sexta-feira, 20 de outubro de 2017

Um lindo palacete foi ao chão

Considerada uma das casas mais bonitas da Laguna, o palacete construído por João Monteiro Cabral no fim do século XIX, foi ao chão em 1968. Construção em cantaria, janelas ogivais, muro de pedra e gradil de ferro. Uma preciosidade arquitetônica que representava uma época de prestígio e riqueza da Laguna. Em seu lugar foi construído um prédio sem estilo da agência do Banco do Brasil.

A partir dos anos 1970 começa a se esboçar na Laguna um movimento pela preservação de alguns casarios no centro da cidade. São edificações e suas arquiteturas com os mais diversos estilos: luso-brasileiro, art déco, o de influência moura, germânica, itálica, e outros com padrões diversos.
O gatilho para a campanha foi justamente a derrubada deste palacete situado na Praça Vidal Ramos, esquina com Rua Voluntário Carpes. 
O Palacete construído por João Monteiro Cabral.
Fundos do palacete, com o Jardim Calheiros da Graça em frente, em 1940.
João Monteiro Cabral
João Monteiro Cabral era irmão de Francisco, Marcolino e José Monteiro Cabral, todos eles lagunenses.
Eram filhos do português Manoel Monteiro Cabral, armador e exportador em nossa cidade, que prestou grandes serviços à Laguna, especialmente quando da construção do Hospital de Caridade, do qual foi membro (tesoureiro) da comissão construtora. “Foi tronco de numerosa e tradicional família lagunense, que se espalhou depois por outras cidades, principalmente Tubarão e Florianópolis”.
O filho, João Monteiro Cabral, que construiu o palacete, era filiado ao Partido Republicano. Casado com Elisa Jerônymo de Mesquita, nascida em 1851 no Rio de Janeiro e filha de Jerônimo José de Mesquita (Barão de Mesquita) e Elisa Maria de Amorim.
João Monteiro Cabral foi presidente do Clube Blondin, presidente da “Praticagem Livre do Porto e Barra da Laguna”, provedor do Hospital de Caridade e tesoureiro da Irmandade Santo Antônio dos Anjos. Em 1908 promoveu ampla campanha por donativos em prol de obras na igreja Matriz.
 
Numa foto datada de 1897, feita do Hospital em direção ao Campo do Manejo (futuro Jardim Calheiros da Graça, pode-se observar o terreno ocupando todo o quarteirão ao longo da rua Voluntário Carpes. No centro da foto, pedras depositadas para a construção dos alicerces do palacete. No canto superior esquerdo, a igreja Nª Sª do Rosário, que será derrubada em 1933, no alto do morro de igual nome.
Na foto feita nos primeiros anos de 1900, pode-se observar a igreja Matriz, o Campo do Manejo (futuro Jardim Calheiros da Graça), a casa de José Goulart Rollin, onde será construída a nova sede do Clube Blondin, o Palacete de João Monteiro Cabral e na esquina ao lado a antiga sede do Clube Congresso Lagunense, construída em 1897.
Um palacete à venda
 “Vende-se o grande prédio de sólida construção de cantaria, com muro e gradil de ferro, na rua Conselheiro Jerônimo Coelho esquina da rua Voluntário Carpes, com frente para o Jardim Calheiros da Graça, com jardim na frente com todas as comodidades para grande família, tendo água encanada, banheiro, latrina e esgoto”.

Os dizeres acima são do anúncio da venda do citado imóvel, publicado na Revista Santelmo, de 1º de janeiro de 1922.

João Monteiro Cabral já deveria andar doente quando se decidiu pela venda do palacete, pois tão logo concretizou a transação, faleceu em outubro do mesmo ano.
O palacete foi adquirido por João Tomaz de Souza.

João Tomaz de Souza
João Tomaz de Souza, casado com Aurora (Bortoluzzi) Souza, foi também armador e exportador na Laguna. Era um dos sócios da Empresa Lagunense de Navegação, em sociedade com Pinho & Cia e Sady Candemil (pai do atual prefeito da Laguna Mauro Candemil) & Cia.
O escritório da empresa funcionava na sala da frente da Casa Candemil – Arquivo Público (que está fechado), entre a rua Fernando Machado (Rincão) e a Travessa Manoel Pinho. Operava no ramo de exportação de cereais, farinha, madeira, camarão seco, entre outros produtos.
João Tomaz de Souza é avô materno dos falecidos desembargadores Márcio Souza Batista da Silva, e João Eduardo de Souza Varella, que foi presidente do Tribunal de Justiça, e do Tribunal Eleitoral de Santa Catarina.
Pintura feita por Zuleika Maria Duarte Varella.
Ainda no ano passado, em 4 de agosto, Zuleika Maria Duarte Varella, artista plástica e viúva do desembargador João Eduardo Souza Varella, fez entrega à prefeitura da Laguna, de uma tela pintada por ela, do antigo casarão. O imóvel foi residência dos progenitores do desembargador Souza Varella, Itamar de Souza Varella e Antônio Nunes Varella. A obra está exposta no Museu Anita Garibaldi.

Surge um caixote sem estilo arquitetônico
O palacete foi ao chão no ano de 1968, adquirido pelo Banco do Brasil para construção de sua agência bancária. Em seu lugar surgiu um caixote, sem nenhum atrativo ou estilo arquitetônico.
Já o palacete era uma obra arquitetônica de rara beleza, atravessando os anos e servindo de cenário a tantos acontecimentos sociais, religiosos, carnavalescos, esportivos e militares na Laguna.

A derrubada do majestoso palacete situado ali na Praça Vidal Ramos provocou indignação em muitas pessoas que previam uma onda de “bota-abaixo” em todo o centro da Laguna, com perdas lastimáveis e irrecuperáveis em seu rico patrimônio arquitetônico.
Antes deste fato não se encontra em jornais de nossa cidade qualquer escrito ou campanha pela preservação de imóveis e sua importância paisagística.

Para corroborar esta afirmação, basta ver que a única construção tombada na Laguna até 1977, foi o prédio da Casa da Câmara e Cadeia (futuro Museu Anita Garibaldi), em 5 de março de 1954, realizado pelo Patrimônio Artístico Nacional. Um dos relatores do documento foi o poeta Carlos Drummond de Andrade.

 O entendimento na Laguna – e isso facilmente pode ser constatado nas notas dos jornais - era a de quando um proprietário derrubava seu antigo imóvel para construção de outro mais moderno, recebia elogios louvando o progresso que chegava.

Poder público não se manifestou à época, diz arquiteto
O arquiteto Dagoberto Martins diz que a empresa contratada pela instituição bancária para instalar/construir agências do banco em todo o Brasil certamente ficou até surpresa por não ter encontrado qualquer tipo de resistência à derrubada deste prédio, por parte do poder público municipal da época.
 “À exemplo de agências em outras cidades históricas, de rica arquitetura, eles poderiam ter aproveitado o próprio imóvel, com algumas adaptações, guardando suas características originais”, salienta Martins, que anos depois vai ser o primeiro chefe do escritório do Iphan na Laguna.

Se não houve interesse das autoridades da época na preservação do local, não existia também lei ou decreto regulamentando demolições e/ou conservação de imóveis no centro da cidade.
A criação desses mecanismos legais de preservação e tombamentos vai iniciar em meados da década de 70. É matéria para um futuro post que ainda estou escrevendo.

Lamentação, choro e poesia pela derrubada do palacete
Renato Ulysséa, de saudosa memória, foi funcionário da filial da empresa Hoepcke em nossa cidade, até sua aposentadoria. Faleceu aos 99 anos. Morando vizinho ao palacete, foi um dos inconformados com a derrubada do casarão. Sempre dizia a este autor que chorou muito na esquina do Clube Congresso Lagunense quando da demolição.
“Era um patrimônio arquitetônico que ia embora e eu me sentia impotente para evitar tal disparate”, lamentava-se nas conversas com familiares e amigos.

O professor Ruben Ulysséa, numa crônica publicada alguns anos depois, no jornal Semanário de Notícias de 7 de maio de 1977, lamentava a derrubada:

(...)
“A minha admiração de menino era pelo suntuoso palacete de João Monteiro Cabral, ali na Praça da Igreja, centralizando um vasto terreno que compreendia quase todo o quarteirão. Casa que, juntamente com essas que antes citei, muito bem representava uma época de prestígio e riqueza, digamos, a “belle époque” dessa Laguna já distante... Infelizmente esta preciosidade arquitetônica foi demolida para a construção do edifício do Banco do Brasil. Com tantas esquinas velhas que existem na cidade, foram derrubar justamente essa casa apalaçada que emprestava uma incontestável beleza à praça da Matriz...”(...).

Norberto Ungaretti em seu livro “Laguna um pouco do passado”, pág. 252, relembra:

“Era aquele o prédio residencial mais bonito da Laguna, e continuou sendo enquanto existiu. Dava para a rua Voluntário Carpes, com seis altas janelas de estilo ogival, três de cada lado da porta principal, à qual se chegava subindo uma pequena escada com degraus laterais. No lado que dava para a Praça Vidal Ramos, eram cinco as janelas, nas mesmas medidas e estilo. Tinha um andar apenas, mas dispunha de um porão habitável, se é que se podia chamar de porão àquela parte, onde o dr. Milton Bortolluzzi de Souza muito mais tarde instalou, com toda a comodidade e conforto, seu escritório de advocacia”

Ungaretti, quando da derrubada do imóvel, escreveu uma poesia que intitulou “Réquiem para uma casa branca – A esquina do seu João Thomaz não é mais”, que tomo a liberdade de reproduzir:

“Onde estão as paredes brancas,
sempre brancas,
as janelas ogivais?
não estão mais.

Agora,
os nossos olhos flutuam
naquele pedaço vazio de paisagem urbana,
à procura da velha casa,
branca,
como uma visão...

Tão forte, tão de pedra,
e no entanto tão frágil...
quem diria?”.

10 comentários:

  1. Viviane Maciel20/10/2017, 23:05

    Foi uma pena isto ter acontecido.

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  2. Foi uma pena o que aconteceu, na época os Lagunenses não davam valor às coisas belas da cidade.

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  3. Ótima pesquisa Valmir. Mais uma vez. A gente desconhece detalhes, nomes, genealogia, como foi que tudo aconteceu. José de Abreu.

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  4. Meu pai me contava desta casa. Dizia que era a mais bonita da cidade e que muita gente chorou e achou absurda a derrubada. Gostei da reportagem agora sei como foi. Wilmar Coelho

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  5. Realmente um pecado sem perdão, a derrubada dese palacete!!!!
    Só nos resta lamentar!!#

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  6. Depois da missa, aos domingos, ficar pendurada no muro do palacete era programa certo.

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  7. Boa tarde!
    Não tenho muita certeza, mas penso que Jaqueline Aisemann também cita o referido palacete em um de seus livros. Ela certamente vivenciou este, uma vez que morava nas proximidades. Eu soube de sua existência bem mais tarde... Enfim, adorei mais uma aula de História. Maravilhoso!
    Sugiro que continue a contar nossa história, pois creio que muitos não a conhecem. Parabéns pela matéria!!!
    Grata!

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  8. Este comentário foi removido pelo autor.

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