Uma bela crônica de autoria do jornalista e escritor Crispim Mira, que nasceu em Joinville mas se notabilizou em Florianópolis, atravessa os tempos. Foi publicada na Revista
Cidade Juliana, edição comemorativa do 10º aniversário do Clube Bola Preta, em
1947. Mas escrita muito antes, na década de 20.
Nela, a poesia se casa com o sentimento e
mescla-se em palavras e frases narrando como era na Laguna a Festa de Nossa Senhora dos Navegantes,
num clássico exemplo de testemunha ocular da história.
Um belo texto que aqui reproduzo:
Nossa Senhora dos Navegantes
Por
Crispim Mira
“Em todas essas localidades (Laguna,
Itajaí, Tijucas e Penha) os festejos de Nossa Senhora dos Navegantes, que é a
padroeira dos embarcadiços, revestem-se sempre, de grande encanto.
Realiza-se a Festividade no dia 2 de
fevereiro de cada ano, com afluência mormente de marítimos, de cada canto do
estado.
Na Laguna, sobretudo, é notável a
concorrência dos que ali vão tomar parte na tocante festa em homenagem à santa
protetora dos marítimos.
Desde uma semana antes a cidade começa a
encher-se de forasteiros, sendo franqueada passagem de ida nos vapores que
fazem escala daquele porto.
A principal solenidade, consta de um
deslumbrante cortejo à noite, de iates embandeirados e iluminados, desfilando
um atrás do outro, com Nossa Senhora dos Navegantes no da frente.
Impelidas à vara e às vezes pelo vento,
essas embarcações vão e voltam pela baía, brilhando em triângulos e retângulos
formados pelas tijelinhas faiscantes, quais pequenas e múltiplas estrelas, que
sobem e descem pelos mastros, tremeluzem nas vergas, estendem-se pelos estais, resplandecem pelas bordas e as envolvem em
número de trinta, cinquenta, cem na mesma fulgurante luminária, no mesmo
espetáculo de luzes a cintilarem, cujos raios se embebem pelo mar adentro,
formando, nas profundidades das águas, de mastros voltados para baixo, outro
fantástico e mágico cortejo.
Clareando o ambiente, até longe,
forma-se imenso halo de via láctea, cortada às vezes por algumas das inúmeras
gaivotas que ali existem e que passam brilhando no espaço como fragmento de
prata.
À meia nau, com seu manto azulado
pendendo dos ombros e o Menino Jesus ao colo, a boa mãe dos argonautas tem nos
lábios esguios doce sorriso de proteção e piedade.
E o séquito luminoso lá se vai
vagarosamente, descreve uma curva, volta, estrugem fogos de todas as
embarcações, cintilam as tijelinhas, soam buzinas, apitam os vapores, espoucam
as bombas, e suavemente tristes, repassados do mistério infinito, os cânticos
de graça e homenagens irrompem meigamente daquela maravilhosa irradiação de
luz, crescem de tom, enchem o ar de contrito misticismo, e mansamente ecoam
pelas praias e pelas enseadas, sempre ternos, meigos, infinitamente
nostálgicos.
Em terra, acompanhando a procissão
marítima, milhares de pessoas apinham-se ao cais, acotovelam-se, empurram-se,
cada um quer ver melhor o deslumbrante desfile veneziano.
E o cortejo cintila, projeta reflexos
para todos os lados, havendo a bordo uma outra multidão batida de luz, em cujo
meio, indo e vindo ao comprimento das bordas, a ponta das varas contra o peito,
movimentam-se os barqueiros, brandamente empurrando o seu barco dourado.
E o cântico votivo dilui-se
evangelicamente pelo espaço e morre longe, para além da barra, num humilde
pungir de vaga melancólica de indefinida saudade.
Depois todas as embarcações se
enfileiram ao correr do cais num imenso cordão de luzes em variadas curvas, e
Nossa Senhora dos Navegantes é carregada em andor, balançando-se dentro de sua
galera, para o altar, na igreja, donde continua a velar dia e noite por todos
que lá se vão mar afora, à mercê das tempestades.
E os sinos repicam, cortam o infinito,
repercutem para o alto como saudações de gratidão mandadas à divina
providência”.
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