sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

Fofocas e traições atingiram até Francisco de Brito Peixoto, filho do fundador da Laguna


A história da Laguna é repleta de maledicências, intrigas e traições.
Vários foram os acontecimentos ao longo desses mais de três séculos que ficaram registrados nesse chão sulino.
Se a terra lagunense foi palco e cenário de muitos feitos heroicos que mereceram o registro nos anais da história pátria, foi, igualmente, lugar de sórdidas tramas, de mesquinhas atitudes e de acontecimentos nefastos tramados nos bastidores.
Das maledicências, das intrigas, das fofocas, não escapou nem mesmo Francisco de Brito Peixoto, fundador da Laguna juntamente com seu pai Domingos de Brito Peixoto. 
Francisco de Brito Peixoto chegou a ser encarcerado em 1720 pelo juiz da Vila da Laguna, Manoel Gonçalves Ribeiro, por ordem do governador do Rio de Janeiro e para lá Francisco foi enviado, preso, conforme nos conta o historiador Oswaldo Rodrigues Cabral em sua obra intitulada: “Laguna e Outros Ensaios”, às páginas 47 a 59, editada em 1939.
Encarcerado devido às intrigas de Manoel Manso de Avelar ("que apesar do sobrenome não era manso coisa nenhuma"), residente na Ilha de Nossa Senhora do Desterro. Um mandão, um maioral lá da Freguesia de Santo Antônio de Lisboa.

Diz Cabral que Francisco de Brito Peixoto soube se inocentar, acusando Avelar e outros, de formarem uma quadrilha que explorava contrabando. (Não me admira que quisessem destruir o correto e honesto Francisco de Brito Peixoto).
Alguns meses depois, em 1721, Francisco de Brito Peixoto foi solto e nomeado neste mesmo ano, em 1º de fevereiro, Capitão-mor da Vila da Laguna.
Voltou para cá já portando uma ordem do governador de São Paulo, D. Rodrigo César de Menezes para prender Manoel Manso de Avelar e associados, entre eles um francês de nome Pedro Jordão (Jourdain?). A ordem também era para confiscar todos os bens dos envolvidos, inclusive de quem o prendeu.

Diz ainda Oswaldo Cabral que, avisados, os comparsas fugiram e se esconderam por três meses e meio nas matas, mas finalmente foram capturados e remetidos “para um calabouço da Fortaleza de Santo Amaro da Barra Grande, em Santos.
O confisco dos bens foi decepcionante “pela pouca valia dos bens arrecadados”.
Sabedores do que ia acontecer teriam transferido suas propriedades e bens para nomes de terceiros? Usado "laranjas" em contratos de gavetas? Vai saber...

Acusações pra cá, defesa pra lá envolvendo dois poderosos, imagine o rebuliço na população da Vila da Laguna e da Póvoa da Ilha de Santa Catarina que vai virar Vila de Nossa Senhora do Desterro somente em 23 de março de 1726.
Os acusados conseguiram se safar, ganhando despacho favorável em 25 de junho de 1722 e voltaram à Ilha de Santa Catarina.
E daí, ambos, Brito Peixoto e Manso de Avelar “cada qual em sua póvoa, temendo-se vigiado pelo outro, recomeçaram os trabalhos, sob a arguta fiscalização de Dom Rodrigo Cesar de Menezes, governador e capitão general da Capitania de São Paulo”, a quem a Capitania de Santa Catarina estava jurisdicionada.

Mas escreve Oswaldo Cabral que os acontecimentos de tal maneira prejudicaram Brito Peixoto que mais no futuro de nada lhe adiantaram os pedidos ao El Rei, através do governador de São Paulo, de “um quinhão de terras para a lavoura”. Não mais no litoral sul lagunense, “mas junto às coxilhas do Rio Grande de São Pedro onde se preava o gado”.
Em agosto de 1733 Francisco de Brito Peixoto escreveu ao El Rei (D. João V, O Magnânimo, contando a narrativa dos serviços que seu pai (Domingos) e ele haviam realizado, pedindo-lhe “huns campos e terras que começão de hum Rio, a que chamão Taramandi (Tramandaí), da parte do Norte, correndo athé o Rio Grande”.
E finalizava Brito em sua carta:

“Para Vossa Majestade dispor o que for mais de seu serviço, lhe faço esta representação e suplico por os olhos de sua grandeza nos meus requerimentos e serviços que andam no tribunal, para que ao menos na minha velhice veja premiados os grandes trabalhos e despesas que eu e meu pai, que Deus haja, temos padecido em fazer e aumentar esta povoação para aumento deste estado e fazenda de Vossa Majestade”.

 E El Rei mandou o requerimento de Brito ao Conde de Sarzedas do governo de São Paulo, para que lhe desse informação sobre a conveniência da concessão.

O Conde passou os pedidos de informações à Câmara da Laguna que lhe respondeu.
Penso ser interessante a reprodução neste Blog da carta que enviaram os vereadores da nossa cidade com as informações devidas sobre Francisco de Brito Peixoto, e que Oswaldo Cabral trouxe na íntegra em seu valioso trabalho de pesquisa:

“Exmo. Sr.

Sobre o informe que V. Ex. nos pede ter sido ou não o capitão-mor desta Vila, Francisco de Brito Peixoto que abriu o caminho desta Vila para o Rio Grande de São Pedro e do Rio Grande para a nova Colônia, certificamos a V. Ex. ser verdade e sem dúvida alguma que além dele dito Capitão-mor e seu pai Domingos de Brito Peixoto terem sido os povoadores desta Vila da Laguna a custa de suas fazendas sem adjutório da Fazenda Real e despesa alguma ser verdade ter sido o dito Capitão-mor o que descobriu e facilitou o caminho e campos desta Vila para o Rio Grande de São Pedro e do Rio Grande para a nova Colônia como acima o dizemos por ordem que teve do Exmo. Sr. Francisco de Távora, governador e Capitão General que foi desta Comarca por assim lhe ordenar Sua Majestade a quem Deus guarde o que tudo fez o dito Capitão-mor a sua custa sem querer aceitar ajuda de custo com que lhe mandava assistir o dito senhor por ordem de Sua Majestade que Deus Guarde e hoje se acha facilitados os ditos caminhos que em quaisquer tempos se vai e vem por ele trazem gados e cavalgaduras há mais de sete ou oito anos de que se tem feito dos gados muita carniça de que tem ido muitas embarcações carregadas para a Vila de Santos e Rio de Janeiro e há coisa de dois anos e meio pouco mais ou menos que tem ido bastante cavalgaduras para a Vila de Curitiba a donde pagam os direitos a Sua Majestade.

Também nos pede V. Ex. informemos a distância que irá de Tramandaí até o Rio Grande sendo pela costa do mar grosso fazem ter pouco mais ou menos trinta léguas, porém não é esta a distância que pede o Capitão-mor desta Vila, só sim nos consta ter pedido a S. Majestade uns campos da praia para dentro sendo estes distintos dos mais campos que se segue para o Rio Grande como também lhe falta a comunicação para os campos de dentro para o Viamão por se dividirem por dois rios, um chamado Capivara Vermelha e outro Montiorí e este dois rios deságuam no Rio Grande e entre estes dois rios ficam os campos que pede o Capitão-mor que de comprido serão dez léguas pouco mais ou menos e de largo em parte terá meia légua e assim se vai seguindo em partes mais em partes menos esta é a verdadeira informação que podemos dar a V. Ex.

Passa o referido na verdade em fé do que passamos a presente certidão debaixo de juramento de nossos cargos passada em Câmara nesta Vila da Laguna, a 10 de novembro de 1734,

e eu João da Silva Pinto escrivão eleito por falta do da Câmara nesta Vila o escrevi. Manuel J, da Costa, Manuel Corrêa, Francisco de Moura Pires e Joseph Pinto Bandeira


O pedido de Francisco de Brito Peixoto foi negado. Logo a ele que depois de tantos sacrifícios e dedicação à sua pátria, onde empregou todos os seus recursos pessoais na povoação e exploração das terras ao sul. Logo a Brito, heroico bandeirante paulista, “patriarca da família rio-grandense”, com seus gestos patrióticos e de resignação.
Logo a Brito, Capitão-mor da Vila da Laguna e dos distritos da Ilha de Santa Catarina e do Rio Grande. Negado por um Rei a quem tanto serviu, denominado paradoxalmente "O Magnânimo". 
Medalhão de Francisco de Brito Peixoto no Monumento de seu pai, Domingos de Brito Peixoto, situado no centro da Laguna.

O pedido de terras foi negado sabe por quê? Porque uma comissão já havia enviado documento assinado ao El Rei, “fazendo a caveira” do Capitão-mor da Laguna, onde afirmava que Francisco de Brito Peixoto não havia ajudado a desbravar o sul. 
Deslavada e calhorda mentira! 
Atente ao detalhe: um grupelho mandou um documento direto ao El Rei, fazendo fofoca.
Veja só!
Ir à Capital do Brasil, Rio de Janeiro a partir de 1763, e a El Rei em Portugal ou remeter um documento desmerecendo um conterrâneo,  tentando destruí-lo,  já acontece desde aquela época!
Desde 1734!!! 

Diz Cabral que o documento contestando era assinado por Manoel de Barros Pereira, padre Manuel da Silva Albuquerque e Antônio L. Cardoso, e “evidentemente passado de encomenda por interessados em terras naquela zona e prevaleceu sobre o atestado pela Câmara da Laguna, valendo-se o governador sobre quantos documentos comprobatórios havia já fartas vezes apresentado o desbravador”.
E veja o que é a vida. Um deles que contestou, Antônio L. Cardoso inclusive havia sido agraciado um ano antes pelo próprio Capitão-mor Francisco de Brito Peixoto com terras nos campos de Itapoan. Baita traição.

Muita gente também ia à Desterro (e depois a já capital Florianópolis) a cavalo, ou pelo mar, a bordo de palhabotes para fazer intrigas. Nada muito diferente do que acontece em dias do presente e bem mais rápido do que naqueles tempos.
Por conta dessas fofocas, Francisco de Brito Peixoto, o filho do fundador Domingos, morreu amargurado, na miséria, em 31 de outubro de 1735, esperando suas terras no Rio Grande de São Pedro, tendo ao lado somente sua amada sobrinha, Ana de Brito, mulher que o confortou em seu leito de morte, conta Cabral. Há historiadores que defendem que Ana seria sua filha.
Pouco antes de fechar os olhos para todo o sempre, pediu que fosse enterrado aos pés da imagem de Santo Antônio dos Anjos. 

E finaliza Cabral na página 112 de sua obra citada: “Da terra bastava-lhe agora àquela que recebera o seu velho e cansado corpo. Assim recompensou El Rei ao seu vassalo”. 

Pouco depois, nem bem os olhos de Brito Peixoto haviam fechado para a vida e sesmarias (estâncias) às dezenas começaram a ser concedidas por El Rei no caminho e no Rio Grande de São Pedro, principalmente nos Campos de Viamão.

Mas Brito Peixoto não estava mais entre nós para presenciar essas cenas e mais esse desgosto. 

Como se vê, há sempre na Laguna uma comissão no meio do caminho. E sempre foi esse tipo de comissão que prejudicou esta cidade ao longo de toda a nossa história. Comissões formadas, na maioria das vezes, por pessoas que dizem amar Laguna, mas que cruelmente emperram o progresso desta terra e da sua gente, visando quase sempre seus próprios interesses.
Comissões que chegaram a esbarrar-se em antessalas de governadores e autoridades outras, cada uma puxando a sardinha para seu braseiro, impondo dificuldades, dividindo e enfraquecendo.
Uma comissão entrava no gabinete solicitando algo para a cidade. Em seguida outra comissão visitava a mesma autoridade e também solicitava, só que ao contrário, para que o pedido anterior não fosse atendido.  Laguna só perdia.

A união, por esses lados, nos dicionários de muitos, não existe. É ausente. Brigas, picuinhas, ciúmes políticos (e ciúme político de homem é mil vezes pior do que ciúme de amor de mulher), questiúnculas, disse-me-disse e fofoquinhas vão se sobrepondo a tudo e todos.
União! Eis a palavra chave. Enquanto este sentimento não vicejar por aqui continuaremos de pires na mão, “pedinchões”, aceitando migalhas e lamentando reivindicações nunca atendidas.

4 comentários:

  1. Infelizmente, após tantos anos, não percebe-se que o individualismo provoca o atraso, e nesse caso, a cidade fica para trás.
    Obrigada pela oportunidade de ler essa informação,pois desconhecia.
    Laguna é uma cidade maravilhosa e deveria ser cuidada com maior atenção,pois é parte importante de nossa história.
    Nidia.

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    1. Agradeço a leitura, Nídia. Laguna realmente deixou páginas na história do Brasil.

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  2. Geraldo de Jesus27/02/2021, 22:27

    Mais um capítulo da história de Laguna que eu sinceramente desconhecia, Valmir. Ótimo saber dos primeiros anos da nossa cidade.

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  3. Geraldo de Jesus28/02/2021, 11:16

    Valmir, parece que a coisa vem de longe então. Fazer a caveira em nossa cidade vem desde a sua fundação. Cruzes!

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