "Laguna", em 24 de outubro de 1921, nas proximidades do local, contribuiu para aumentar a lenda. O acidente, como ficou provado posteriormente, foi causado pela arrebentação do gualdrope da embarcação que, desgovernada, encalhou nas pedras do costão da Ponta da Barra.
Mas, como diz o ditado, faz a cama e deita na fama.
A tal pedra é uma lenda que perdura até hoje, por incrível que pareça.
O então deputado estadual Armando Calil Bulos da tribuna da Assembleia Legislativa discursou em 1963 dizendo:
"A pedra à entrada da Barra da Laguna é inventada. É uma pedra política que não se conseguiu remover da ingenuidade de muitos".
O Molhe Sul em forma de tenaz
Anos depois, já
na década de 1940, contrariando os primeiros estudos feitos pelo capitão Francisco
Calheiros da Graça, deram continuidade ao Molhe Sul e o fecharam em forma de
tenaz em direção ao Norte.
Aí sim,
comprometeram de fato o acesso ao Porto da Laguna pelo seu canal de navegação
aos navios de maior calado e tamanho, devido, principalmente à curva e ao banco
de areia que se formou. Canal que nunca mereceu uma dragagem regular.
Mas essa é outra
história, outro capítulo dos Molhes e Porto da Laguna que vou abordar em breve.