quarta-feira, 19 de outubro de 2022

José de Jesus, o marinheiro que defendeu Laguna da invasão dos Farrapos

          Ele era lagunense. Proprietário de embarcações mercantes, entre elas a “Imperial Catharinense”, que transportavam mercadorias e produtos entre os portos da Laguna, Desterro e Rio de Janeiro.

Seu nome é José de Jesus.
Eis mais um personagem do século XIX que teve sua trajetória invisibilizada ao longo da história, mesmo tendo sido citado por Giuseppe Garibaldi em suas memórias ditadas a Alexandre Dumas.
Nosso historiador Saul Ulysséa em curto parágrafo no seu livro “Coisas Velhas”, diz que nada conseguiu saber de José de Jesus e de sua família.
“Simples marinheiro e foi mais tarde mestre de embarcações que viajavam até o Rio de Janeiro. Deixou depois a Marinha Imperial e estabeleceu casa comercial chegando a negociante importante. Era conhecido como homem corajoso e enérgico”.
Sabe-se que deixou um filho, Ignácio de Jesus.

Ficou ao lado dos imperialistas
Quando da iminente invasão da Laguna pelos republicanos farroupilhas em julho de 1839, o negociante José de Jesus estava ao lado dos imperialistas e a postos para defender Laguna.
Sua embarcação foi recrutada pelo presidente da Província de Santa Catarina, Brigadeiro João Carlos Pardal. Em correspondência recuperada e publicada pelo historiador Boiteux, João Pardal “Participava que tendo de atender diferentes pontos das lagoas da Laguna, todas ameaçadas pelos anarquistas, havia fretado no dia 25 de junho de 1839 a escuna “Providência”.
A citada embarcação de 39 toneladas de arqueação, de propriedade do marinheiro e comerciante José de Jesus, foi fretada por 100$000 (cem mil réis) mensais, “mandando armá-la com dois rodízios e que lhe pusera o nome de “Imperial Catharinense”.

Condições do contrato
Boiteux reproduz as curtas quatro cláusulas do fretamento da embarcação e acho interessante conhecermos as condições contratuais: 

1º) Que o proprietário entregaria ao Governo da Província a sobredita escuna com todos os seus pertences constantes de um inventário e poderia ser empregada como o Governo conviesse e durante o tempo em que dela precisasse pagando-se, a ele proprietário, a quantia líquida de 100$000 (cem mil réis) como ficou dito, sendo o custeio da embarcação e toda despesa com seu apresto por conta do Estado.

2º) Que ele proprietário receberia a escuna no fim do fretamento no mesmo estado em que a entregasse e pelo mesmo inventário porque o governo a recebesse.

3º) Que a perda total da embarcação ou qualquer avaria proveniente de temporal ou de outro qualquer motivo seria por conta dele proprietário, mas o Estado ficaria obrigado ao pagamento dela, e das avarias, no caso de ser a embarcação tomada por força inimiga ou viesse a perder-se em combate, ou se arruinasse debaixo de fogo.

4º) Finalmente, que ele proprietário, seu filho Ignácio de Jesus e seus empregados Agostinho e Francisco seriam conservados na dita embarcação enquanto lhes conviessem.

Jesus como piloto
Pois no dia 9 de julho de 1839 veio de Desterro para Laguna a nova embarcação batizada canhoneira “Imperial Catharinense”, sob o comando de seu proprietário José de Jesus, com a nomeação de Piloto, por ter se oferecido e também por falta de oficiais.
A embarcação tinha como despenseiro, Ernesto dos Santos; mestre, Manoel Antônio da Costa; Guardião, Antônio Assis; primeiros marinheiros, cinco; segundos marinheiros, sete; grumetes, sete.
Como a gente percebe José de Jesus não trouxe seu filho Ignácio de Jesus para o palco da luta. O deixou protegido lá em Desterro. Precavido, deixou o herdeiro para cuidar de seus negócios em caso de sua morte pelos farrapos.

À espera do ataque pelo mar
Diz Boiteux que os defensores imperialistas da Laguna seguros estavam que qualquer golpe viria pelo mar, pela entrada da Barra da Laguna. Bem por isso deixaram vigias nos morros próximos para qualquer aviso. Quem organizou a defesa marítima do porto lagunense foi o capitão-tenente Ricardo Hayden.
No dizer de Lindolfo Collor em seu livro “Garibaldi e a Guerra dos Farrapos” “Tudo ali estava em desordem. Nem havia mesmo oficiais para comandar os navios, de todo desaparelhados para a ação”.
Quer dizer, tudo foi feito às pressas para defesa da Laguna.
Quanto à Barra do Camacho, ressalta Boiteux que “Devido a seu pouco fundo, nunca julgaram que pudesse ser investida e praticada, pois aquele braço por onde também se comunicava a lagoa com o mar não passava de um sangradouro”.
“Mas as águas das chuvas e os ventos reinantes cresceram o nível das águas”, ressalta Boiteux.

Pegos de surpresa pelo ataque à retaguarda
E foi por ali, pela Barra do Camacho que entrou Garibaldi com seu Seival, com auxílio do marinheiro lagunense João Henrique Teixeira, conhecedor da região, conforme post anterior neste Blog.
Os defensores da Laguna dos ataques dos Farroupilhas ficaram atordoados com a entrada do Seival que logo transpunha para o Rio Tubarão.
O barco Seival, em desenho de Wolfgang Ludwig Rau.
Garibaldi já em 20 de julho tiroteava contra a canhoneira imperialista “Sant'Anna”, comandada pelo piloto Manoel José da Costa que recebeu socorro do barco “Itaparica” comandado pelo piloto 1º tenente Ernesto Alves Branco Muniz Barreto.
Para o local também foi enviada para impedir a passagem de Garibaldi, a canhoneira “Imperial Catharinense” comandada pelo nosso já conhecido lagunense José de Jesus. Ia também em socorro aos dois navios imperialistas já mencionados.
“Ao chegar porém, no lugar denominado Passo da Carniça (hoje Campos Verdes), a dois quilômetros da Vila da Laguna, foi seu navio inopinada e furiosamente atacado por uma partida republicana ao mando do cabo republicano Manoel de Castro de Oliveira, ali entrincheirado.

Fogo, afundamento e fuga
A luta foi feroz e o inimigo em maior número. “Vendo porém que fatalmente seria presa do inimigo, fez sinais de socorro pedindo munição”.
No teatro da batalha, quem foi em seu socorro foi a canhoneira “Lagunense” que perseguida pelo Seival de Garibaldi, encalhou e foi feita prisioneira.
Era comandada pelo piloto Manoel Moreira da Silva, conhecido como Maneca Diabo.
Encalhada a embarcação pôs fogo no barco e partiu por terra, reunindo-se com as forças do coronel Villas Boas que, sem opor qualquer resistência, já havia partido. Mais tarde Villas Boas por ter abandonado o porto da Laguna será submetido ao Conselho de Investigação e à Conselho de Guerra no Rio de Janeiro.
Mas isso será mais tarde, no fim do ano.
Voltemos ao teatro da batalha de 22 de julho.
O marinheiro lagunense republicano João Henrique Teixeira pula do “Seival” para o convés abandonado do barco “Lagunense”, controla seu incêndio e o faz flutuar novamente. Bem por isso, por sua coragem e rapidez, Garibaldi coloca o piloto lagunense João Henrique no comando da embarcação aprisionada.

O fim da “Imperial Catharinense”
Já para a “Imperial Catharinense” era o fim. Com as munições esgotadas e um rodízio de canhão quebrado, restou a José de Jesus também colocar fogo na embarcação depois de abrir um rombo no fundo do barco.
Em seguida, com seus companheiros sobreviventes saltou à margem oposta e embrenhou-se pela mata.
Dias depois se apresentou em Desterro ao novo presidente da Província de Santa Catarina, marechal Francisco José de Sousa Soares Andréa (mais tarde Barão de Caçapava), substituto de Pardal, que o elogiou pelo seu proceder.
Wolfgang Ludwig Rau em sua obra “Anita Garibaldi – O Perfil de uma Heroína Brasileira”, diz que “José de Jesus, destemido marinheiro, o qual após lutar corajosamente na foz do Rio Tubarão, à altura da Carniça (hoje Campos Verdes), incendiou o navio, retirando-se em seguida por terra para os legais”.
Perdida de vez a “Imperial Catharinense” pelo incêndio e afundamento, foram capturadas a canhoneira “Sant’Anna” e logo a seguir a escuna “Itaparica” e o brigue escuna “Cometa”.
Assim, em fins da tarde do dia 22 de julho de 1839 a Vila da Laguna era tomada pelos invasores farroupilhas que dias depois, em 29, vão proclamar a República Catarinense tendo como sua capital e nova denominação, de Cidade Juliana.

A Batalha de 15 de novembro
Em 15 de novembro de 1839 acontece a Batalha Naval onde os republicanos serão derrotados pelos imperialistas.
Entre os comandantes das embarcações imperiais que entrarão pela Barra da Laguna no ataque naval contra os republicanos que tinham no comando Garibaldi já acompanhado de sua Anita, estará José de Jesus.
O general Andréa preparou o ataque por mar e terra. Por terra tinha uma expedição composta de 2 mil homens.
Já o ataque pelo mar era comandado pelo capitão de Mar e Guerra Frederico Mariath.
Batalha Naval de 15 de novembro de 1839.
Sua frota era comandada por treze navios, entre eles o patacho “S. José Vigilante”, comandado pelo piloto lagunense José de Jesus, que quatro meses depois retornava ao teatro de guerra em sua cidade natal. O mestre de sua embarcação era Luiz Gomes da Cunha. O navio tinha 9 pés de calado, um canhão de 18 polegadas de calibre e 4 caronadas (canhão de ferro fundido) de calibre 12.
José de Jesus teve o mestre e dois marinheiros da embarcação feridos, além de um marinheiro morto pelas balas dos farroupilhas.
Finda a Batalha, com a vitória dos imperialistas, Laguna retornou aos seus dias normais. 

Homenagens e reconhecimento
Em 29 de novembro do mesmo ano, o marechal Francisco José de Souza Soares Andréa enviou ao Imperador D. Pedro II um relatório do acontecido, além de vários nomes para serem homenageados, tudo de comum acordo com o comandante Frederico Mariath que comandou in loco o vitorioso ataque.
Capitão de Mar e Guerra Frederico Mariath que comandou o ataque imperialista pelo mar na Batalha de 15 de Novembro de 1839, na Barra da Laguna.
Dentre os nomes homenageados constou o de José de Jesus “Por haver se distinguido na gloriosa luta contra os rebeldes da Laguna. Pelos distintos serviços quando inimigo tomou a Laguna e logo quando foi retomada”.
Bem por isso recebeu do governo imperial a patente de segundo tenente da Armada (Marinha).
José de Jesus faleceu com 34 anos, em 2 de dezembro de 1841, dois anos após os fatídicos acontecimentos da República Catarinense.
Seu filho Ignácio de Jesus deu continuidade aos negócios da família.

2 comentários:

  1. Valmir, mais um 'herói' lagunense anônimo. Parabéns.

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  2. Mais uma história que eu não conhecia. Quantos personagens...

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