Um sujeito alcunhado Manoel Tesoura foi outro bandido
que apareceu na Laguna e atormentou a população com seus roubos, brigas e
violências.
Aqui fez fama
em 1880, três anos depois de outro bandido, o Pedro Espanhol (post anterior)
ter sido preso e remetido num porão de navio para o cárcere no Rio de Janeiro.
Jornais como O Município, de nossa cidade traziam os
crimes cometidos por Manoel Tesoura. Em editoriais exigiam providências
enérgicas por parte da polícia.
“Não há
segurança individual nesta cidade. Debalde temos reclamado enérgicas providências
para se por fim aos abusos que se cometem impunemente”, protestava esse semanário
em sua edição de 23 de novembro daquele ano.
E narrava a
“última façanha" de Manoel Tesoura que diziam ser desertor. Nada ficou
comprovado.
Roubando no Campo de Fora
Pois o ladrão
entrou na Casa de Fazendas e Secos & Molhados de Manoel Baião e pediu para
separar algumas peças de fazenda que foram expostas no balcão à disposição do
freguês. O total da compra importava em 100 mil réis.
Cá para nós
leitor, o “seo” Baião, cuja loja era situada na esquina das ruas Pinto Bandeira
com a atual Jacinto Tasso, bem ali no começo do bairro Campo de Fora, não devia
conhecer o bandido ou não teria colocado a mercadoria assim tão fácil, de
lambuja, de bobeira em cima do balcão. Ou não imaginou tal ousadia por parte do
bandido, sei lá.
-Perdeu!
Perdeu! Xará! deve ter dito Manoel Tesoura, se essa expressão já existisse na gíria dos bandidos naqueles tempos.
E Tesoura com
as peças de fazenda debaixo do braço meteu sebo nas canelas – é óbvio -
correndo pela rua Almirante Lamego, no Campo de Fora.
O bondoso
“seo” Manoel Baião foi à porta de seu estabelecimento comercial e começou a
gritar pela polícia, pedindo socorro com seu sotaque de português:
-Pega ladrão, pega ladrão! Pega o gajo!
Sim, sim,
Manoel Baião, conforme o nosso historiador Saul Ulysséa, era português, tronco de
numerosa e honrada família.
Imaginemos nós
o que deve ter ajuntado de gente querendo saber o que se tinha passado. Do
jeito que o pessoal é curioso...
Delegado foi chamado
Logo o
delegado da Laguna Manoel Carneiro Pinto (olha outro Manoel aí, é o terceiro
nesta história), que era o mesmo que tinha prendido o Pedro Espanhol três anos
antes, compareceu ao local para tomar ciência do ocorrido e lavrar o respectivo
BO daquela época.
Rapidamente
soube (alguém deve ter visto e reconhecido ou foi talvez pelo modus operandi) tratar-se do ladrão
Manoel Tesoura e que ele havia se escondido (mocozado) numa casa abandonada no
fim daquela rua, a Almirante Lamego (é o jornal quem diz).
Para lá foi o
delegado com mais dois policiais, um paisano e mais o comandante do
destacamento. Cinco pessoas para capturar o famoso bandido.
Atacando com navalha
Vendo-se
cercado, Manoel tesoura saiu pela porta do quintal enfrentando na munheca dois
policiais e o paisano que, diz o jornal, era o sr. Cabreira, carcereiro da
nossa cadeia naquela época situada no térreo do hoje Museu Anita Garibaldi.
Manoel Tesoura
entrou em luta corporal com o sr. Cabreira em quem fez oito ferimentos
utilizando-se de uma navalha.
Não entendo
porque então ele não era chamado de Manoel Navalha, seria mais coerente.
E diz o jornal
que “Certamente o sr. Cabreira, que é pai de família, seria hoje cadáver se
outro fosse o instrumento de que servira-se o larápio para defender-se”.
Entende-se com
esta nota que os ferimentos não devem ter sido profundos e nem atingido veias,
artérias ou algum órgão vital. Manoel Tesoura deve ter “apenas” lanhado o
coitado do Cabreira mas deixando cicatrizes para o resto de sua vida.
Manoel Tesoura
com isso conseguiu evadir-se do local, desapareceu, escafedeu-se, pirulitou-se,
que ligeiro ele era, como já sabemos.
Dois cavalos de estimação
Na manhã
seguinte o delegado Carneiro Pinto partiu em novas diligências na captura de
Tesoura que estaria refugiado em algum rancho de pescador lá pras bandas do
Areal. Outro jornal, o A Verdade fala
que o esconderijo seria em Itapirubá.
Para isso o
delegado mandou encilhar dois velozes cavalos de sua estimação e os deu para os
dois policiais procurarem o bandido.
Manoel Tesoura
tão logo avistou os agentes da lei e se vendo cercado esfaqueou os dois cavalos
e fugiu, obrigando os policiais a voltarem a pé.
Se o fato se
deu em Itapirubá foi uma longa caminhada de volta.
Era a
desmoralização das forças de segurança de nossa cidade. Por conta disso o
delegado pretendeu até se exonerar do cargo.
Protestos do jornal e da população
O jornal O Município novamente protestou dizendo
que por mais que o delegado de polícia procurasse desempenhar sua função “não
pode contar com a pequena guarnição da cidade, composta de soldados
inexperientes e fracos, apenas cinco soldados de polícia comandados por um
alferes”.
E indagava:
“Como se pode
exigir energia de uma autoridade se a esta faltam os elementos precisos para a
sustentação de seus atos?”.
E finalizava o
redator: “Só se procura dar prestígio às autoridades locais nos períodos
eleitorais”.
O quê? Já
naquela época? A coisa vem de longe, como a gente pode observar.
Pedidos de reforços à capital
Outra medida
tomada foi solicitar reforços à capital, ainda chamada Desterro e que alguns
anos depois, em 1894, será rebatizada como Florianópolis.
E de lá vieram
quatro soldados da Cavalaria a fim de ajudar a prender o criminoso Manoel
Tesoura.
E dizia O Município: “Tesoura há de ufanar-se de
ser tido por valentão e talvez pretenda substituir em “grandes façanhas” ao
antigo Pedro Espanhol, que foi o terror ... da nossa polícia”.
E qual teria
sido seu fim, já deve estar se perguntando o leitor, entre curioso e ansioso
pela conclusão dessa história, que já se alonga em demasia.
Evidentemente
a coisa não ia acabar bem para os lados do Tesoura. Lanhar com navalha o
carcereiro da cadeia, atacar com faca dois policiais e matar “dois cavalos de
estimação” do delegado da Laguna era muita ousadia, era zombar das forças de
segurança. Haveria consequências.
Canivete e porrete no Mirim
Toda a região
sul ficou de sobreaviso. Dias depois Tesoura apareceu em Mirim. Soldados de lá deram
ordem de prisão, mas o bandido armado com um canivete e um porrete entrou em
luta corporal com eles que não conseguiam desarmá-lo.
O subdelegado
de Mirim também foi ao local e deu ordem de prisão ao que o Tesoura respondeu
que o delegado seria o primeiro que ele acabaria com a vida.
Eita cabra valente!
E dá-lhe
cacetadas no subdelegado, nos policiais e em algumas pessoas do povo que foram
em auxílio.
Detalha o
jornal: “Feriu João Gregório dos Reis sobre o peito e cortando as roupas de
particulares e dos policiais e estes não tendo outros meios de defender-se
descarregaram alguns tiros que atingiram o peito, virilhas e estômago de Manoel
Tesoura”.
E assim
falecia o Manoel Tesoura. Indagado pouco antes confessou que seu nome verdadeiro
era Motesdo.
Um nome que
soa estranho e que deve ter sido mal interpretado por quem o ouviu nos estertores da vida ou é um erro tipográfico do jornal.
E este foi o
fim do valente, brigão e perigoso ladrão alcunhado Manoel Tesoura ou de nome Motesdo
numa história acontecida em terras lagunenses há distantes 142 anos.
Direto do
túnel do tempo.
Ótima história. Mais um capítulo, com área de folhetim.
ResponderExcluirVerdade, bem ares de folhetim. Dá pra fazer um filme ou uma série na netflix
ExcluirValmir, estava aguardando a publicação de mais uma edição do teu folhetim. Novamente, outra figura marginal é revelada com maestria por ti, o tal do Manoel Tesoura, que surge atormentando as forças policias e a pacata população da Laguna de então. Mas o bem, como sempre, venceu o mal, e as estripulias e o malfeitor terminaram tragicamente. O valentão me fez lembrar, pela sua coragem, destreza e atrevimento, o famoso e controvertido Madame Satã, figura marcante e representativa da boemia e da marginalidade da Lapa carioca de outrora. Abraço
ResponderExcluirRealmente , Adolfo com características de madame Satã, que mereceu até livro e filme. Devia ser capoeirista usando os golpes para o mal. O apela do tesoura pode ser pelas " voadoras" com as pernas. Vai saber. Grato pela leitura.
ExcluirPirulitar-se, tudo bem. Agora, esfaquear cavalos. Grande Valmir. Forte Abraço daqui da Desterro
ResponderExcluirGrato pela leitura meu caro Márcio Dison, direto de Floripa.
ExcluirValmir... parabéns por nos relatar mais uma das "lutas" para manter a Lei e a Ordem na nossa Laguna dos velhos tempos. Entretanto, fica muito claro que com bandido não se deve ter nenhuma consideração, já que como ficou demonstrado... pessoas de bem foram feridas e animais mortos. Assim, para mim cada vez é mais atual a frase "bandido bom é bandido morto", pois, os Direitos Humanos são para os Humanos Direitos.
ResponderExcluirA força policial da Laguna da época era muito comprometida em manter a população protegida dos maus elementos... bandidos, ladrões, marinheiros arruaceiros e outros... conforme suas matérias relatam e também são comentadas em muitos jornais antigos que tenho e que releio com razoável frequencia.
Grande abraço do Adolfo Bez Filho - Joinville / SC
Grato pela leitura e comentário, sempre acompanhando este Blog. Abraço.
ExcluirParece filme de ação. Eta cabra valente!.
ResponderExcluirQue dá um filme de ação sem dúvida. Grato pela leitura e comentário.
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