quinta-feira, 28 de abril de 2022

Divagando numa tarde chuvosa sobre o passado X presente

 Quando a realidade não está agradável, o presente não está muito bom no país, no estado, em nossa cidade, em nossas vidas, e as decepções são muitas e esperanças poucas, costumamos mergulhar no passado.

Vamos buscar momentos felizes, de fatos idos que nos trouxeram alegrias, relembrando nomes que nos fizeram bem em algum período de nossas trajetórias.
A idade também contribui muito para isso. Mas, por outro lado, há tanta gente tão nova por aí e saudosa... como explicar?

 Saudosismo é auto-defesa?
Dizem alguns especialistas no assunto, que esse saudosismo seria uma espécie de autodefesa do organismo psíquico, uma chave liga-desliga (hoje fala-se power) momentânea, como uma espécie de retorno ao passado que nos repõe as energias, nos distancia de alguns odores putrefatos de "tenebrosas transações" políticas do presente, para continuarmos nossas tarefas atuais. Enfim, continuar respirando. E vivendo.

      A memória seleciona e idealiza
Mas o passado é para ir e voltar. Há os que insistem em ficar por lá, se perdem e aí o perigo é passar a viver fora da realidade. Já cantava Belchior: "o passado é uma roupa que não nos serve mais".
Osvaldo Rodrigues Cabral, nosso historiador, costumava dizer que “O passado é um bom lugar para se visitar, mas ninguém quer morar lá”.

Existe uma frase, que gosto muito, do personagem Pedro, no livro Aos meus amigos, de Maria Adelaide Amaral, que depois virou série na  Globo, lembra? Ela, a frase, diz:
Não sei se a gente tem saudade daquilo que realmente viveu, ou daquilo que pensou ter vivido, ou daquilo que desejou viver. A memória seleciona e idealiza”.

E não é bem isso? Quantas pessoas, fatos vividos, relacionamentos, experiências, lugares morados e visitados, passados os anos, na distância que tudo ameniza, tornamos hoje melhores, muito melhores do que realmente o foram?
Será que aquele namorado ou namorada, marido, esposa, amigo, amiga, foi tudo de bom realmente? Ou éramos nós que nos contentávamos com o pouco? Será que na maioria das vezes não idealizamos? E nós? Será que fomos tudo isso mesmo?

Às vezes resta o bagaço. De ambas as partes
Se pensarmos bem e melhor, se extrairmos a essência, o que sobra? O que pode ser aproveitado? Às vezes fica somente o bagaço, não é mesmo? De ambas ou de todas as partes.
Tenho também dúvidas naquelas expressões que a gente tanto ouve por aí, nas conversas que afirmam que “antes era melhor”; “no meu tempo era diferente”; “a gente aproveitava mais”; "as festas eram melhores", “o pessoal era mais humano”; “havia verdadeiras amizades”.
É de se perguntar: era melhor mesmo? Diferente? Aproveitava-se mais? Eram melhores? Eram mais humanos? Eram verdadeiras as amizades? Será?

E há ainda – e aí penso ser uma espécie de masoquismo, só pode! – os que idealizam a miséria em que viviam. Verdadeiras Amélias a dizerem: “A gente não tinha nada, passava fome, mas era feliz”. Como feliz? Feliz? Uma ova! Duvido. 
Quer voltar, quer?

E dizer que "mesmo a tristeza da gente era mais bela", como cantava o poeta, só fica bonito mesmo em poesia, não é verdade?

Diz aí leitor, quer retornar a dormir com vários irmãos num quarto apertado? A não ter um lanche? A reaproveitar a roupa do mais velho? A andar remendado? A ter somente uma roupa e um par de sapatos novos pra missa? Não ter uma moeda para a matinê de domingo no Cine Mussi? Ou para comer uma pipoca? Um chocolate ou um sorvete na Miscelânea? Comprar um gibi? Um pacote de figurinhas da Copa?

      Quer voltar quer?
Quer voltar a sonhar o ano inteiro com uma bola? A andar descalço ou com um chinelo velho por não poder comprar um tênis? Que seja um mísero Kixute? Uma calça? Uma bicicleta? Uma boneca? Sonhar com um aparelho de TV? Um telefone? Um relógio? A comer galinha só no fim de semana. E dizia a voz popular que pobre só via galinha quando um dos dois estava doente. Churrasco era uma miragem, bicicleta ou automóvel uma utopia. E não faz tanto tempo assim, trinta, quarenta, cinquenta anos.
Quer voltar, quer? Verdade? Duvido.

Diz aí minha senhora, mas diz sinceramente, quer voltar a lavar toda a roupa da filharada no tanque e passar com ferro à brasa? Cozinhar em fogão à lenha, soprando pra acender as chamas em meio à fuligem? Quer viver grávida dez anos em vinte? Uma escadinha de filhos, sem o devido resguardo? 
Tenho é pena das nossas mães e avós. Coitadas!
Quer voltar? Quer mesmo? Fala sério?

segunda-feira, 4 de abril de 2022

Miguelito: o craque de bola que o tempo não esqueceu

 
Ele é lembrado no meio futebolístico da Laguna quando a conversa é sobre craques de futebol do passado.
Fez sua história nos campinhos de várzea ao lendário Barriga Verde F.C.
Do Hercílio Luz ao Esporte Clube Ferroviário.
E na Bolívia, onde jogou nos Clubes Aurora, Oriente Petrolero e Jorge Wilstermann, disputando jogos na Libertadores.
Um craque do futebol que o tempo não esqueceu.
 
Santelino Bonifácio Vieira assim está registrado em sua certidão de nascimento. Mas quem o procurar por este nome dificilmente o encontrará. Já Miguel... Miguelito é como ficou conhecido.
Miguelito com a camisa do Barriga Verde F.C. em 1967.

     Ele explica: “Quando criança eu ouvia no rádio as músicas do cantor mexicano Miguel Aceves Mejias. Vivia pela rua cantando os seus sucessos. Aí meus amigos de longe já sabiam quando eu vinha chegando:
   – Lá vem o Miguel cantando... Lá no México é o Miguel, aqui no Brasil, em Laguna é o Miguelito. Aí o nome pegou e ficou. No fim todos me conheciam assim, até gente da minha família, o meu pai mesmo me chamava assim”.

Bem. O Miguel mexicano brilhou na música e no cinema. O nosso daqui, prata da casa, vai brilhar no futebol.
Então vamos lá, porque a história só está começando.

Primeiros anos
Miguelito Bonifácio Vieira nasceu em São Tomaz, então distrito de Imaruí, em 4 de novembro de 1947, filho de Adílio Bonifácio Vieira e Maria Josina Vieira, a d. Cotinha.
Quando tinha quatro anos sua família veio morar na Laguna e ele foi matriculado na idade escolar no curso primário da Escola Básica Jerônimo Coelho.
Logo cedo começou a trabalhar. Primeiro como auxiliar/ajudante da família do seu Augusto Westphal. Depois no armazém do seu Lilico Machado, no Mercado Público.
Nos intervalos e fins de semana jogava num campinho improvisado que existia ali na Paixão, defronte ao Restaurante Peralta. Ouvia muito os jogos do Rio de Janeiro pela Rádio Globo, principalmente o Flamengo. Bem por isso virou flamenguista roxo. 
Depois o Wilfredo Silva que trabalhava e era locutor da Rádio Difusora montou um time chamado Banguzinho e Miguelito jogou numa posição que o consagraria no futuro: o de meia-esquerda.

No Barriga Verde F.C.
Depois, já aos 14 anos, em 1961, foi treinar no lendário Barriga Verde F.C. Logo a seguir passou a titular. Ele lembra:
“Foi um tempo muito bom, jogava Eraldo, Beto Pacheco, Juarez Fortes, Cacaio Pinho, Dido, Dalmo, Nereu, Odilon (que faleceu há poucos dias), Bel e tantos outros.”
Ressalta uma partida muito disputada entre Barriga Verde X Ferroviário, de Tubarão, onde o placar foi de 1 X 1, gol dele pelo Periquito. “Acho que o saudoso Bujú (José Carlos Natividade) foi quem fez o gol de empate pelo Ferrinho”.
Time do Barriga Verde em 1967. Em pé da esquerda p/direita: Tonico, Beto Pacheco, Ná Barzan, Rui, Dalmo Faísca e Cid Siqueira. Agachados: Juarez Fortes, Nereu, Eraldo, Miguelito e Dido. Foto: Bacha.
Certa vez, com o Barriga Verde de folga, a convite de amigos foi jogar pela Portuguesa do Magalhães numa partida em Torres (RS). “Aí um empresário viu o meu jogo, gostou e me convidou para o Comerciário, de Tubarão, onde jogava Valdomiro, Chiquinho, Parobé... fiquei uns seis meses e retornei para Laguna”.
Aqui continuou jogando futebol nos times da TEP (Turma da Esquina do Paulista), do Magalhães, Areal F.C. e pelo Veteranos do Flamengo.
Turma da Esquina do Paulista (TEP), do Magalhães. Em pé da esquerda p/direita: Orlei Pacheco, Décio Cabral, Lindomar (Nenem), Mizinho Cidade de Souza, Rui e Edésio Joaquim. Agachados: Valdemir (Mi), Juarez, Miguelito, Márcio Carneiro, Toninho Izidro e Mário José Barbosa.

Areal F.C. De pé da esquerda p/direita: Waldo, Mimo, Lilo, Milton, Zazá, Aírton, Silvinho Silveira e Lelo. Agachados: Djalma, Vavá, Zé Carlos, Miguelito e Paulo Sérgio.
No Ferroviário
O radialista Wilfredo Silva (olha ele aí de novo), fez contato com uns amigos do Ferroviário e Miguelito foi contratado. Em 1968 foi escolhido o craque do ano.
Esporte Clube Ferroviário - 1970. Em pé da esquerda p/direita: Chico Salgado, Acioli, dr. Gilberto, Adilson da Costa, Ernesto, Silvestri, César, Paulo César, Carlinhos, Gunga, Angelo Zabot, Gaiola (técnico), Alberto Botega, Domingos, Amilton e Geraldo (roupeiro). Agachados: Péricles, Miguelito, Márcio, Armando, Bahia, Rainoldo Vieira, Cesinha, Cissa e Eraldo.
Em 1970 o Ferroviário sagrou-se campeão do campeonato estadual. Em seguida Miguelito foi emprestado para o Hercílio Luz, onde ficou por seis meses e retornou para Laguna.
Miguelito e Eraldo jogando juntos no Esporte Clube Ferroviário.
Na Bolívia
Ele continua narrando sua história: “Neste meio tempo o Eraldo foi jogar na Bolívia, a convite de um empresário. Numa de suas visitas ao Brasil me convidou pra ir pra lá e lá fui eu jogar naquele país”.
Na cidade de Cochabamba Miguelito jogou pelo Clube Aurora, Clube Oriente Petrolero e Clube Jorge Wilstermann. “Fiz muitos jogos pela Libertadores contra o Boca Júniors (Argentina), River Plate (Uruguai) e Olimpia (Paraguai)”.
Jogando no Aurora da Bolívia. Miguelito é o terceiro em pé, da esquerda p/direita.

Diploma de Honra ao jogador Miguelito pelo título de vice-campeão do Clube Aurora em 1974.

A imprensa boliviana destacando os jogos. O ataque do Clube Jorge Wilstermann em 1978 formado por Oviedo, Vargas, Miguelito e Eraldo.
Miguelito ficou jogando na Bolívia até 1979. Antes disso casou aqui na Laguna com Ida Maria. Sua primeira filha Andréia nasceu naquele país. As outras duas, Aline e Amanda, nasceram no Brasil.

Entre o futebol e uma guerra civil
“Ai estourou uma guerra civil por lá. Uma disputa por território com o Chile. O peso se desvalorizou e quase todo o dinheiro que se ganhou sumiu. Ficou muito pouco na troca pelo nosso dinheiro, o cruzeiro. Não deu pra fazer um grande pé de meia”, lembra.
De fato o período foi bastante conturbado. Golpes de estado, regime militar, tensões entre a Bolívia, que buscava uma saída pelo mar pelo Mediterrâneo e o Chile. Houve protestos estudantis e de operários, congelamento de preços, bombas, etc. O país parou.

Retorno ao Brasil
“Retornei para o Brasil e fui treinar no Novo Hamburgo (RS), mas precisou um documento de lá da Bolívia me liberando para a transferência e não havia como buscar. Não tinha a facilidade de hoje com telefone e internet. Tudo era demorado e difícil e o time não podia esperar e aí puseram outro no meu lugar”, explica e lamenta Miguelito.
Miguelito retornou para Laguna e foi trabalhar em outras áreas em empresas do ramo de madeiras e alumínio e também como segurança no Clube Congresso Lagunense.

Dias atuais
Em 1984, a convite de alguns amigos, ingressou na Casan, no escritório da Laguna onde trabalhou até a sua aposentadoria, depois de 33 anos de serviço. Participou dos Jogos Abertos promovidos pela empresa.
Miguelito em seu apartamento na Laguna em abril de 2022.
Viúvo já há alguns anos, casou com Maria Regina Francisco. O casal reside no bairro Portinho em nossa cidade.
Em 2009 foi homenageado pelo desportista Amauri Luchina com um brasão do Barriga Verde F.C. escrito:
“Miguelito, todo lagunense orgulha-se de tê-lo como atleta do Barriga Verde F.C. e Copa do Torcedor”.

Aproveito estes dizeres acima para finalizar essas lembranças e também a minha homenagem ao craque de bola Miguelito, que o tempo não esqueceu.