Domingos de Brito Peixoto, o fundador da Póvoa de Santo Antônio dos Anjos da Laguna, em 1676. |
Santo Antônio dos Anjos da Laguna foi fundada em 1676.
Quem disse isso?
Ora bolas! O próprio filho do fundador, o capitão-mor da Laguna Francisco de
Brito Peixoto. E disse não uma, mas duas vezes.
Quem discorda?
Durante muitos anos a data de fundação
da Laguna foi um tema bem discutido.
No início década de 70, nossos maiores
historiadores chegaram a um consenso e por fim, o tricentenário foi comemorado
em 1976.
O
historiador, médico, escritor, deputado, lagunense Oswaldo Rodrigues Cabral,
autor de inúmeras obras de relevo da história catarinense, penso que condensou os vários estudos e
versões sobre a Fundação da Laguna, e num extenso capítulo publicado no livro “Santo Antônio dos Anjos da Laguna – Seus
valores históricos e humanos”, edição comemorativa da passagem do
tricentenário de fundação da Laguna, publicado em 1976 pelo governo do estado,
Imprensa Oficial – IOESC, no governo de Antônio Carlos Konder Reis, dissecou as
várias correntes.
Mas
vamos por partes, que o assunto e longo e apaixonante. Para quem gosta,
evidentemente.
Há um documento, citado por Carvalho
Franco, onde aparece o ano de fundação da Laguna. Ele está transcrito quase que
integralmente no livro Bandeiras e Bandeirantes de São Paulo – Cia.
Editora Nacional – Col. Brasileira – Vol. 181 – S. Paulo, 1940 – págs. 282/3/4.
Trata-se de uma petição ao Rei, assinada
por Francisco de Brito Peixoto, o capitão-mor da Laguna, o filho do fundador e
presente quando da fundação da póvoa, e anexa à provisão-régia de 6 de
fevereiro de 1714.
Em minha humilde opinião, dos mais
importantes documentos sobre a fundação da Laguna, de valor incalculável
historicamente, porque é um depoimento, fonte primária insofismável - lembra do post anterior? - mesmo sendo feito 38 anos depois dos acontecimentos,
que narra pormenores, como tempo desprendido da viagem pelos Brito Peixoto desde
Santos, o ano, a quantidade de gente que trouxe, a morte do irmão Sebastião de
Brito Guerra e a do pai Domingos de Brito Peixoto na Vila da Laguna.
O documento prova que a data, o ano de
fundação da Póvoa de Santo Antônio dos Anjos da Laguna não foi
escolhido aleatoriamente por alguns historiadores e legisladores três séculos
depois visando comemorações de aniversário.
Cabral transcreve a petição e também o
fazemos aqui:
“Diz o Capitão Francisco de Brito
Peixoto, morador na povoação de Santo Antônio dos Anjos, que fez e descobriu
para as bandas do sul, em distância de cento e vinte léguas da Vila de Santos,
que ele teve tão grandes desejos de merecer no serviço de Vossa Majestade e de
lhe dilatar o Império, que, sendo das principais e mais abastadas famílias de
todas aquelas vilas do sul, deixou sua casa e a própria mãe e se foi com outro
seu irmão mais moço, chamado Sebastião de Brito Guerra, que era tenente da
Ordenança, em companhia de seu pai, o Capitão Domingos de Brito Peixoto, a
descobrir novas terras que não fossem de pessoa alguma habitadas, e com efeito,
NO ANO DE 1676 saíram da Vila de Santos, donde eram moradores, levando
consigo cinquenta escravos seus, com os quais bem feitorizavam as suas
fazendas, que deixaram incultas e todo o mantimento necessário para a dita
gente, e para dez homens brancos, que com ela iam, como também outras armas e
provimento bastante de pólvora e chumbo, e ferramentas condizentes para o
rompimento dos matos e feitorias de embarcações, em que fizeram uma despesa tão
grande como se considera, e com este apresto saiu da dita Vila, em que meteu
mantimento e mais ferramentas necessárias, dando-lhes ordem fossem dar fundos
defronte da paragem chamada Lagoa dos Patos, e que aí estivessem, até que o
suplicante, seu pai e irmão chegassem, para lhe apontarem a paragem em que iam
desembarcar, que o dito seu pai já tinha sabido, por ter de antes ido examinar
o dito sítio, e depois que gastaram quatros meses no caminho com romper os
matos e buscar as passagens, foi o mesmo suplicante com os mais dar no sítio da
Lagoa dos Patos, com imenso trabalho de tão áspero e dilatado caminho... e
nesta viagem lhe morreram mais de vinte e cinco escravos... e assim chegou
ao dito sítio da Laguna, fez pôr em terra os mantimentos e ferramentas que
pelo mar tinha mandado na fragata, fundando povoação... dando o pai do
suplicante notícia ao Sereníssimo Senhor Rei Dom Pedro, que a glória haja, pai
de Vossa Majestade, que Deus guarde, foi servido mandar-lhe agradecer por carta
este novo descobrimento e povoação, o que fez com promessa de lho remunerar, a
qual carta se perdeu em uma das ditas embarcações, porém a viram muitas pessoas
que dela testemunharão, e assim o dito seu pai, como o suplicante, enquanto foi
vivo, gastaram muita fazenda neste descobrimento, e nele lhe morreu o outro
filho solteiro, o tenente Sebastião de Brito Guerra, com muita quantidade de
escravos, que lhe mataram e se perderam, e o dito capitão Domingos de Brito
Peixoto, pai do suplicante se faleceu na mesma povoação, depois do dito seu
filho, e por sua morte nenhum outro varão lhe ficou mais que o suplicante,
Francisco de Brito Peixoto”.
Um único documento desses dirimiria
qualquer dúvida quanto ao ano de fundação da Laguna, não é mesmo, leitor? Mas
há ainda mais.
Moacir Domingues, em sua obra “A Colônia
do Sacramento e o Sul do Brasil” – Porto Alegre – Sulina 1973 – pág. 239 – Doc.
27, transcreve outro documento.
É uma nova carta ao Rei de Portugal,
essa datada de 20 de abril de 1730, portanto 16 anos mais tarde o que já havia
declarado na petição de 1714, o mesmo Francisco de Brito Peixoto, já com certa
idade (85 anos, vai falecer em 1735), diz o seguinte:
“(...) Resolveu-se meu Pai Domingos de
Brito Peixoto, vassalo de V.R.M, sendo morador da Vila de Santos, e abundante
de bens, na mesma Vila a vir com todo o empenho, trazendo-nos em sua companhia
assim a mim como a um irmão meu Sebastião de Brito Peixoto, em uma fragata, que
para esse fim mandou fazer trazendo em nossa companhia muitos escravos, com
todos os preparos necessários para o descobrimento deste lugar chamado a Lagoa
dos Patos, cujo descobrimento fizemos em era de seiscentos e setenta e seis,
e chegando à dita Laguna fizemos assento em o mesmo lugar, que é hoje da
Vila...”
E indaga Osvaldo Cabral sobre esse
segundo documento:
“Porque insistiria Francisco de Brito
Peixoto no milésimo 1676, se não fora ele o verdadeiro, fixado de tal modo em
seu subconsciente que, mesmo valetudinário e quebrado pelos anos e desenganos,
ainda era o que lhe vinha à mente para citar?”
Cá pra nós leitor, se fossemos fazer uma
ação, requerendo na Justiça, uma espécie de Certidão de Nascimento tardia da
Laguna, eis dois documentos imprescindíveis – fontes primárias, repito –
que estariam em anexos aos autos.
Ainda Osvaldo Rodrigues Cabral, nas
páginas 82/83 do livro “Santo Antônio dos Anjos da Laguna – Seus
valores históricos e humanos, diz que aceitam o ano de 1676, preferindo-o a qualquer outro, os seguintes
autores/historiadores:
Além dele próprio Cabral, Basílio de
Magalhães, Aurélio Porto, Lucas Alexandre Boiteux e Aníbal de Matos.
******
E o mês e dia de fundação da
Laguna?
Quanto ao mês e dia de Fundação, aí sim
não existem documentos que comprovem a data. Os estudiosos se dividem nas
opiniões.
Diz Cabral na obra que venho me
reportando até aqui, que não se conhece com exatidão
“o dia em que o seu
fundador, com sua gente - familiares, agregados, escravos, indígenas e homens
de armas – pisou pela primeira vez, com propósitos de nele se fixar, o chão
sulino e, olhando em torno, escolheu o local que lhe pareceu o melhor para
deitar fundamentos a um povoado, dizendo aos circunstantes que acreditava ser
aquele o sítio mais apropriados para fazê-lo, e ao mais que trazia em mente, e
mandou que desenfardassem toda a tralha que traziam”. P. 57
Cabral salienta que Laguna “não seria a
única de tantas povoações oriundas da expansão vicentista que perderia memória do
dia exato em que se verificou o evento”.
Sabe-se que era praxe entre os
descobridores de novas terras, batizá-las com o orago a que seria dedicada.
No caso de Santo Antônio dos Anjos da
Laguna, a dificuldade está justamente no complemento “dos Anjos”, sendo o nosso
padroeiro o único santo com essa nomenclatura.
O saudoso professor Ruben Ulysséa
debatia duas possibilidades:
13 de junho, data consagrada ao santo
lisboeta – Santo Antônio de Lisboa, igualmente chamado de Pádua; e a data de 2
de outubro consagrado no hagiológio aos Anjos.
Hagiológio= Nome que se dá à descrição, estudo e tratado sobre a vida dos santos, no
cristianismo.(N.A.)
Nail Ulysséa, estudiosa da nossa
paróquia, escreveu todo um capítulo dedicado a Matriz Santo Antônio dos Anjos
da Laguna, no livro em comemoração ao Tricentenário de Fundação.
Sobre o nome da Fundação, diz Nail “Que
há um concerto uníssono em afirmar que a povoação foi fundada sob a invocação
de Santo Antônio”.
“Porque “dos anjos”, isto sim, há
diversas opiniões a respeito”, salienta.
Cita Ruben Ulysséa, para quem a povoação
foi fundada a 2 de outubro, dia do Anjo da Guarda.
Nail Ulysséa também invoca a opinião de
Frei Adalberto Ortmann, que em artigo publicado em 1958, no volume “Ensaios
Paulistas, com o título de “Famílias de Piratininga e Franciscanos Paulistas”,
afirma que frades franciscanos acompanharam Dias Velho, na fundação de Nossa Senhora do Desterro; e Domingos de Brito Peixoto, na de Laguna.
Franciscano que teria erigido “A capela
de Santo Antônio dos Anjos, numa invocação típica dos franciscanos, lembrando a
capelinha de Nossa Senhora dos Anjos, berço de sua ordem em Assis d’Itália”.
Nail Ulysséa também fala dos místicos,
que se apoiam na lenda “de que a primeira imagem de Santo Antônio fora trazida
pelos anjos e colocada na praia, onde foi encontrada”.
O historiador, pesquisador e
colecionador Antônio Carlos Marega, em seu Blog, assim escreve sobre a data de
fundação da Laguna:
“Chegando
na Laguna no dia 02 de outubro, dia “dos Anjos”(Anjos Gabriel, Rafael e
Miguel), Domingos de Brito Peixoto inteligentemente, não fugiu à tradição de
oferecer a fundação ao santo do dia, só acrescentou antes o nome do santo de
sua devoção (ouvi esta hipótese, pessoalmente do grande historiador Dr. Oswaldo
Rodrigues Cabral). Fato é que veio com ele a primeira imagem de Santo Antônio,
sendo colocada na capela de pau-a-pique, para devoção, devoção esta que chegou
ao grau de intimidade entre o lagunense e o santo, como se tem para com um pai,
um irmão ou para com um grande e melhor amigo. Santo Antônio dos Anjos é
carinhosamente, o “Toninho”.
http://baudomarega.wordpress.com/
http://baudomarega.wordpress.com/
***
Voltemos ao início da década de 70. A
data do tricentenário da Fundação da Laguna (1976) se aproximava e havia a
necessidade de se marcar o dia e mês para as comemorações da Fundação. Mas que dia? Que
mês do ano?
As opiniões se dividiam. Dia 13 de
Junho? Dia 2 de outubro? Terceiro domingo de julho?
Legisladores lagunenses, junto aos
historiadores e demais autoridades, optaram por 29 de julho. Lei Municipal nº 15/1975, de 02/05/75.
Por quê?
Por quê?
Dia e mês criados aleatoriamente, sem
dúvida, mas onde também se pretendeu homenagear a República Catarinense (ou
Juliana), com a criação de uma Semana em que se pudesse reverenciar a data, com
exposições, concertos musicais, palestras, gincanas, etc...
Era o embrião da futura “Semana Cultural
da Laguna”, que visava unir a população no conhecimento de sua história e se
tornar uma atração turístico-cultural num mês “fraco” nesse aspecto.
Epílogo
História não é uma ciência exata, como a
matemática, por exemplo. A qualquer momento, através de novos documentos e/ou
depoimentos que surgem pelas mãos de pesquisadores, tudo por ser reescrito.
Que os atuais vereadores da
Laguna meditem:
Mas mesmo não sendo exata, a história segue uma dedução lógica, ela não dá pulos, não
se pode botar as carroças antes dos bois.
Se a data da fundação da Laguna for
alterada para 50, 100 anos antes, como está
sendo proposto, obviamente deixa-se de se reconhecer a data de 1676 como a de
fundação, não há como ser diferente.
Risque-se, portanto, o nome do fundador
Domingos de Brito Peixoto, mude-se o brasão e a bandeira do município e retire-se a estátua de Brito Peixoto de seu pedestal.
Altere-se também o nome de Santo Antônio
dos Anjos da Laguna, batizada que foi pelo seu fundador.
E mais que isso. Troque-se de padroeiro.
É o que querem? É o desejo do povo
lagunense?
Caro Valmir
ResponderExcluirMais claro que este teu artigo impossível. Só não vê quem não quer.
João Carlos Nunes
Parabéns Valmir pela tua brilhante pesquisa.Li e reli várias vezes.
ResponderExcluirAbraços.
Jorge Edu
Caro Valmir,parabéns pela pesquisa histórica que você fez.Muito bom ler um Blog com conteúdo inteligente, de uma pessoa que estuda os vultos históricos com base verdadeira de livros verídicos.
ExcluirAbraços.
Carlos Roberto dos Santos.
Esta matéria precisa ser publicada de forma impressa e em mais canais. Os estudantes merecem aprender o conteúdo que corresponde a verdade. E pergunto aqui, o teu jornal como eu poderia adquirir? Abraço. Fatima Barreto.
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