quinta-feira, 15 de setembro de 2022

Manoel Tesoura: ladrão e valentão

 Um sujeito alcunhado Manoel Tesoura foi outro bandido que apareceu na Laguna e atormentou a população com seus roubos, brigas e violências.

Aqui fez fama em 1880, três anos depois de outro bandido, o Pedro Espanhol (post anterior) ter sido preso e remetido num porão de navio para o cárcere no Rio de Janeiro.
Jornais como O Município, de nossa cidade traziam os crimes cometidos por Manoel Tesoura. Em editoriais exigiam providências enérgicas por parte da polícia.
“Não há segurança individual nesta cidade. Debalde temos reclamado enérgicas providências para se por fim aos abusos que se cometem impunemente”, protestava esse semanário em sua edição de 23 de novembro daquele ano.
E narrava a “última façanha" de Manoel Tesoura que diziam ser desertor. Nada ficou comprovado.

Roubando no Campo de Fora
Pois o ladrão entrou na Casa de Fazendas e Secos & Molhados de Manoel Baião e pediu para separar algumas peças de fazenda que foram expostas no balcão à disposição do freguês. O total da compra importava em 100 mil réis.
Cá para nós leitor, o “seo” Baião, cuja loja era situada na esquina das ruas Pinto Bandeira com a atual Jacinto Tasso, bem ali no começo do bairro Campo de Fora, não devia conhecer o bandido ou não teria colocado a mercadoria assim tão fácil, de lambuja, de bobeira em cima do balcão. Ou não imaginou tal ousadia por parte do bandido, sei lá.
-Perdeu! Perdeu! Xará! deve ter dito Manoel Tesoura, se essa expressão já existisse na gíria dos bandidos naqueles tempos.
E Tesoura com as peças de fazenda debaixo do braço meteu sebo nas canelas – é óbvio - correndo pela rua Almirante Lamego, no Campo de Fora.
O bondoso “seo” Manoel Baião foi à porta de seu estabelecimento comercial e começou a gritar pela polícia, pedindo socorro com seu sotaque de português:
-Pega ladrão, pega ladrão! Pega o gajo!
 Sim, sim, Manoel Baião, conforme o nosso historiador Saul Ulysséa, era português, tronco de numerosa e honrada família.
Imaginemos nós o que deve ter ajuntado de gente querendo saber o que se tinha passado. Do jeito que o pessoal é curioso...

Delegado foi chamado
Logo o delegado da Laguna Manoel Carneiro Pinto (olha outro Manoel aí, é o terceiro nesta história), que era o mesmo que tinha prendido o Pedro Espanhol três anos antes, compareceu ao local para tomar ciência do ocorrido e lavrar o respectivo BO daquela época.
Rapidamente soube (alguém deve ter visto e reconhecido ou foi talvez pelo modus operandi) tratar-se do ladrão Manoel Tesoura e que ele havia se escondido (mocozado) numa casa abandonada no fim daquela rua, a Almirante Lamego (é o jornal quem diz).
Para lá foi o delegado com mais dois policiais, um paisano e mais o comandante do destacamento. Cinco pessoas para capturar o famoso bandido.

Atacando com navalha
Vendo-se cercado, Manoel tesoura saiu pela porta do quintal enfrentando na munheca dois policiais e o paisano que, diz o jornal, era o sr. Cabreira, carcereiro da nossa cadeia naquela época situada no térreo do hoje Museu Anita Garibaldi.
Manoel Tesoura entrou em luta corporal com o sr. Cabreira em quem fez oito ferimentos utilizando-se de uma navalha.
Não entendo porque então ele não era chamado de Manoel Navalha, seria mais coerente.
E diz o jornal que “Certamente o sr. Cabreira, que é pai de família, seria hoje cadáver se outro fosse o instrumento de que servira-se o larápio para defender-se”.
Entende-se com esta nota que os ferimentos não devem ter sido profundos e nem atingido veias, artérias ou algum órgão vital. Manoel Tesoura deve ter “apenas” lanhado o coitado do Cabreira mas deixando cicatrizes para o resto de sua vida.
Manoel Tesoura com isso conseguiu evadir-se do local, desapareceu, escafedeu-se, pirulitou-se, que ligeiro ele era, como já sabemos.

Dois cavalos de estimação
Na manhã seguinte o delegado Carneiro Pinto partiu em novas diligências na captura de Tesoura que estaria refugiado em algum rancho de pescador lá pras bandas do Areal. Outro jornal, o A Verdade fala que o esconderijo seria em Itapirubá.
Para isso o delegado mandou encilhar dois velozes cavalos de sua estimação e os deu para os dois policiais procurarem o bandido.
Manoel Tesoura tão logo avistou os agentes da lei e se vendo cercado esfaqueou os dois cavalos e fugiu, obrigando os policiais a voltarem a pé.
Se o fato se deu em Itapirubá foi uma longa caminhada de volta.
Era a desmoralização das forças de segurança de nossa cidade. Por conta disso o delegado pretendeu até se exonerar do cargo. 

Protestos do jornal e da população
O jornal O Município novamente protestou dizendo que por mais que o delegado de polícia procurasse desempenhar sua função “não pode contar com a pequena guarnição da cidade, composta de soldados inexperientes e fracos, apenas cinco soldados de polícia comandados por um alferes”.
E indagava:
“Como se pode exigir energia de uma autoridade se a esta faltam os elementos precisos para a sustentação de seus atos?”.
E finalizava o redator: “Só se procura dar prestígio às autoridades locais nos períodos eleitorais”.
O quê? Já naquela época? A coisa vem de longe, como a gente pode observar. 

Pedidos de reforços à capital
Outra medida tomada foi solicitar reforços à capital, ainda chamada Desterro e que alguns anos depois, em 1894, será rebatizada como Florianópolis.
E de lá vieram quatro soldados da Cavalaria a fim de ajudar a prender o criminoso Manoel Tesoura.
E dizia O Município: “Tesoura há de ufanar-se de ser tido por valentão e talvez pretenda substituir em “grandes façanhas” ao antigo Pedro Espanhol, que foi o terror ... da nossa polícia”.
E qual teria sido seu fim, já deve estar se perguntando o leitor, entre curioso e ansioso pela conclusão dessa história, que já se alonga em demasia.
Evidentemente a coisa não ia acabar bem para os lados do Tesoura. Lanhar com navalha o carcereiro da cadeia, atacar com faca dois policiais e matar “dois cavalos de estimação” do delegado da Laguna era muita ousadia, era zombar das forças de segurança. Haveria consequências. 

Canivete e porrete no Mirim
Toda a região sul ficou de sobreaviso. Dias depois Tesoura apareceu em Mirim. Soldados de lá deram ordem de prisão, mas o bandido armado com um canivete e um porrete entrou em luta corporal com eles que não conseguiam desarmá-lo.
O subdelegado de Mirim também foi ao local e deu ordem de prisão ao que o Tesoura respondeu que o delegado seria o primeiro que ele acabaria com a vida.
Eita cabra valente!

E dá-lhe cacetadas no subdelegado, nos policiais e em algumas pessoas do povo que foram em auxílio.
Detalha o jornal: “Feriu João Gregório dos Reis sobre o peito e cortando as roupas de particulares e dos policiais e estes não tendo outros meios de defender-se descarregaram alguns tiros que atingiram o peito, virilhas e estômago de Manoel Tesoura”.
E assim falecia o Manoel Tesoura. Indagado pouco antes confessou que seu nome verdadeiro era Motesdo.
Um nome que soa estranho e que deve ter sido mal interpretado por quem o ouviu nos estertores da vida ou é um erro tipográfico do jornal.
E este foi o fim do valente, brigão e perigoso ladrão alcunhado Manoel Tesoura ou de nome Motesdo numa história acontecida em terras lagunenses há distantes 142 anos.
Direto do túnel do tempo.

10 comentários:

  1. Ótima história. Mais um capítulo, com área de folhetim.

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    1. Verdade, bem ares de folhetim. Dá pra fazer um filme ou uma série na netflix

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  2. Valmir, estava aguardando a publicação de mais uma edição do teu folhetim. Novamente, outra figura marginal é revelada com maestria por ti, o tal do Manoel Tesoura, que surge atormentando as forças policias e a pacata população da Laguna de então. Mas o bem, como sempre, venceu o mal, e as estripulias e o malfeitor terminaram tragicamente. O valentão me fez lembrar, pela sua coragem, destreza e atrevimento, o famoso e controvertido Madame Satã, figura marcante e representativa da boemia e da marginalidade da Lapa carioca de outrora. Abraço

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    1. Realmente , Adolfo com características de madame Satã, que mereceu até livro e filme. Devia ser capoeirista usando os golpes para o mal. O apela do tesoura pode ser pelas " voadoras" com as pernas. Vai saber. Grato pela leitura.

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  3. Pirulitar-se, tudo bem. Agora, esfaquear cavalos. Grande Valmir. Forte Abraço daqui da Desterro

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    1. Grato pela leitura meu caro Márcio Dison, direto de Floripa.

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  4. Valmir... parabéns por nos relatar mais uma das "lutas" para manter a Lei e a Ordem na nossa Laguna dos velhos tempos. Entretanto, fica muito claro que com bandido não se deve ter nenhuma consideração, já que como ficou demonstrado... pessoas de bem foram feridas e animais mortos. Assim, para mim cada vez é mais atual a frase "bandido bom é bandido morto", pois, os Direitos Humanos são para os Humanos Direitos.
    A força policial da Laguna da época era muito comprometida em manter a população protegida dos maus elementos... bandidos, ladrões, marinheiros arruaceiros e outros... conforme suas matérias relatam e também são comentadas em muitos jornais antigos que tenho e que releio com razoável frequencia.
    Grande abraço do Adolfo Bez Filho - Joinville / SC

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    1. Grato pela leitura e comentário, sempre acompanhando este Blog. Abraço.

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  5. Parece filme de ação. Eta cabra valente!.

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    1. Que dá um filme de ação sem dúvida. Grato pela leitura e comentário.

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