Percorrendo quilômetros pelas faixas de areias de
praias, enfrentando buracos e lama, arriscando-se a atolamentos, atravessando canais
e rios em precárias balsas, com ônibus sendo puxados até por juntas de bois.
Assim era o transporte rodoviário nas décadas de
1940 a 1960 na região sul catarinense. Desafio para pioneiras empresas e também
para motoristas e passageiros.
Um viajante do passado narra uma dessas viagens feita em abril de 1950.
Quem hoje
viaja em confortáveis e rápidos ônibus interestaduais entre o Rio Grande do Sul e Santa
Catarina, ou vice-versa, com percursos feitos em poucas horas por rodovias
asfaltadas e duplicadas, não imagina os primórdios do transporte rodoviário
aqui no sul do estado.
Na década de
1950, por exemplo, uma viagem de Porto Alegre a Tubarão podia levar
13 horas. Trajeto em grande parte feito pelas faixas de areias das praias do
sul.
Um ônibus da empresa Santo Anjo da Guarda com itinerário Florianópolis-Porto Alegre atravessa sobre a balsa no canal da barra da Laguna. |
Para e de Florianópolis, não era diferente. Os ônibus iam e vinham em grande parte do percurso
passando pela faixa litorânea e sujeitando-se às oscilações das marés.
Entre Porto
Alegre e a capital catarinense ou vice-versa se dependia da travessia sobre precárias
balsas no canal da Barra da Laguna e também sobre o Rio Mambituba, em Torres. O
trajeto por Laguna até Jaguaruna, com início na Passagem da Barra, se dava em
terra de chão batido, como então se dizia.
Pioneiros ônibus e funcionários da Empresa Santo Anjo da Guarda. (Trajeto Porto Alegre-Tubarão) Foto: Divulgação/Site da Empresa Santo Anjo. |
Os pioneiros
proprietários das empresas de transportes arriscavam seu capital em investir neste
setor ainda tão incipiente em infraestrutura terrestre. E os passageiros e motoristas
não menos pacientes e corajosos em enfrentar os trajetos das viagens.
As três antigas pontes
O gargalo do
Canal das Laranjeiras, na Cabeçuda era atravessado somente por canoas e pela
velha Ponte da Estrada de Ferro Tereza Cristina, inaugurada em 1º de setembro
de 1884, para transporte de carga e passageiros.
A segunda
ponte ferroviária (e exclusivamente ferroviária), construída paralela à antiga, denominada Henrique Lage foi inaugurada em 14 de março de 1947, com grande festividade, presenças de
autoridades e da nossa Banda Musical União dos Artistas.
As três pontes sobre o Canal das Laranjeiras, na Cabeçuda, na Laguna. A primeira de 1884; a segunda de 1947 e a terceira de 1959. |
Somente em 18
de julho de 1959 em caráter experimental foi aberta ao trânsito público a ponte
rodoviária sobre o Canal das Laranjeiras, na Cabeçuda, construída também em paralelo às duas ferroviárias e executada pelo então Departamento Nacional de Estradas e Rodagens
– Dner.
A partir desta
data é que se eliminou o maior ponto de estrangulamento do sistema rodoviário
no sul catarinense. É quando as linhas de transporte público abandonam o antigo
trajeto Laguna-Jaguaruna.
Diário de uma viagem
Em 1950 o
correspondente em Tubarão do jornal lagunense O Albor narrou as peripécias de uma viagem dessas.
Ele contou
pelas páginas do tradicional semanário que levou 13 horas para completar o
trajeto Porto Alegre-Tubarão, enfrentando água, lama e buracos com o ônibus
sendo até puxado por juntas de bois.
É um
interessante relato de uma viagem feita no dia 22 de abril de 1950, portanto há
72 anos, narrado com suas peripécias e seus percalços.
Viajando de ônibus de Porto Alegre a Tubarão em
1950
(Correspondente
do Jornal O Albor)
“Entre Tubarão e Porto Alegre correm diariamente
ônibus de passageiros das empresas Delta e Santo Anjo. Geralmente viajam
lotados, conduzindo gaúchos que vêm para o balneário da Guarda ou catarinenses
que se dirigem à capital gaúcha.
Dia 22 regressamos de Porto Alegre num ônibus da
Delta. Partimos às 4 horas: às 6 estávamos em Santo Antônio (da Patrulha) saboreando o aromático
café com saborosos sonhos que o restaurante Boas-Vindas fornece aos viajantes.
As estradas do vizinho estado são de primeira
ordem: largas, macadamizados longos trechos, outros asfaltados e ainda outros
com faixas de cimento.
Até Arroio do Silva, balneário de Araranguá,
viajamos bem, a boa velocidade.
Ao entrarmos no caminho que liga a praia à cidade
de Araranguá, começou o suplício dos passageiros: buracos, lama e água em
enormes extensões, provocando solavancos no veículo.
O motorista Emilio Guimarães, hábil que é,
envidava esforços para proporcionar viagem menos penosa aos seus passageiros,
mas sem resultado.
A excelente rodovia entre Araranguá e Rio Mãe
Luzia, que o incansável engenheiro Annes Gualberto construiu com tanto carinho
– na qual teria dispendido boa soma – está em mau estado em vários lugares.
Não nos foi possível transitar pela Estrada do
Morro da Fumaça, em virtude de não permitir o seu péssimo estado uma viagem sem
riscos.
O motorista Emilio resolveu trazer-nos pela
estrada de 13 de Maio, que as chuvas da última semana deixaram enlameadas e com
buracos.
Em certa altura o sr. João Eduardo Bergmann
forneceu-nos uma junta de bois para arrastar o ônibus numa boa distância.
Mais adiante, no morro próximo à propriedade do
sr. Adolfo Bortoluzzi, ficamos novamente imobilizados. Não fora a bondade do
sr. Bortoluzzi, nosso prezado e velho amigo, que gentilmente ofereceu-nos outra
junta de bois que puxaram nosso auto até terreno seco, lá teríamos pernoitado.
Populares e um guapo gaúcho, nosso companheiro de
viagem, auxiliaram com enxadas na remoção da lama.
Chegamos aqui às 17 horas, exaustos. Todos demos
graças a Deus em termos feito o percurso dos 410 quilômetros em 13 horas
apenas.
Se algum dia for concluída a rodovia
Tubarão-Criciúma, as viagens desta cidade a Porto Alegre se farão em 10 horas
no máximo, quando a praia estiver boa e a balsa do Mampituba der passagem”.
Muito interessante. Memória de um tempo.
ResponderExcluirQue legal! Parabéns pela matéria!
ResponderExcluirLembro quando pequeno eu tinha uns 5 anos íamos sempre no verão a casa do meu avô em Itajaí e a viagem era um supricio, ônibus da viação Glória saia de flpolis as 12 horas para chegar em Laguna as 18 hs se o Morro dos Cavalos e a tal das Sete Pontes na região de Garopaba dessem condições de passagem senão chegava aqui pelas 22 horas.
ResponderExcluirNasci em Tubarão em 1951. Enfrentamos essa viagem até Porto Alegre várias vezes para visitar os parentes da nossa mãe que moravam em Novo Hamburgo. Avô, avó, tios e primos. Saíamos 2, 3 h da madrugada de Tubarão e chegávamos em P.A. a partir do meio da tarde.
ResponderExcluirUma epopeia!!!!
ResponderExcluirValmir, e o pessoal ainda reclama hoje em dia. Vai fazer uma viagem dessas vai como nossos antepassados. É de doer o esqueleto.
ResponderExcluirE tem gente que reclama de andar de Fusca.
ResponderExcluirAs viagens que fazia para visitar meus Avós e Tios em Laguna, saindo de Santos/SP pela viação Penha até Floripa e Santo Anjo até Laguna também eram uma aventura nos anos 60.
ResponderExcluirValmir... no início dos anos 60 eu morava na Avenida João Pessoa,que era uma rua que no final dava acesso a balsa e ao bote que transportavam pessoas e veículos para a região da "passagem da barra". Naquela época tinha um volume de caminhões que passavam do norte do estado (Florianópolis, Itajaí, assim como, outros que demandavam do sul para o norte... que junto com alguns ônibus, acabavam sendo um razoável trânsito no pacato bairro do Magalhães. A balsa era de propriedade do Sr. Otávio Búrigo que morava no centro explorou a travessia por muito anos. Lembro também, que no lado da barra tinha uma especie de "estalagem" onde o Sr. Antonico Deco oferecia lanches, refeições e eventualmente acomodação para os desavisados que "perdiam o horário" no final do dia e/ou a balsa estava com problemas mecânicos... ou ainda o mar e ou vento impediam a operação. Todo este movimento cessou com a inauguração da Ponte da Estrada de Rodagem de Cabeçudas, sendo que a partir daí outros empresários exploraram o serviço da balsa... que nos últimos anos foi muito melhorado, oferecendo transporte praticamente durante as 24 horas do dia.
ResponderExcluirGrande abraço do Adolfo Bez Filho - Joinville / SC