quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Um sapato velho

Às vezes um olhar para cima consegue captar situações e imagens inusitadas.
O que dizer desta foto? Acho que o salto do sapato quebrou e a dona (ou dono) o arremessou para o alto, enfurecido, sei lá.
Só sei que lá ficou dependurado num fio da rede elétrica da Laguna, preso pelos cadarços.

Mas quem é poeta vê nessa foto algo mais. Sensível como só os poetas sabem ser, capta o intrínseco, o que está por trás, a sutileza, e inspirado, escreve.
E aí me lembrei de uma crônica lida há muitos anos, ainda na minha adolescência, num livro chamado “Linha D’Água”.
Fui buscá-lo na prateleira. É uma obra de 148 páginas do escritor L. Ruas, da editora Artenova, em parceria com a Fundação Cultural do Amazonas. 

Minha memória não falhou. Lá está, na página 16, a crônica intitulada “Sapato Velho”, onde o autor tece comentários sobre um velho par de sapatos, comparando-os com duas naus.
Em certo trecho diz assim:

“Os navios nos levam para grandes viagens, os sapatos para as pequenas. Pequenas ou grandes, viagens são sempre viagens. E a quantas viagens nos caminhos do meu mundo eles não me levaram!
Vi homens e coisas, paisagens e costumes tão diversos. Vi o pranto e o riso, funerais e casamentos. Com eles entrei em salões miseráveis. Visitei mundos novos. Berços, escolas, orfanatos. E assisti a derrocada de velhos mundos. Revi lugares da minha infância e paragens completamente desconhecidas. Andei por ruas e estradas. Fui a teatros, cinemas e hospitais”(...)

Que beleza de texto, poeta L. Ruas.

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