Ele era
lagunense. Proprietário de embarcações mercantes, entre elas a “Imperial
Catharinense”, que transportavam mercadorias e produtos entre os portos da
Laguna, Desterro e Rio de Janeiro.
Seu nome é José de Jesus.
Eis mais um
personagem do século XIX que teve sua trajetória invisibilizada ao longo da
história, mesmo tendo sido citado por Giuseppe Garibaldi em suas memórias
ditadas a Alexandre Dumas.
Nosso
historiador Saul Ulysséa em curto parágrafo no seu livro “Coisas Velhas”, diz que
nada conseguiu saber de José de Jesus e de sua família.
“Simples
marinheiro e foi mais tarde mestre de embarcações que viajavam até o Rio de
Janeiro. Deixou depois a Marinha Imperial e estabeleceu casa comercial chegando
a negociante importante. Era conhecido como homem corajoso e enérgico”.
Sabe-se que
deixou um filho, Ignácio de Jesus.
Ficou ao lado dos imperialistas
Quando da
iminente invasão da Laguna pelos republicanos farroupilhas em julho de 1839, o
negociante José de Jesus estava ao lado dos imperialistas e a postos para
defender Laguna.
Sua embarcação
foi recrutada pelo presidente da Província de Santa Catarina, Brigadeiro João
Carlos Pardal. Em correspondência recuperada e publicada pelo historiador Boiteux,
João Pardal “Participava que tendo de atender diferentes pontos das lagoas da
Laguna, todas ameaçadas pelos anarquistas, havia fretado no dia 25 de junho de
1839 a escuna “Providência”.
A citada embarcação
de 39 toneladas de arqueação, de propriedade do marinheiro e comerciante José
de Jesus, foi fretada por 100$000 (cem mil réis) mensais, “mandando armá-la com
dois rodízios e que lhe pusera o nome de “Imperial Catharinense”.
Condições do contrato
Boiteux
reproduz as curtas quatro cláusulas do fretamento da embarcação e acho
interessante conhecermos as condições contratuais:
1º) Que o proprietário entregaria ao Governo da
Província a sobredita escuna com todos os seus pertences constantes de um
inventário e poderia ser empregada como o Governo conviesse e durante o tempo
em que dela precisasse pagando-se, a ele proprietário, a quantia líquida de
100$000 (cem mil réis) como ficou dito, sendo o custeio da embarcação e toda
despesa com seu apresto por conta do Estado.
2º) Que ele proprietário receberia a escuna no fim
do fretamento no mesmo estado em que a entregasse e pelo mesmo inventário
porque o governo a recebesse.
3º) Que a perda total da embarcação ou qualquer
avaria proveniente de temporal ou de outro qualquer motivo seria por conta dele
proprietário, mas o Estado ficaria obrigado ao pagamento dela, e das avarias,
no caso de ser a embarcação tomada por força inimiga ou viesse a perder-se em
combate, ou se arruinasse debaixo de fogo.
4º) Finalmente, que ele proprietário, seu filho
Ignácio de Jesus e seus empregados Agostinho e Francisco seriam conservados na
dita embarcação enquanto lhes conviessem.
Jesus como piloto
Pois no dia 9
de julho de 1839 veio de Desterro para Laguna a nova embarcação batizada
canhoneira “Imperial Catharinense”, sob o comando de seu proprietário José de Jesus,
com a nomeação de Piloto, por ter se oferecido e também por falta de oficiais.
A embarcação
tinha como despenseiro, Ernesto dos Santos; mestre, Manoel Antônio da Costa;
Guardião, Antônio Assis; primeiros marinheiros, cinco; segundos marinheiros, sete;
grumetes, sete.
Como a gente
percebe José de Jesus não trouxe seu filho Ignácio de Jesus para o palco da
luta. O deixou protegido lá em Desterro. Precavido, deixou o herdeiro para
cuidar de seus negócios em caso de sua morte pelos farrapos.
À espera do ataque pelo mar
Diz Boiteux
que os defensores imperialistas da Laguna seguros estavam que qualquer golpe
viria pelo mar, pela entrada da Barra da Laguna. Bem por isso deixaram vigias
nos morros próximos para qualquer aviso. Quem organizou a defesa marítima do
porto lagunense foi o capitão-tenente Ricardo Hayden.
No dizer de
Lindolfo Collor em seu livro “Garibaldi e a Guerra dos Farrapos” “Tudo ali
estava em desordem. Nem havia mesmo oficiais para comandar os navios, de todo
desaparelhados para a ação”.
Quer dizer,
tudo foi feito às pressas para defesa da Laguna.
Quanto à Barra
do Camacho, ressalta Boiteux que “Devido a seu pouco fundo, nunca julgaram que
pudesse ser investida e praticada, pois aquele braço por onde também se
comunicava a lagoa com o mar não passava de um sangradouro”.
“Mas as águas
das chuvas e os ventos reinantes cresceram o nível das águas”, ressalta Boiteux.
Pegos de surpresa pelo ataque à retaguarda
E foi por ali,
pela Barra do Camacho que entrou Garibaldi com seu Seival, com auxílio do
marinheiro lagunense João Henrique Teixeira, conhecedor da região, conforme
post anterior neste Blog. Os defensores
da Laguna dos ataques dos Farroupilhas ficaram atordoados com a entrada do
Seival que logo transpunha para o Rio Tubarão.
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O barco Seival, em desenho de Wolfgang Ludwig Rau. |
Garibaldi já
em 20 de julho tiroteava contra a canhoneira imperialista “Sant'Anna”,
comandada pelo piloto Manoel José da Costa que recebeu socorro do barco
“Itaparica” comandado pelo piloto 1º tenente Ernesto Alves Branco Muniz Barreto.
Para o local
também foi enviada para impedir a passagem de Garibaldi, a canhoneira “Imperial
Catharinense” comandada pelo nosso já conhecido lagunense José de Jesus. Ia
também em socorro aos dois navios imperialistas já mencionados.
“Ao chegar
porém, no lugar denominado Passo da Carniça (hoje Campos Verdes), a dois
quilômetros da Vila da Laguna, foi seu navio inopinada e furiosamente atacado
por uma partida republicana ao mando do cabo republicano Manoel de Castro de
Oliveira, ali entrincheirado.
Fogo, afundamento e fuga
A luta foi
feroz e o inimigo em maior número. “Vendo porém que fatalmente seria presa do
inimigo, fez sinais de socorro pedindo munição”.
No teatro da
batalha, quem foi em seu socorro foi a canhoneira “Lagunense” que perseguida
pelo Seival de Garibaldi, encalhou e foi feita prisioneira.
Era comandada
pelo piloto Manoel Moreira da Silva, conhecido como Maneca Diabo.
Encalhada a
embarcação pôs fogo no barco e partiu por terra, reunindo-se com as forças do
coronel Villas Boas que, sem opor qualquer resistência, já havia partido. Mais
tarde Villas Boas por ter abandonado o porto da Laguna será submetido ao
Conselho de Investigação e à Conselho de Guerra no Rio de Janeiro.
Mas isso será
mais tarde, no fim do ano.
Voltemos ao
teatro da batalha de 22 de julho.
O marinheiro
lagunense republicano João Henrique Teixeira pula do “Seival” para o convés
abandonado do barco “Lagunense”, controla seu incêndio e o faz flutuar
novamente. Bem por isso, por sua coragem e rapidez, Garibaldi coloca o piloto
lagunense João Henrique no comando da embarcação aprisionada.
O fim da “Imperial Catharinense”
Já para a
“Imperial Catharinense” era o fim. Com as munições esgotadas e um rodízio de
canhão quebrado, restou a José de Jesus também colocar fogo na embarcação depois de abrir um rombo no fundo do barco.
Em seguida,
com seus companheiros sobreviventes saltou à margem oposta e embrenhou-se pela
mata.
Dias depois se
apresentou em Desterro ao novo presidente da Província de Santa Catarina, marechal Francisco José de Sousa Soares Andréa (mais tarde Barão de Caçapava), substituto de Pardal, que o
elogiou pelo seu proceder.
Wolfgang
Ludwig Rau em sua obra “Anita Garibaldi – O Perfil de uma Heroína Brasileira”,
diz que “José de Jesus, destemido marinheiro, o qual após lutar corajosamente
na foz do Rio Tubarão, à altura da Carniça (hoje Campos Verdes), incendiou o
navio, retirando-se em seguida por terra para os legais”.
Perdida de vez
a “Imperial Catharinense” pelo incêndio e afundamento, foram capturadas a
canhoneira “Sant’Anna” e logo a seguir a escuna “Itaparica” e o brigue escuna
“Cometa”.
Assim, em fins
da tarde do dia 22 de julho de 1839 a Vila da Laguna era tomada pelos invasores
farroupilhas que dias depois, em 29, vão proclamar a República Catarinense
tendo como sua capital e nova denominação, de Cidade Juliana.
A Batalha de 15 de novembro
Em 15 de
novembro de 1839 acontece a Batalha Naval onde os republicanos serão derrotados
pelos imperialistas.
Entre os
comandantes das embarcações imperiais que entrarão pela Barra da Laguna no
ataque naval contra os republicanos que tinham no comando Garibaldi já acompanhado
de sua Anita, estará José de Jesus.
O general
Andréa preparou o ataque por mar e terra. Por terra tinha uma expedição
composta de 2 mil homens.
Já o ataque
pelo mar era comandado pelo capitão de Mar e Guerra Frederico Mariath.
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Batalha Naval de 15 de novembro de 1839. |
Sua frota era
comandada por treze navios, entre eles o patacho “S. José Vigilante”, comandado
pelo piloto lagunense José de Jesus, que quatro meses depois retornava ao teatro
de guerra em sua cidade natal. O mestre de sua embarcação era Luiz Gomes da
Cunha. O navio tinha 9 pés de calado, um canhão de 18 polegadas de calibre e 4
caronadas (canhão de ferro fundido) de calibre 12.
José de Jesus
teve o mestre e dois marinheiros da embarcação feridos, além de um marinheiro
morto pelas balas dos farroupilhas.
Finda a
Batalha, com a vitória dos imperialistas, Laguna retornou aos seus dias
normais.
Homenagens e reconhecimento
Em 29 de
novembro do mesmo ano, o marechal Francisco José de Souza Soares Andréa enviou ao Imperador D. Pedro
II um relatório do acontecido, além de vários nomes para serem homenageados,
tudo de comum acordo com o comandante Frederico Mariath que comandou in loco o vitorioso ataque.
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Capitão de Mar e Guerra Frederico Mariath que comandou o ataque imperialista pelo mar na Batalha de 15 de Novembro de 1839, na Barra da Laguna. |
Dentre os
nomes homenageados constou o de José de Jesus “Por haver se distinguido na
gloriosa luta contra os rebeldes da Laguna. Pelos distintos serviços quando
inimigo tomou a Laguna e logo quando foi retomada”.
Bem por isso
recebeu do governo imperial a patente de segundo tenente da Armada (Marinha).
José de Jesus
faleceu com 34 anos, em 2 de dezembro de 1841, dois anos após os fatídicos acontecimentos
da República Catarinense.
Seu filho
Ignácio de Jesus deu continuidade aos negócios da família.
Valmir, mais um 'herói' lagunense anônimo. Parabéns.
ResponderExcluirMais uma história que eu não conhecia. Quantos personagens...
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