sexta-feira, 25 de setembro de 2020

A primeira mulher a tirar carteira de motorista de automóvel na Laguna

  Ela era inteligente, dinâmica e bonita, afirmam os que a conheceram. Casada, três filhos, trinta anos. Córa Magalhães Rocha foi a primeira mulher lagunense aprovada em exame de direção e a obter carteira de motorista de automóvel em nossa cidade. O ano? 1937.
Córa Magalhães Rocha, primeira mulher a tirar carteira de motorista de automóvel na Laguna.

Alguns anos antes, em 1928, outra mulher catarinense, Otília Garofallis Fialho foi também a primeira a obter o almejado documento em Florianópolis. E em grande estilo atravessou dirigindo um veículo pela Ponte Hercílio Luz, inaugurada dois anos antes. 
Era a mulher conquistando espaço numa sociedade ainda extremamente machista e patriarcal. 
Dª Otília faleceu no último sábado (19) na capital do estado aos 109 anos. 
Duas mulheres de fibra, corajosas, desbravadoras. 
Preconceitos na época? Certamente. Mas nada impediu que Córa e Otília fossem pioneiras como motoristas de automóveis.
 
Pioneirismo feminino sobre quatro rodas
Há uns cinco anos, pesquisando documentos no Arquivo Público de nossa cidade, encontrei um antigo Livro de Registros da Prefeitura da Laguna. 
Na capa os dizeres “Para Termos de Suficiência – Exame de Condutores da Laguna 1933”. 
A publicação estava empoeirada e meio comida pelas traças em suas beiradas. 
Mas traz os registros oficiais dos primeiros motoristas (condutores) da Laguna, de carroças e automóveis. E melhor: com fotos ¾ de todos eles. Uma preciosidade para qualquer pesquisador/historiador. Fotografei por inteiro o documento. 
O Livro abrange os anos de 1933, administração do prefeito Giocondo Tasso, a 1956, já dirigindo o Paço Municipal o prefeito Walmor de Oliveira. 
Para melhor entendimento dos nossos leitores, antigamente era a prefeitura quem organizava e realizava os exames de direção, contratando os examinadores e expedindo a Carteira de Habilitação. 
Lá está registrado. A pioneira a aventurar-se oficialmente sobre quatro rodas chama-se Córa Magalhães Rocha, nascida lagunense em 1907, filha de Luíza Rollin Magalhães e Eugênio Magalhães. 
Casada em 4 de julho de 1925 com Pedro Rocha, comerciante na Laguna, (Rocha & Cia - Exportadores das acreditadas marcas de farinha Selecta e Sulina, situada na rua Gustavo Richard).
Córa foi habilitada para dirigir automóvel em 16 de setembro de 1937.

Córa fez os exames de direção e foi aprovada pelo perito examinador José Bergler. Recebeu a Carteira de Habilitação de nº 103, em 16 de setembro de 1937, portanto aos 30 anos de idade, documento assinado pelo prefeito Giocondo Tasso. O marido de Córa, Pedro Rocha, possuía a carteira de nº 8.
Até 1956, último ano dos Registros que constam no Livro, Córa Magalhães Rocha foi a única mulher autorizada a dirigir automóvel na Laguna. 
Pelas minhas pesquisas complementares, soube que era uma mulher decidida, de opinião, além de bonita, e que pelo seu pioneirismo, certamente enfrentou preconceitos. 
Córa, a filha Adail, o marido Pedro Rocha, e Lincoln Magalhães com o Fort T.

À época, mulheres viviam para o lar, não comandavam negócios nem tinham o peso social que só vão começar a adquirir em meados do século XX. 
O voto feminino no Brasil, por exemplo, só foi assegurado em 24 de fevereiro de 1932, quando as mulheres adquiriram o direito de votar e serem votadas para o Executivo e Legislativo. E mesmo assim parcialmente. Somente as casadas e com autorização dos maridos, as viúvas, e as solteiras que tivessem renda própria. 
Córa Magalhães aos 15 anos, capa da Revista Santelmo nº 15, de agosto de 1922, de Lucas Bainha.

Córa morou numa casa (onde hoje é um Bar/Café desativado) na então chamada Praça da Bandeira (atual República Juliana), teve três filhas (Adail, Maria Luíza e Abgail) e depois se mudou para o Rio de Janeiro. 
Anos depois voltou a residir em nossa cidade, na segunda casa da rua Ângelo Novi (ao lado do Clube Blondin) depois retornando ao Rio de Janeiro. 
Posteriormente, viúva, retornou à Laguna, residindo num imóvel de dois andares onde funcionou o consultório do dr. Carpes, na rua Tenente Bessa, defronte ao Sesc. 
Faleceu no Rio de Janeiro aos 102 anos. Foi também até hoje a única pessoa por quatro vezes Festeira de Santo Antônio dos Anjos.

Curiosidades sobre automóveis e motoristas 
A primeira mulher a dirigir um carro  no mundo foi a alemã Berta Benz em 5 de agosto de 1888, esposa de Karl Benz, fundador de uma montadora de carros alemã, a Mercedes-Benz.
Berta Benz em seu veículo. Foto: Wikipédia.

Era um Benz Patent-Motorwagen, primeiro modelo de automóvel da História o “veículo com motor a gás” foi patenteado em 29 de janeiro de 1886. 
O primeiro exemplar do Benz Patent-Motorwagen, de 1886, hoje está no Deutsches Museum, em Munique. Berta Benz dirigiu o terceiro exemplar produzido.
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A primeira mulher a conseguir uma carteira de motorista foi a francesa e Duquesa d’ Uzès, no ano de 1899. 
Dois meses depois ela foi aos tribunais responder por excesso de velocidade. A velocidade máxima era de 12km/h e ela dirigiu o automóvel a 15 km/h. 
Nem imagino como foi calculada essa diferença.
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As primeiras mulheres a terem habilitação para dirigir no Brasil foram Maria José Pereira Barbosa Lima, viúva do jornalista Alexandre Barbosa Lima Sobrinho; e Rosa Helena Schorling, que aprendeu a dirigir aos 12 anos, no automóvel de seu pai, um Opel 1895, com direção do lado direito e câmbio e freio do lado de fora.

terça-feira, 22 de setembro de 2020

Foto-Retrô


  Ano 1999. Diretores e colaboradores da S.R. 3 de Maio do bairro Magalhães. Alguns deles de saudosa memória. Fiz esta foto na rampa da tradicional sociedade.
Da esquerda p/direita:
Antônio Dias
José Antônio Martins Silva
Luiz de Souza Flora (Giri)
João Brum Vargas
Jaison Vieira Domiciano
Pedro Cardoso de Oliveira
Ivan Souza (Zinga)
Walmor Medeiros de Oliveira
José Adílio Pereira
Ivoí José Vieira
João Martins Feliciano
Natanael Coelho
Alcebíades Souza e
Clóvis Valgas Viana (Vinho).

sexta-feira, 18 de setembro de 2020

Ivaldo Roque. Um artista da música


Ivaldo Roque em recorte de foto da Capa do LP Pentagrama, de 1976, Gravadora Continental.

“Existem pessoas que merecem elogios. Não elogios com interesses mesquinhos. Falo com sinceridade.
Conheci Ivaldo Roque há alguns anos. Tenho acompanhado seu trabalho, compositor e músico nato que é.
Bom papo, conhece tudo de música. Não é de se admirar o sucesso alcançado em Porto Alegre, onde mantêm bons amigos.
Dizem que aos oito anos já tinha composto um samba e colocado até melodia. Ele não confirma, modesto que é.
Com seus conhecimentos, aconselha, participa e nos mostra o agudo senso musical de que é possuidor.
Está entre nós (seu maior desejo) espero que não seja passageiro.
Continue Ivaldo mostrando os ótimos dotes dessa sua arte”.
Em 17 de junho de 1983, tinha eu 23 anos quando escrevi o texto acima sobre Ivaldo Roque em minha coluna “Telescópio” publicada no jornal O Renovador, semanário de nossa cidade. 
Foi uma singela homenagem que fiz ao músico lagunense, ainda em vida.
Algumas vezes tínhamos nossas colunas compostas lado a lado no jornal:
Nasceu na Laguna
Ivaldo Roque nasceu na Laguna, no bairro Roseta (hoje Progresso), em 12 de fevereiro de 1939, filho de Nair Maria de Jesus e Hercílio Roque.
O pai exercia a profissão de barbeiro e nas horas vagas, músico violinista. Autodidata, tocou bombardino na Banda União dos Artistas. A mãe, do lar, lavava roupas pra fora para ajudar no sustento familiar.
Numa de suas crônicas, Ivaldo conta que quando criança gostava muito de brincar de rádio com seu irmão Idevaldo. Um fazia o papel do rádio e o outro de ouvinte. Se revezavam atrás de uma grande bacia de zinco. Uma batidinha na bacia e o outro tinha que falar, cantar, apresentar notícias e músicas. Duas batidinhas desligava-se o rádio. Passavam horas nisso.
Cedo, na pré-adolescência, Ivaldo começou a trabalhar, empregando-se como mensageiro (estafeta) na Companhia Telefônica Catarinense, em prédio não mais existente, situado na rua Gustavo Richard.
Em paralelo, estudava no Grupo Escolar Jerônimo Coelho e herdando o talento musical do pai, já na adolescência começou a tocar violão e cavaquinho, em sambas e choros.
Aos 12 anos, e é ele mesmo quem conta, desfilou pela primeira vez na Escola de Samba Brinca Quem Pode.

Vou pra Porto Alegre, tchau!
Antes de completar 18 anos, em 1957, e seguindo o exemplo de tantos outros jovens lagunenses, Ivaldo partiu de nossa terra natal em busca de um emprego e melhores condições de vida. Seu destino foi a capital do Rio Grande do Sul.
Em Porto Alegre trabalhou como pedreiro, tornando-se interno do Colégio Pão dos Pobres, onde cursou linotipia.
Logo em seguida começou a trabalhar na empresa Caldas Júnior, que editava o jornal Correio do Povo.
Estudou violão clássico na Escola de Música de José Gomes. Com o professor ao violino e Wladimir Latuada na flauta, formou um trio que se apresentava em bares, concertos, festas e shows na capital gaúcha.
Em 1967 integrou o “Grupo Cantapovo”, apresentando-se no 1º Festival Sulbrasileiro da Canção, realizado no Teatro Leopoldina. Torna-se um requisitado professor de violão.
Retorna a trabalhar na Caldas Júnior como linotipista, que tinha abandonado.
Participa em 1971 do show “Rio Grande do Som”, no Teatro São Pedro, ao lado de Luiz Coronel, Mutinho e Jerônimo Jardim, este último será seu parceiro em várias canções pelos anos seguintes, entre elas “Moda de Sangue”, gravada por Elis Regina.
Envolve-se na criação de sambas-enredos e como componente da Academia de Samba Praiana.
É dessa época o surgimento do “Grupo Pentagrama”.
Em 1972, com o samba “Exaltação à Praiana”, em parceria com Pedro Mattos, ganha o prêmio de melhor música do carnaval daquele ano.
No ano seguinte Ivaldo começa a lecionar no Liceu Palestrina.
Na noite porto-alegrense Ivaldo se desdobra tocando em bares e restaurantes. No tradicional e famoso restaurante Vilha d’Alho, situado na rua Bento Gonçalves, dividia o palco com Planto Cruz e a cantora Loma.
Ali conhecerá músicos e cantores já famosos no Brasil e outros que iniciavam suas carreiras musicais.

Em 1976 o Grupo Pentagrama, formado por Ivaldo Roque, Tenisom Ramos, Loma Pereira, Yioli e Jerônimo Jardim grava seu único LP, Gravadora Continental.
      
“Um disco que se tornou referência fundamental para entender os rumos da moderna música do Rio Grande do Sul”, no dizer de Gilmar Eitelwein. O Grupo pouco depois se dissolve.
É autor, em parceria com Jerônimo Jardim da música oficial da Festa de Nª Senhora dos Navegantes, padroeira de Porto Alegre.
Ivaldo assina a coluna “Ala do Roxo” no jornal Zero Hora, abordando assuntos do carnaval e colabora aos domingos à noite com o programa “Gaúcha dá Samba”, na Rádio Gaúcha.

Retorno para Laguna
Apesar de alguns autores escreverem que Ivaldo Roque retornou à Laguna somente em meados da década de 1980, em 1977 já estava entre nós. Se bem verdade que entre vindas e idas à capital gaúcha, passando longas temporadas de meses por aqui.
Se não vejamos: Em 1º de outubro de 1977, a convite do redator-chefe do jornal “Semanário de Notícias”, Richard Calil Bulos, nosso saudoso Xaxá, Ivaldo começou a escrever artigos para este jornal com o título de “Coluna do Roque”.
O proprietário do “Semanário de Notícias” era o cartorário Luiz Paulo Carneiro.
 Ivaldo registra o convite feito por Xaxá em seu primeiro artigo.
Vai atravessar os anos de 1977, 1978 e 1979 escrevendo e em 1980 se instala definitivamente na nossa terra natal, conforme consta ao final de um de seus artigos publicados.
Em 3 de maio de 1981 já fazia parte da diretoria da S. M. União dos Artistas, no cargo de Relações Públicas.

Sambas enredos
No carnaval lagunense de 1977, Ivaldo em parceria com André dos Reis e João (Dão) de Sousa Júnior compôs para a Escola de Samba Brinca Quem Pode o samba-enredo “Lendas e Mistérios do Negro no Brasil Império”.
Em 1978 para a mesma Escola o samba “Exaltação ao Mártir da Inconfidência”.
“Festa Colorida e Dança da Deusa Vodum”, em 1984, samba-enredo que tirou em primeiro lugar em concurso realizado naquele ano. 
Em 1985, Ivaldo em parceria com Mauro Candemil (sim, sim, naquele ano o atual prefeito não estava na Vila Isabel por, digamos, divergências carnavalescas...), compôs o samba-enredo “Com Baeta, vamos lá”. Mas o samba no concurso não se classificou entre os três primeiros, mas até hoje é lembrado pelos foliões lagunenses.
Abaixo as letras dos sambas-enredos, num valioso resgate histórico:

LENDAS E MISTÉRIOS DO NEGRO NO BRASIL IMPÉRIO – 1977
Autores: Ivaldo Roque, João André dos Reis e João de Sousa Júnior

A onde o milongueiro mora
A onde o milongueiro mora
A onde o galo não canta
O pinto não pia
Criança não chora

A onde o milongueiro mora
A onde o milongueiro mora
O Brinca Quem Pode apresenta
Uma grande passagem da nossa história

Vieram de além-mar
Os primeiros escravos
Pra trabalhar, pra sofrer
Pra ajudar a fazer a riqueza do Brasil

E os negros
Os negros desembarcavam em São Vicente
E se espalhavam pelo país
Pra nascer cana de açúcar, fumo e algodão

Batuque, samba, congada
Quilombos e devoção
Até que um dia Oxalá iluminou a Princesa Isabel
Que aboliu a escravidão

Não existe mais senzala
Negro não é mais escravo
Negro ama todo mundo
E também quer ser amado

EXALTAÇÃO AO MÁRTIR DA INCONFIDÊNCIA – 1978
Autor: Ivaldo Roque

A riqueza nossa
E a liberdade do nosso povo
Tiradentes batalhou
Mas deu no que se viu
A Inconfidência Mineira Silvério dos Reis traiu

Na morte de um homem
Começa o seu amanhã
Se dez vidas tivesse
Todas eu daria

Liberdade, liberdade
Ainda que tarde
Aconteceu o que o grande herói queria
Ora, pois, pois
Que genial
O grande herói é tema do meu carnaval

FESTA COLORIDA E DANÇA DA DEUSA VODUM - 1984
Autor: Ivaldo Roque

Ôi lelê Ôi lelê Ôi lalá 

Canta povo meu
Na festa colorida
A dança da deusa Vodum
Animando nossa vida
Saravá, Ogum

O Brinca Quem Pode
Homenageia a influência
Dos imigrantes africanos
Na cultura brasileira
Iorubás, jejês, nagôs

Pretos originários de Daomé
Contribuíram na nossa formação racial
Lendas e costumes
Cultos e religiões
Que atingiram também
O nosso carnaval

Pelo bastão de Xangô
E o caxangá de Oxalá
Filho Brasil pede a benção
Mãe África

COM BAETA, VAMOS LÁ – 1985

Autores: Ivaldo Roque e Mauro Candemil 


Eu sou do Brinca Quem Pode
Pois ele mesmo é o tal
No samba
No frevo
Na marcha
Nas coisas de carnaval

Hoje vou cantar com alegria
E mostrar em fantasia
Um personagem popular
Do morro da Roseta
Oh! Baeta vem brilhar

Do carnaval, és cheio de glória
Teu nome ficará na história
Tua vida é nosso enredo
Que cantamos com gratidão

Com tua escola querida
Do bairro que te abraçou
Com o povão a sambar
Vem, Baeta, vem brilhar

Quem pode, pode
Quem não pode se sacode
Brinca Quem Pode
Brinca quem quiser brincar 

Em 1981, juntamente com Robson Barenho, Ivaldo compôs para a Escola de Samba Mocidade Independente, fundada um ano antes, em 18 de julho de 1980, o samba-enredo “No mundo do faz de Conta”, uma homenagem às crianças.

NO MUNDO DO FAZ-DE-CONTA – 1981
Autores: Ivaldo Roque e Robson Barenho

Se a vida
Todo dia desaponta
Venha sonhar comigo
Vem pra folia
No Mundo do Faz-de-Conta

País das flores
Tema universal
Fadas Emília
A maravilha
Do sonho do carnaval

País dos sonhos
Rodas infantil
Bruxas folias
Reinam três dias
Os foliões
Do Brasil

Deixa vir o dia
Não te desaponta
Com sol ou lua
Faz desta rua
O Mundo do Faz-de-Conta

Entre as inúmeras composições suas e/ou em parcerias, destacam-se “Porto Seguro”, gravado por Eliana Pitman; “O Rancho convida” por Peri Ribeiro; e “Moda de Sangue”, dele e Jerônimo Jardim, gravada por Elis Regina e uma das trilhas sonoras de duas novelas da TV Globo: Coração Alado (1980) e Torre de Babel (1998).

Ivaldo fala sobre a canção “Moda de Sangue” gravada por Elis Regina
Quando do falecimento de Elis Regina em 19 de janeiro de 1982, Ivaldo Roque quatro dias depois escreve sobre a morte da cantora em sua coluna “Toques do Roque” do jornal O Renovador de 23 de janeiro.
 No artigo ele conta como conheceu Elis e da canção “Moda de Sangue”, de autoria de Ivaldo e de seu parceiro Jerônimo Jardim, gravada por ela no disco Saudade do Brasil, de 1980.

Eis seu depoimento:
“O ritmo da vida tem compassos que até maestro é capaz de surpreender.
Assim como, mortais que somos, que muito apreciamos músicas, além de tudo ficamos consternados e inapelavelmente surpreendidos com as primeiras notas sobre o passamento da intérprete Elis Regina, cantora de méritos reconhecidos em muitos países.
Figura importantíssima, primorosamente inserida no contexto da atual música popular brasileira desde o advento da Bossa-Nova.
Conheci Elis no auditório da Rádio Farroupilha, na rua 7 de Setembro em Porto Alegre.
Algumas vezes a acompanhei ao cavaquinho com Paulo Coelho (violão), Planto Cruz (flauta), Azeitona (pandeiro), Paulinho (acordeon) e no revezamento de violões, os grandes Zico e Hermínio, às vezes, Cauby.
Ultimamente, sempre que Elis se apresentava em teatros na capital gaúcha, jantava no Restaurante Vinha D’Alho, onde atuei durante três anos tocando violão, harmonizando os sons da flauta do Planto, vinte anos depois.
No “Vinha”, meu bom parceiro Jerônimo Jardim, na hora da “canja” sempre cantava a nossa “Moda de Sangue”. Elis gostou, Jerônimo gravou e fez chegar à cantora que lançou nossa música no LP álbum “Saudade do Brasil” que acabou sendo parte da trilha sonora da novela “Coração Alado”, em 1980, quando decidi de vez morar em Laguna.
Deus protege tua alma, Elis. O Brasil tem saudade de você”.

MODA DE SANGUE

Composição: Ivaldo Roque/Jeronimo Jardim

Quando te prendo
Na cadeia dos abraços
E te torturo
E te sufoco entre meus braços

E te fuzilo
Com os olhos do desejo
Te mordendo
No gosto do meu beijo

Quando te arranho
Te lanho de delícia
Vertendo sangue
Do teu corpo de malícia

Quando te xingo
Com palavras obscenas
Como jurasse
As juras mais serenas

Quando me vingo
Dos males que me fazes
Com frases
De maldade e veneno

Sinto meu amor
Que o amor é isso
Essas coisas
Muito fora de juízo

Outra despedida
Em 29 de maio de 1982 Ivaldo Roque se despede da Laguna escrevendo sua última coluna denominada “Toques do Roque”, no jornal O Renovador, que havia encampado o Semanário de Notícias em 1979.
Retorna triste a Porto Alegre porque não haviam cumprido com a promessa feita por alguns políticos de apoio na área musical e um cargo na prefeitura de sua terra natal.

Um novo retorno à Laguna
Mas vai retornar à Laguna já no ano seguinte, em 1983, assinando a partir do mês de maio a coluna “Opinião”, no mesmo jornal O Renovador.
Escrevia que queria viver e envelhecer em sua terra natal, ao lado de parentes e amigos na “suavidade da paz de espírito”.
Pela Rádio Garibaldi apresenta o programa “Garibaldi Faixa Aberta”, de grande audiência.
Apresenta-se em concertos com certa frequência em vários municípios do estado, como Tubarão, Criciúma e Florianópolis.
Integra-se ao Regional do Zizinho, apresentando-se nas Semanas Culturais realizadas em nossa cidade, e também no Teatro Álvaro de Carvalho, em Florianópolis, sempre com grande sucesso.
Em 25 de fevereiro de 1983 o Regional Lagunense (do Zizinho), com Ivaldo Roque, é a atração especial do 1º Festival da Nova Música Catarinense, que aconteceu no palco do Cine Teatro Mussi.
Neste Festival, promovido pelo Grupo Coisas da Terra, foi vencedora a canção “Apenas um Canto”, apresentada por João Rodrigues Júnior e Rogério Perito.
Casa cheia, um sucesso, com o evento transmitido pela TV Eldorado e Catarinense.
No mês de maio seguinte acontecem em nossa cidade o “Laguna Samba Show” e o “Canta Laguna”.
Eventos organizados pelo Grupo Coisas da Terra que tinha como organizador dos shows o irrequieto Silvério de Jesus, que também dublava, fazendo o maior sucesso, o cantor Ney Matogrosso do Grupo Secos & Molhados.
Outros tempos, como se percebe, onde a música era valorizada em nossa cidade, com diversas promoções nesta área.

Nomeado Assessor de Imprensa
Na nova gestão municipal que havia iniciado naquele ano de 1983, comandada pelo prefeito João Gualberto Pereira, Ivaldo Roque logo é contratado para ministrar aulas de violão, realizadas no Clube 3 de Maio, no bairro Magalhães, às segundas, quartas e sextas-feiras.
Em junho assume como assessor de imprensa da Secretaria de Cultura, Turismo e Esporte do município.
O titular da pasta era o advogado lagunense Rogério Carvalho da Rosa.
Com seu prestígio junto aos jornalistas do Rio Grande do Sul, emplacava diversas reportagens nos jornais Correio do Povo e Zero Hora sobre o carnaval, pontos turísticos, pesca e gastronomia lagunense. Além de Festivais de Música e Teatro aqui realizados.
Em janeiro de 1984 o bancário aposentado e também colunista do O Renovador Munir Soares de Souza assume a titularidade da Secretaria de Cultura, Turismo e Esporte no lugar de Rogério, que solicita sua exoneração. Ivaldo é convidado a continuar no cargo de assessor de imprensa da pasta.

Eventos e participações 
Em 27 de fevereiro de 1984, no IIIº Festival de Sambas Enredos, realizado no Ginásio de Esportes Bertholdo Werner, Ivaldo vence com o samba “Festa Colorida e Dança da Deusa Vodum”, representando a Escola de Samba Brinca Quem Pode.
Regional Lagunense: Nereu Sousa no cavaquinho e Ivaldo Roque ao violão.

No final daquele mesmo mês aconteceu no Centro Integrado de Cultura (CIC) em Florianópolis, numa promoção da secretaria de Cultura, Esporte e Turismo de Santa Catarina, o “Choro Bem Chorado”.
Entre os conjuntos Regionais que se apresentaram, destaque para o “Regional Lagunense”, com Ivaldo Roque e Nereu Souza, entre outros músicos.
De 23 a 29 de junho do mesmo ano de 1984, Ivaldo se apresentou em São Paulo, na “Semana da Gastronomia Catarinense”, evento acontecido naquela cidade. Foi a convite da Citur/SC, que era presidida por Artenir Werner.
Em agosto, a convite do presidente Gercino Pacheco Bonifácio, Ivaldo assume o cargo de 1º secretário da S. R. União Operária.
Em janeiro de 1985 Munir Soares solicita exoneração da secretaria de Turismo que fica sem titular até maio, quando assume Ézio Heleodoro de Souza.
Ivaldo continua na assessoria de imprensa mas sua saúde já não é mais a mesma, intercalando períodos de internações hospitalares e melhoras.

Últimos escritos 
Num dos últimos escritos para o jornal O Renovador no começo da primavera de 1985, Ivaldo fala de saudade e das águas e dos ventos e do sol e das cores da nossa Laguna:

Banzo
"Está querendo surgir a primavera e, assim como quando vibramos a ponto de o coração trepidar, sigo rubro como o roxo fica junto à rosa mais querida, nesta Laguna repleta de belezas que vivemos a exaltar.
Meus primeiros encantos foram aqui.
Longe da Laguna por muito tempo estava me sentindo infeliz e, um banzo danado me apertava no peito cada vez mais forte, lá na cidade grande.
Aprendi muitas coisas nestes longos anos vividos fora daqui, mas ultimamente eu vinha me deixando violentar devido a compromissos assumidos com trabalhos que não mais compensavam o esforço, a dedicação e a enorme saudade que chegou a me por nervoso por algum tempo; eu estava querendo me desligar de tudo e voltar à Laguna.
Estive meio amargurado ao sentir que não seria fácil me livrar de tudo o que a cidade grande me ensinou... Mas, cá estamos, comunicando com letra e música. Agora, remoçado e impregnado dos ventos, das águas, do sol e das cores que respiro tranquilamente na Laguna".

Último evento na Laguna
No feriado de 7 de Setembro de 1985 foi publicada na imprensa lagunense a última notícia sobre uma apresentação sua.
Foi um evento beneficente do Grupo Terra na boate do Laguna Tourist Hotel.
Uma das atrações foi a apresentação de Ivaldo Roque ao violão com o juiz da Comarca Erwin Rubi Peressoni Teixeira ao piano.

Ivaldo vai se afastar do cargo já doente, meses antes do seu falecimento.
Em novembro daquele ano é internado em hospital de Porto Alegre, mas recupera-se e retorna à Laguna.
Em 3 de abril é internado novamente e logo pela manhã de segunda-feira, 7 de abril de 1986, no Hospital Nª Sª da Conceição, em Tubarão, o coração de Ivaldo Roque aos 47 anos parou de bater. Foi sepultado em nossa cidade.
Deixou esposa e quatro filhos.
Ivaldo Roque. Foto: Jornal Sul do Estado de 17 de abril de 1984.

“Um artista, antes de tudo”, disse Munir Soares
Munir Soares assim se despediu do músico e amigo em sua tradicional coluna “Comunidade” no jornal O Renovador de 12 de abril:

“Num canto, o violão mudo, fechado, sem vida. Na sala, ao lado, jaz o grande artista. Ivaldo Roque está morto.
Fixo meus olhos em suas mãos, cruzadas sobre o ventre, já sem alma e mergulho em meus próprios pensamentos.
Eu o vejo, com o Regional do Zizinho, tocando lá em casa, só para nós. Sinto-me ainda arrepiado, ao relembrar sua performance ao lado do Nereu, no Teatro Álvaro de Carvalho.
Ivaldo Roque, violonista e compositor, deixa um acervo considerável. A música popular ou erudita sempre fizeram parte de sua bagagem musical.
Ivaldo Roque foi, antes de tudo um artista, um homem incompreendido por viver, quem sabe, numa outra dimensão, na constelação dos músicos, onde a sensibilidade faz a arte e a alma, canta e dança nas cordas de um violão.
Os violões tocam em funeral – réquiem para Ivaldo Roque, um artista”.

“Ivaldo juntava tudo numa só pessoa”
“Ivaldo Roque juntava numa só pessoa o ser catarinense e o ser gaúcho, o músico clássico, o popular, o vanguardista e o jazzman, o sambista de botequim e o professor universitário, o pedreiro e o linotipista dos primeiros anos, quando da sua chegada a Porto Alegre”.
Assim iniciou Gilmar Eitelwein seu artigo sobre o músico lagunense Ivaldo Roque, constante do 14º fascículo da Coleção Ceee/Som do Sul – História da Música do Rio Grande do Sul no Século XX, editado em 2002.

Homenagens
Em 2004, através da Lei Municipal nº 9.518/04, de 29/06/2004, Ivaldo Roque foi homenageado com nome de uma rua localizada no bairro Chapéu do Sol, em Porto Alegre.
Na Laguna, através da Lei Municipal Ivaldo Roque teve seu nome batizado em uma via situada no bairro Esperança.
Em 2009 Ivaldo Roque foi homenageado na Semana Cultural da Laguna. Sua canção “Perfume de Praia”, na voz de João Rodrigues Júnior, fez parte da trilha sonora da peça teatral “A República em Laguna”.
O nosso Grupo Musical Opus 4, formado por Rogério Perito, Neusa Maria  Preuss Custódio, Fernando Ilíbio e Handel Silveira executa lindamente  "Perfume de Praia", de Ivaldo Roque e Robson Barenho; e a inédita de Ivaldo "Ao voltar de ontem". 
O vídeo foi postado no Youtube e o reproduzo aqui nesta página:
         
PERFUME DE PRAIA

Composição: Ivaldo Roque/Robson Barenho

O galo que te anuncia
também revela que o dia
te chama pra navegar
mas depois de tanto abraço
com que braços vais remar?

A canoa que te leva
talvez te sirva de cama
na hora de descansar
mas se tens todo o meu corpo
por que te cansas no mar?

Pescador do peito quente
traz teus peixes e presentes
bem antes que a tarde caia
Das algas quero sementes
de ti, Perfume de praia...