terça-feira, 12 de agosto de 2014

Jornais lagunenses estudantis O Diálogo e O Corujão

Lá pelo ano de 1976, quando da criação do Centro Cívico Brito Peixoto, no então Conjunto Educacional Almirante Lamego - Ceal, o sempre lembrado professor Emídio Padilha me chamou a um canto do então corredor de pisos vermelho-ladrinhados da tradicional Instituição de Ensino e me intimou a ser o primeiro presidente do Centro. 
Estávamos em plena ditadura, com os estudantes brasileiros ameaçados pelo temido decreto-lei nº 477, de 26/02/1969, que os proibia justamente de manifestações políticas e de pensamento.

As eleições para o Centro Cívico, apesar disso tudo, eram diretas. O presidente do Centro tinha que ser escolhido pelos alunos e professores, em votação.
Em princípio não aceitei o convite, argumentei que não havia tempo, era aluno em dois turnos. Pela manhã do Curso Científico do Ceal; e à noite do Colégio Comercial Lagunense - CCL, em Ciências Contábeis.
Não o convenci. Argumentou que meu nome era sua indicação e pela minha eleição ia trabalhar.

Fiquei de pensar. Dias depois aceitei o desafio.
Logo em seguida a eleição.  Ganhei por grande diferença do outro candidato.
Mãos à obra. Junto com uma diretoria formada, encetamos campanhas do quilo, de agasalhos. Organizamos as solenidades em comemoração à Batalha do Riachuelo, onde diversas autoridades do município eram convidadas; o Desfile Cívico de Sete de Setembro, entre outros eventos.
Foi um aprendizado, antes de qualquer coisa.

Busquei os alunos Manoel Marques, o Sérgio Hilzenderger, o Marcos Bez Birollo e juntos lançamos o jornal estudantil O Diálogo, de grande sucesso.
O pessoal de hoje, acostumado com as tecnologias de i-pod, i-pad, MP3, facilidades do Word, do Excel, computador, xerox colorida, impressora, scanner, as multifuncionais da vida, não tem nem ideia de como era difícil fazer um jornal. Gráfica naquela época nem pensar.
Quando tento explicar à gurizada – aos poucos que ainda querem ouvir porque a maioria não está nem aí - os métodos que então utilizávamos e que hoje soam jurássicos,  a nova geração fica olhando pasma, como se fossemos de outro mundo, de uma galáxia distantes anos-luz. De outro tempo e espaço sideral.
No fim e ao cabo, acho que já somos mesmo dinossauros. Mas não faz tanto tempo assim meu Deus!, “meros” trinta e oito anos atrás, mas tudo parece tão distante, de outra encarnação.

Vejamos o método: a matriz stencil (ou carbono) era introduzida no cilindro da máquina de escrever. Tinha-se que datilografar (sim, sim, a gente datilografava, não digitava) com a pequena alavanca da máquina, um dispositivo manual em ponto neutro, isso é, sem estar na fita vermelha ou preta.
Não se podia errar, já que não dava para enxergar as letras que iam sendo grafadas. Feito isso o carbono era passado com todo cuidado para uma máquina chamada mimeógrafo a álcool. Quem fazia esse trabalho com toda a paciência que é lhe é peculiar, era o Gariba.
Os dedos ficavam sempre sujos, não tinha jeito. Ia-se rodando a manivela e introduzindo o papel com toda calma.
De vez em quando se completava com álcool o pequeno depósito (tanque) da máquina. Consumia que era uma coisa. Parecia carro Maverik de oito cilindros. Um litro era pouco.
Depois as folhas eram colocadas para secarem. Não se podia expô-las ao sol, porque aí as letras sumiam como num passe de mágica. Depois se agrupavam as quatro folhas que formavam as oito páginas do jornal, grampeava-se e pronto! Era só distribuir aos estudantes.
Uma trabalheira de se levar uma tarde inteira. Mas era tão bom em nossos sonhos de mudanças, transformações...

As resmas de papel eu consegui na Livraria do Juca, um apoio logístico em troca de um pequeno anúncio, afinal estudantes sem grana.
O saudoso Juca, bom coração, cedeu para as feituras das edições as resmas mais os carbonos necessários. E com esse material produzimos uns oito números que fizeram o maior sucesso, principalmente entre o público feminino.

Não ficou sequer um exemplar do jornal O Diálogo para provar a história, mesmo porque a tinta azul das folhas no mimeógrafo a álcool sumia com o passar dos dias e claridade. Pior do que os extratos de banco de hoje em dia.

No ano seguinte, 1977, com o jornal matutino já extinto há muito, inventei de lançar no Colégio Comercial Lagunense – CCL, um outro jornal.
Surgiu O Corujão porque as aulas eram no período noturno. Criativo e sugestivo não? Hehehe.
Só que desta vez os exemplares eram comercializados a dois cruzeiros, porque o pessoal da noite tinha poder aquisitivo, trabalhava e tal. Foi um sucesso de vendas. Seu Rui Martins era quem rodava o semanário no mimeógrafo.
Mas o jornal, infelizmente, foi somente até o número 3. A edição de nº 4, já impressa e pronta para distribuir, foi proibida de circular pela direção do Colégio, porque tecia algumas críticas, pequenos comentários que desagradaram algumas pessoas.
Morria ali, como tantos outros por esse Brasil, mais um órgão de imprensa estudantil.
Hoje posso dizer que foi meu primeiro contato com a censura à imprensa, quando aprendi precocemente que quem detém autoridade – eleito ou não – não suporta ser questionado em seus atos.
Aprendi nada, cabeça dura que sou, tanto que continuo questionando até hoje.

Pois semana passada – veja só! - abrindo o baú físico e memorial, descobri entre meus guardados, numa pasta bem fechada, entre cartolinas, as 3 edições do Jornal O Corujão. Não sei explicar como resistiram, intactas, após quase 40 anos às mudanças, às transformações da minha vida e ao tempo, se mantendo com a mesma aparência como foram produzidas. Da edição nº 4, não sobrou um só exemplar.

E para que fique registrado neste Blog, reproduzo aqui os ditos 3 exemplares, com alguns pequenos comentários. Para ampliar basta clicar sobre eles, vocês sabem:

Capa da edição de nº 1, 18 de abril de 1977. O Jornal Corujão vinha pela rua, chegando e assustando o pessoal. Quanta pretensão.

Página 2, com a conhecida mensagem de Serenidade, gravada depois  na voz de Cid Moreira.  Pequena matéria a título de Apresentação, sonhando uma grande caminhada. No penúltimo parágrafo um "pau" na mensalidade  do Colégio"que este ano é para arrancar o olho da cara".

Página 3 com o Lá & Cá. Quadrinhas, curiosidades, mensagens...

Página 4 ficou difícil de ler, porque absorveu a escrita da página anterior. Artigo sobre o ser humano e também pequenas mensagens: "Ria que o mundo rirá contigo, mas se chorares, ele rirá de ti". Ai, ai.

Capa da edição nº 2, de  25/04/1977 com manchetes. O Jornal passa para 8 páginas, mas faltam a 5 e 6. Pena.
Mensagem e quadrinhas.
Estória de um louco, um texto de Manoel Marques e que já havia sido publicado no extinto jornal O Diálogo. Pequeno texto saudando mais uma edição e outro intitulado CALAMIDADE PRIVADA dando um "pau" na falta de sanitários para os alunos. O jornal começava a incomodar.

Momento do humor, com palavras cruzadas  e desenhos.

A coluna Fofocolândia com 2 notinhas sobre professores, Elói Matos e Carlos Araújo Horn, e um texto sobre a união de turmas. E mais uma "Estória de um louco", de Manoel Marques.

O Expediente do Jornal e um texto meu sobre o vestibular.

Edição nº 3, de 02/05/1977. No desenho de Marcos Bez Birollo, o carrasco lendo o jornal indaga ao condenado à guilhotina qual seu último desejo. - Tenha piedade, deixe-me ler O Corujão também, só um pouquinho!", responde ele.

Mensagem sobre o verdadeiro amigo; e as diferenças entre o homem e a mulher. Quanto romantismo...

Uma nova coluna surge. Qual é o grilo? Novamente desenho de Marcos Birollo. E mais uma estória de um louco, de Manoel Marques, cuja autoria não é destacada.

Surge a vaquinha, com suas "Barbaridades"; um texto meu sobre "A curriola" e a promessa de uma turma (série) de Contabilidade em lançar um outro jornal no Colégio. Pau nas criaturas invejosas e hipócritas.

Palavras cruzadas, quadrinho e piadas.

Página 6 e a coluna que fez o maior sucesso "Umas qui outras"; e comparações sobre "O homem ideal tem que ter" e o "Quem dá mais?", as duas escritas por uma tal de Maria, que simplesmente não lembro qual era a aluna. O homem ideal tem que ter o nariz do Nelson Matos? Quem dá mais pelo olhar penetrante do Carlinhos Horn?  Penetrante? hummmmmm. Eu hein?

Surge a tão aguardada página de "Esportes". Resultados do campeonato citatino (sic) de futebol; a nominata da nova diretoria da Liga Atlética Lagunense - LAL. Presidente: Valdemar Manoel de Souza. Na junta disciplinar: João Carlos Silveira e Munir Soares, entre outros.

O Expediente do jornal e um texto "Pausa para meditação".


Um comentário:

  1. Maravilha de matéria! . Interessante levar ao conhecimento dos estudantes. Valmir, outro dia li aqui no blog sobre a tarefa gratuita que é o resgate dos fatos. Não se ganha nada, mas sabemos que é importante. Fatima Barreto.

    ResponderExcluir