segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Uma crônica sobre a Festa de Nossa Senhora dos Navegantes atravessa os tempos

Uma bela crônica de autoria do jornalista e escritor Crispim Mira, que nasceu em Joinville mas se notabilizou em Florianópolis, atravessa os tempos. Foi publicada na Revista Cidade Juliana, edição comemorativa do 10º aniversário do Clube Bola Preta, em 1947. Mas escrita muito antes, na década de 20.
Nela, a poesia se casa com o sentimento e mescla-se em palavras e frases narrando como era na Laguna a Festa de Nossa Senhora dos Navegantes, num clássico exemplo de testemunha ocular da história.
Um belo texto que aqui reproduzo:



Nossa Senhora dos Navegantes
Por Crispim Mira

“Em todas essas localidades (Laguna, Itajaí, Tijucas e Penha) os festejos de Nossa Senhora dos Navegantes, que é a padroeira dos embarcadiços, revestem-se sempre, de grande encanto.
Realiza-se a Festividade no dia 2 de fevereiro de cada ano, com afluência mormente de marítimos, de cada canto do estado.

Na Laguna, sobretudo, é notável a concorrência dos que ali vão tomar parte na tocante festa em homenagem à santa protetora dos marítimos.
Desde uma semana antes a cidade começa a encher-se de forasteiros, sendo franqueada passagem de ida nos vapores que fazem escala daquele porto.
A principal solenidade, consta de um deslumbrante cortejo à noite, de iates embandeirados e iluminados, desfilando um atrás do outro, com Nossa Senhora dos Navegantes no da frente.

Impelidas à vara e às vezes pelo vento, essas embarcações vão e voltam pela baía, brilhando em triângulos e retângulos formados pelas tijelinhas faiscantes, quais pequenas e múltiplas estrelas, que sobem e descem pelos mastros, tremeluzem nas vergas, estendem-se pelos estais, resplandecem pelas bordas e as envolvem em número de trinta, cinquenta, cem na mesma fulgurante luminária, no mesmo espetáculo de luzes a cintilarem, cujos raios se embebem pelo mar adentro, formando, nas profundidades das águas, de mastros voltados para baixo, outro fantástico e mágico cortejo.
Clareando o ambiente, até longe, forma-se imenso halo de via láctea, cortada às vezes por algumas das inúmeras gaivotas que ali existem e que passam brilhando no espaço como fragmento de prata.
À meia nau, com seu manto azulado pendendo dos ombros e o Menino Jesus ao colo, a boa mãe dos argonautas tem nos lábios esguios doce sorriso de proteção e piedade.

E o séquito luminoso lá se vai vagarosamente, descreve uma curva, volta, estrugem fogos de todas as embarcações, cintilam as tijelinhas, soam buzinas, apitam os vapores, espoucam as bombas, e suavemente tristes, repassados do mistério infinito, os cânticos de graça e homenagens irrompem meigamente daquela maravilhosa irradiação de luz, crescem de tom, enchem o ar de contrito misticismo, e mansamente ecoam pelas praias e pelas enseadas, sempre ternos, meigos, infinitamente nostálgicos.

Em terra, acompanhando a procissão marítima, milhares de pessoas apinham-se ao cais, acotovelam-se, empurram-se, cada um quer ver melhor o deslumbrante desfile veneziano.
E o cortejo cintila, projeta reflexos para todos os lados, havendo a bordo uma outra multidão batida de luz, em cujo meio, indo e vindo ao comprimento das bordas, a ponta das varas contra o peito, movimentam-se os barqueiros, brandamente empurrando o seu barco dourado.

E o cântico votivo dilui-se evangelicamente pelo espaço e morre longe, para além da barra, num humilde pungir de vaga melancólica de indefinida saudade.
Depois todas as embarcações se enfileiram ao correr do cais num imenso cordão de luzes em variadas curvas, e Nossa Senhora dos Navegantes é carregada em andor, balançando-se dentro de sua galera, para o altar, na igreja, donde continua a velar dia e noite por todos que lá se vão mar afora, à mercê das tempestades.

E os sinos repicam, cortam o infinito, repercutem para o alto como saudações de gratidão mandadas à divina providência”.

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