Release
enviado semana passada pela prefeitura da Laguna informa que fará a implosão de
uma pedra na Praia do Iró (na verdade são vários blocos). Veja a foto. É bem
aquela que sempre atrapalhou o tráfego de veículos e pedestres.
A
implosão faz parte do projeto da Secretaria de Planejamento Urbano para
urbanizar a região com a colocação de decks, mirante e calçadas.
Não
era sem tempo. Nunca entendi porque os governantes da cidade, de todas as
épocas, não valorizaram o local, ampliando-o e executando mirantes sobre as
pedras de granito rosado. O visual é magnífico, além de ser um ótimo ponto de observação
de botos e baleias, inclusive com instalação de binóculos. E há necessidade de
uma calçada em continuação a do Mar Grosso. A verdade é que temos inúmeras
belezas naturais, mas pouco exploradas.
O
engenheiro e secretário do Planejamento Urbano, Daniel Roberge, a presidente da
Fundação Lagunense do Meio Ambiente (Flama), Amenar de Oliveira estiveram
vistoriando o local, juntamente com o técnico de segurança, Willian Floriano.
Nos próximos meses, a pedra deverá ser implodida. A intenção, de acordo com o
secretário Roberge, é construir decks onde os pedestres poderão caminhar e
conhecer a praia do Iró.
Para
implosão da pedra será tecnologia já utilizada em outras obras, a argamassa
expansiva. Segundo o técnico em segurança Willian Floriano, esse método é bem
mais rápido e não causa nenhum dano nas estruturas ao redor.
O
processo é feito da seguinte forma: perfuração da pedra, e depois a colocação
da argamassa, com isso, facilita e agiliza todo o trabalho. A data e horário
deverá ser anunciado nas próximas semanas.
A gruta
Sobre o bloco de pedras, existe hoje uma
pequena caverna conhecida por gruta da Genoveva. Lembro que há 35, 40 anos,
quando pescávamos no local em nossa turma, era ali que nos abrigávamos das
chuvas repentinas. O local em frente era dos mais piscosos, com seus mariscos e siris,
que no recuo das ondas ficavam na areia das reentrâncias das pedras, lá embaixo.
Com molinete, muito papa-terra pesquei por ali, local perigoso onde qualquer
escorregadela seria fatal. Com o passar dos anos e recuo do mar, a prainha se
formou e ficou um baixio. Em maré vazante hoje praticamente se atravessa a pé,
defronte ao costão.
Dizem os mais antigos que antes da abertura da
via que passa pelo local, existiu uma enorme caverna, em dois cômodos cortada ao meio quando surgiu a estrada. Nela morou uma senhora franzina, que
pedia esmolas pela cidade carregando sempre um ramalhete. E ouvi
muitas estórias sobre ela, inclusive que teria sido uma feiticeira que preparava suas
próprias poções numa grande panela de ferro.
O saudoso José Bessa, em seu livro Gente da minha terra, escreveu belo texto sobre a Genoveva da gruta. Nela, em licença poética, discorreu sobre quem
teria sido a mulher. Sem dúvida daria um filme ou no mínimo um documentário.
Mas Bessa salienta, ao final, que gostaria
que a história da Genoveva tivesse sido como ele narrou. “Mas, a realidade como
a vida, na maioria das vezes é vazia, não oferece grandes lances”. Belas
palavras e verdades de José Bessa.
Querem ler a crônica? Pois aqui está:
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A
Genoveva da Gruta
Por José Bessa
A
gruta ficava à beira da praia, nos rochedos do costão. Nessa época o mar vinha
cá em cima, batia sobre a escarpa em rampa suave e subia, lambendo com a espuma
branca o lajeado vermelho. Lá na ponta, os mariscos pretos, uma franja de limo
verde. Depois o mar resolveu recuar, abandonando por completo suas visitas à
encosta inclinada. Em cima como um comandante atento às atividades dos seus subordinados,
ficava a gruta, uma enorme laje de pedra, com quatro a cinco metros de altura e
uns vinte de comprimento, apoiada em alguns pontos sobre outros blocos de
granito rosa-encarnado, fechado por trás, formando uma grande caverna.
Um
pouco à esquerda abaixo, começa, ou terminava uma praia, deserta de casas e de
gente, rica em peixe e frutos do mar. Sua imponência, de uma beleza rude e
bruta, com areia fina e branca, cômoros que se deslocavam ao sabor dos ventos
dominantes. Nas ventanias do nordeste que assobiava assustador entre as frestas
da gruta, a praia e a encosta tornavam-se mais horrivelmente belas, na força do
vento, na violência do mar, no passeio da areia seca, voando a pouca altura,
castigando as pernas nuas das pessoas. A cada obstáculo se amontoavam. O
paralelismo das ondas que se formam na quebrada da maré, com a espuma na crista
que se desmancha na praia, ao longo daqueles quilômetros de extensão, numa
monotonia que não cansa, sempre a despertar a curiosidade, como se
repentinamente surgisse das profundezas do oceano o monstro Titã para devorar
Andrômeda.
É
a praia, mais as encostas escarpadas, sucedidas pelos morros verdes, para
novamente voltar à restinga de areia bege.
É
a solidão de quem não está só. Parece haver fantasmas familiares por toda parte
nos acompanhando. É triste na sua imensa amplidão que nos farta de um
sentimento de liberdade, gostosamente melancólico. Nada mais do que céu, mar e
areia, mas parecem esconder surpresas que poderão surgir a qualquer momento;
nos fala muito intimamente de fantasias sexuais, aventuras incríveis por
acontecer.
Próximo,
no alto do morro, onde hoje está um belíssimo hotel, havia uma casa para doentes
contagiosos, conhecido como “Lazareto”. Era comum na época, os navios chegarem,
trazendo portadores de males transmissíveis. Levavam imediatamente para serem
ali isolados. Quem sabe, hoje, quantos fantasmas dormem naqueles ricos
apartamentos?
Ilustração: Joris Marengo/Livro Gente da Minha Terra |
A
gruta lá está, impassível, dura, indiferente, como se perscrutasse a tudo e a
todos. Não sente, não fala, mas, compõe magnificamente bem a paisagem. Dentro,
mora uma mulher. Chama-se Genoveva, dando o nome ao local, a Gruta da Genoveva.
A
natureza, caprichosa ou caridosamente, montou quarto e sala. Um espaço mais
amplo na entrada e ao lado, meio escondido, um vão menor. No centro da sala uma
pequena fogueira e atrás dela, com um olhar enigmático, a mulher, velha,
enrugada de franzir o senho para enfrentar o vento salgado, bronzeada dos sóis
de inverno e verão.
Sua
origem, ninguém sabe, ela não conta.
Como
pode viver ali? Ninguém se importa em saber. Vive de siris, mariscos e peixes,
acompanhados quase sempre de pirão de farinha de mandioca e, quando possível
uma xícara de café com um pedaço de pão seco. Algumas vezes esmola pela cidade,
afastada uns cinco quilômetros, amparando-se na caridade alheia. Ao passar pela
praça entra na igreja. Posta-se ereta, fecha os olhos numa atitude de quem está
orando. Certa vez um cidadão muito carola, chamou-lhe a atenção rispidamente,
mandando ajoelhar-se para rezar. Respondeu – e quem lhe disse que estou rezando
de pé?
Nunca
se soube de qualquer ato de banditismo praticado contra ela, vivendo naqueles
ermos. Que se saiba possui duas poderosas armas de defesa: a lenda de ser uma
poderosa feiticeira e um cheiro forte de restos de peixe, cascas e outros
dejetos jogados por ali. Quando pela cidade, Genoveva exalava um cheiro
agradável, mistura de ervas. Na verdade, há um córrego descendo o morro e
passando próximo à gruta, possibilitando-lhe certa higiene e servindo para
abastecer de água doce as suas panelas muito pretas, sobre o fogão no chão,
próprias para um bom feitiço. Nunca se soube como ela resolvia suas
necessidades fisiológicas.
A
sua aparência não é das mais simpáticas. Mais alta do que baixa, magra, nariz
avantajado, rosto fino, tez muito clara, cabelos lisos desalinhados e
descuidados. Diziam que era inglesa ou descendente de ingleses e o seu
verdadeiro nome, Jane. Quando moça, contavam, veio para o Brasil, casada com um
engenheiro de minas, brasileiro, que esteve fazendo curso na Inglaterra. Morou
muitos anos no sul do estado, onde o marido trabalhava em minas de carvão. Teve
quatro lindas louras crianças, às quais dedicava toda a sua desambientação no
país. Amava-as duas vezes: amor de mãe e de estrangeira que não se adaptou bem
à nova terra. O marido compreendia o desajuste e tudo fazia para amenizar a
situação.
Os
tempos passaram e uma tragédia num choque entre o automóvel da família e o
trem, deixou-a só no mundo. Não conseguiu reunir forças sequer para voltar ao seu
país. Desesperada, fechou-se cada vez mais na sua desdita e foi perdendo aos
poucos a razão. Quando avistava um grupo de crianças parecia recobrar o
equilíbrio, para, em seguida, voltar à sua apatia. A companhia onde seu esposo
havia trabalhado, foi até certo ponto condescendente e compreensiva, mas acabou
tomando-lhe a casa destinada ao novo engenheiro que veio substituir o seu
marido. A princípio pessoas caridosas a recolheram. Depois saiu vagando e
desapareceu por muito tempo, ou que sabe, para sempre.
Anos
mais tarde surgiu aquela mulher na beira do mar, falando com certa dificuldade,
com todas as características de uma estrangeira. Julgaram ser a inglesa. Esta
suspeita se tornava quase certeza quando à vista de uma criança loura seu
semblante se transformava, parecendo adquirir uma nova vida.
Os
grupos escolares costumavam fazer piquenique na praia nos dias ensolarados de outono
e primavera. Numa das vezes, o tempo quente convidava a um banho de mar e duas
meninas com idade de dez anos, burlando a vigilância das mestras, entraram na
água e foram colhidas por traiçoeira corrente. Uma agarrada à outra debatiam-se
desesperadamente, enquanto apavoradas colegas e professoras, da praia a tudo
assistiam impotentes. Chegaram a entrar no mar, mas sem coragem de enfrentar as
ondas traiçoeiras.
Genoveva,
de dentro de sua gruta foi alertada pelo alarido, pois, ainda, não havia
percebido a presença da excursão. Exímia nadadora e profunda conhecedora das
manhas do mar e suas correntes traiçoeiras, em poucos minutos alcançou as
crianças e contornando a saída d’água, trouxe-as tranquilamente à praia. As
pequenas não sofreram mais do que um grande susto.
O
fato, muito comentado, tornou-se por demais conhecido. Genoveva perdeu o
sossego. Passou a ser visitada com frequência. Os pais das jovens resgatadas
mostraram muita gratidão, trazendo-lhe ajuda de toda espécie, mas, dali ela não
quis sair. Sua vida mudou. O seu próprio drama já adormecido, como guardado nos
compartimentos do seu cérebro, despertou, foi trazido para fora. A depressão
aumentou. Seu ato heroico, que bem poderia ter melhorado suas condições de
vida, ao contrário, deixou-a prostrada.
Naquelas
bandas eram comuns os temporais de leste, a chamada lestada. São sete dias, no
mínimo, de chuva com vento do mar que, ao final, se torna intermitente,
enquanto as rajadas mudam constantemente de direção.
Foi
durante um período desses, de chuva fina fustigada pelo vento forte que
Genoveva desapareceu. Ao longo da costa, a dezenas de milhas de distância, fica
uma ilha deserta. Há quem afirme que a viu nadando para lá.
A
gruta ficou abandonada durante muitos anos, servia de refúgio para pescadores e
excursionistas, até que um raio deslocou um dos apoios e a enorme laje ruiu
fragorosamente, fazendo um tremendo estrondo. Ainda bem que não haviam pessoas
no seu interior, abrigando-se da tempestade, o que era comum.
Com
o progresso foi construído um belíssimo hotel nas proximidades do local onde
ficava a gruta e com isto a necessidade de uma estrada de acesso em boas condições,
cujo traçado cortou aquela laje que havia sido o teto da Genoveva, em forma de
caixa e que ainda hoje pode ser vista em duas partes, com a rodovia ao meio.
Desapareceu
parte da cena que abrigou uma grande dama, a ser verdadeira a identidade da
Genoveva, a coincidir a sua loucura mansa com o desvairamento da inglesa Jane.
Pouco restou do espaço onde viveu um cérebro ansioso por encontrar explicação
para uma aparente injustiça dos Céus, a destruição de sua família.
Os
homens, com o desenvolvimento, trocaram a beleza agreste pelo conjunto de
instalações balneárias capaz de atrair turistas de todo o mundo e que sepultou
para sempre as cinzas e o carvão que restou das fogueiras que mantinham
aquecida nas noites de inverno a Genoveva.
A
verdadeira história de Genoveva é um pouco diferente. Ela era baixinha, andava
sempre com um ramo de flores seguro nas duas mãos e completamente
desequilibrada mental. Morava na gruta, isto sim, Gostava de rezar na igreja, é
verdade. E é uma pena que a sua verdadeira vida não tenha sido a que foi
contada antes. Assim eu preferia que fosse. Teria sido muito bonita, mais
recheada de fatos. Mas, a realidade como a vida, na maioria das vezes é vazia,
não oferece grandes lances. As únicas coisas que tornavam a Genoveva diferente,
era morar na gruta e ser demente. E assim fica muito triste!
Boa tarde Valmir! Achei linda a história da Genoveva , ou Jane.... Isso me faz lembrar a história de Alfonsina Storni, que suicidou-se em Mar Del Plata em 1938, cuja vida Mercedes Sosa interpreta em uma de suas mais belas canções: "Alfonsina in el mar".
ResponderExcluirSe tiverem a oportunidade, acessem Mercedes Sosa que lá tem toda a biografia de Alfonsina (que significa disposta a tudo) Storni...
Abraços!
Maria de Fatima Martins
Muito boa esta crônica, Valmir! Obrigado por resgatá-la e nos proporcionar essa agradável leitura. Sei lá, ela nos passa uma mistura de curiosidade, interesse e tristeza. Seja na vida real ou na ficção, parece ter sido uma vida bem triste e solitária... Abraço
ResponderExcluirÓtima reportagem a sua e lindo conto de José Bessa! Fátima Barreto
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