Às vezes um olhar para cima
consegue captar situações e imagens inusitadas.
O que dizer desta foto? Acho que o
salto do sapato quebrou e a dona (ou dono) o arremessou para o alto,
enfurecido, sei lá.
Só sei que lá ficou dependurado
num fio da rede elétrica da Laguna, preso pelos cadarços.
Mas quem é poeta vê nessa foto
algo mais. Sensível como só os poetas sabem ser, capta o intrínseco, o que está
por trás, a sutileza, e inspirado, escreve.
E aí me lembrei de uma crônica
lida há muitos anos, ainda na minha adolescência, num livro chamado “Linha
D’Água”.
Fui buscá-lo na prateleira. É uma
obra de 148 páginas do escritor L. Ruas, da editora Artenova, em parceria com a
Fundação Cultural do Amazonas.
Minha memória não falhou. Lá está,
na página 16, a
crônica intitulada “Sapato Velho”, onde o autor tece comentários sobre um velho
par de sapatos, comparando-os com duas naus.
Em certo trecho diz assim:
“Os navios nos levam para grandes
viagens, os sapatos para as pequenas. Pequenas ou grandes, viagens são sempre
viagens. E a quantas viagens nos caminhos do meu mundo eles não me levaram!
Vi homens e coisas, paisagens e
costumes tão diversos. Vi o pranto e o riso, funerais e casamentos. Com eles
entrei em salões miseráveis. Visitei mundos novos. Berços, escolas, orfanatos.
E assisti a derrocada de velhos mundos. Revi lugares da minha infância e
paragens completamente desconhecidas. Andei por ruas e estradas. Fui a teatros,
cinemas e hospitais”(...)
Que beleza de texto, poeta L.
Ruas.
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