quinta-feira, 31 de maio de 2012

Essas coisas acontecem

Esta história se sucedeu, há algum tempo, com dois conhecidos jovens lagunenses.
O fim de semana prometia. Haviam marcado encontro para àquela manhã de sábado, no jardim Calheiros da Graça.
Apesar de ter acontecido nos dias atuais, quando não se usa mais o namoro e onde ficar é moda e a sobremesa vem antes do bolo, os hoje chamados “ficantes” mesmo assim precisam de algumas preliminares. Um ou dois encontros para pelo menos conferir o hálito e ouvir a voz.
Dos cincos sentidos humanos pelo menos três tem que bater antes de tudo: a visão, o olfato e a audição. Sem esses quase sempre a coisa não evolui, não decola, não anda. Já o tato e o paladar podem ser conferidos mais tarde e farão parte das descobertas e entrarão no rol das surpresas do “pega”.

Mas como ia dizendo, se encontraram no jardim.
A manhã estava radiante, outonal, como essas que estão fazendo neste final do mês de maio, início de junho. Pardais ciscavam num alarido o chão da praça e as primeiras folhas secas partiam-se dos galhos e num bailado silencioso vinham depositar-se ao solo.
Eles sentaram-se naquele banco bem defronte à Pizzaria Chedão.
A conversa ia animada, em opiniões e sorrisos. Ele falava sobre assuntos da Laguna, barzinhos, contava sobre fatos e acontecimentos, bandas de músicas e sons. Ela atenta e alegre o ouvia e também participava externando suas opiniões, sobre baladas e modas.
Alguns minutos depois ela sentiu o primeiro desconforto, mas desconsiderou. Hoje amargamente se arrepende e confessa:
- Deveria ter ido embora naquele exato momento, inventado um compromisso qualquer e vazado.

Enquanto ele continuava falando, ela já se remexia no banco de pedra, nervosa, angustiada. O fato é que seus intestinos estavam fisiologicamente em polvorosa e o barulho de internas bolhas estourando era disfarçado por uma tosse seca ou pelo ronco dos escapamentos de motos e carros que transitavam pelo local.
Ele percebeu seu desconforto, algumas gotas de suor no rosto, uma estranha palidez. Indagou. Não sem antes pensar que o motivo era seu papo que não estava agradando. Bem por isso trocou de assunto, contou uma piada qualquer e perguntou por um gosto dela.

Ela já respondia monossilábica, catatônica, seu pensamento estava ao longe em busca das causas de tudo aquilo. Terá sido nervosismo pela ocasião? Um X Salada que comeu na noite anterior? Ou um pequeno pão de batata propositalmente oferecido por uma colega sua vizinha e que, sabendo do seu encontro quis estragar a festa, àquela invejosa?
Por fim não havia mais tosse nem barulhos de veículos que resolvessem. Ela, sentada, alternava as bandas, cruzava as pernas, encolhia-se.
Em vão.
O apito saiu fino e estridente num longo e persistente silvo, onomatopéico, tipo quando se esvazia um balão. Para piorar naquele exato momento fez-se sossego nas ruas e em todo o jardim, num silêncio somente quebrado, coincidentemente, pelo cantar de um conhecido pássaro:
- Bem-te-vi!

Ela conta:
- Só podia ser conspiração. Queria me enfiar num buraco, virar uma ameba, morrer!
Ele a observou - não sem antes trancar a respiração - por alguns momentos. Ela nem o olhava, envergonhada. Finalmente, quebrando o gelo, ele disse:
- Essas coisas acontecem, não se deve segurar, faz mal.

Pois bem leitores, nem precisa salientar que tudo acabou ali mesmo, não houve mais papo, nem troca de olhares, nem sorrisos. O romantismo foi pro espaço, a massa de bolo desandou, audição e olfato prejudicados. Despediram-se rapidamente.

Hoje ela ri ao contar a história, mas ao final sempre diz:
- Cara, quando o encontro na Laguna finjo não vê-lo, troco de calçada, de ambiente, mas ele sempre faz questão de me cumprimentar,  mesmo ao longe, sorrindo por de trás daquela cara sacana. Ele me goza, eu sei.

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