segunda-feira, 21 de março de 2022

Laguna foi pioneira no futsal feminino em SC

 Em 1959, moças da Laguna formaram três times de futebol de salão (hoje conhecido como futsal feminino). As pioneiras partidas foram realizadas na recém-inaugurada quadra de cimento do Clube Blondin.
Os jogos atraíram muita gente, entre curiosos, jogadores e torcedores.
    O jornal O Albor editado em nossa cidade, registrou o fato como inédito em Santa Catarina.

A Portuguesa de Futebol de Salão Feminino (Futsal) formado por Walda, Mary, Cecê, Laura (goleira) e Gessy, além de Rosa (reserva) que não está na foto, em jogo de estreia em 7 de outubro de 1959 na quadra do Clube Blondin. Foto: Álbum de família/Cecê.

A nova sede social do Clube Blondin foi inaugurada em 12 de junho de 1943, tendo na presidência o médico Paulo Carneiro. 
Na verdade o Clube só atravessou a Praça Vidal Ramos, deixando o imóvel onde hoje funciona o escritório do Iphan e se mudando para o novo e amplo espaço ao lado da Matriz.
Memoráveis bailes, desfiles, jantares e demais eventos irão acontecer no local, marcando época em nossa tradicional sociedade.
 
Quadra Esportiva
Mas em 25 de julho de 1959 a inauguração de uma quadra esportiva (ou cancha, como então se chamava) na área situada nos fundos do Clube Blondin vai provocar uma revolução no futebol de nossa cidade.
Com piso cimentado, arquibancadas para 300 pessoas, rede protetora e oito postes com refletores para os jogos noturnos, o local vai se tornar um atrativo na área desportiva da Laguna e do Sul do estado. Será batizada de Quadra Capitão de Corveta Luiz Ferreira.
Abelardo Calil Bulos agora era o presidente do Clube Blondin e Carlos Prates o presidente da Liga Lagunense de Desporto Amador.
Os árbitros inscritos na Liga eram Flávio Delgado, Sinval Barreto, João Manoel Vicente, Gilson Ungaretti e Armando Mendes.
Além do vôlei ali praticado, o futebol de salão (futsal) vai atravessar as duas  décadas seguintes. Equipes surgirão disputando torneios e campeonatos. Torcidas serão organizadas e uniformizadas e uma acirrada disputa surgirá, com craques se destacando nesta modalidade, cujos nomes, dribles, jogadas e gols até hoje são lembrados pelos mais saudosistas.
Os jogos serão transmitidos pela Rádio Difusora da Laguna, através dos radialistas Evilázio e João Carlos Silveira, Álvaro e Luiz Lopes, com Jucemar Otávio Tomaz na técnica. O telhado do anexo lateral do clube servirá provisoriamente como “estúdio”. Mais tarde uma cabine de madeira será erguida.
 
Futsal feminino
Três meses depois da inauguração da quadra do Clube Blondin e com jogos já consolidados, outra novidade aguçará ainda mais o meio esportivo lagunense.
Será o surgimento de times femininos de futebol de salão. 
A ideia partiu de Arduino de Oliveira, telegrafista da Agência de Correios e Telégrafos da Laguna e presidente da Portuguesa F. C. do Magalhães, que já disputava jogos de futebol de campo e de salão. Seus filhos gêmeos, os jogadores Luiz Yzidro e Yzidro Luiz também participaram da fundação do time feminino, junto com outros diretores.
Os dois times da Portuguesa de Futebol de Salão em 1958 na quadra do Clube Blondin: Da esquerda p/direita: Arduino Oliveira (presidente), Pedro, Djalma, Luiz, Walda e Mary. Agachados: Benigno, Izidro, Laura, Gessy e Cecê. Foto/Álbum de Família/Laura Machado.

A notícia do jogo feminino de futebol de salão correu pela cidade. 
Na esquina do Café Tupy, point chic dos mais frequentados, situado na esquina da XV de Novembro com Raulino Horn, foi o assunto mais comentado (hoje chamaríamos de trending topics) durante os dias que antecederam a peleja, marcada para 7 de outubro de 1959, uma noite de quarta-feira.

1º jogo – 7 de outubro de 1959
Com camisas, calções, meias e tênis comprados, a Portuguesa (Lusa) do Magalhães estreou numa quarta-feira à noite seu futebol de salão feminino contra o Ypiranga F. C., time formado por moças moradoras no centro da cidade. Naquela época havia certa rivalidade entre bairros na Laguna. 
No portão lateral do Blondin uma multidão se espremia para adentrar ao recinto.
O time da Portuguesa, em seu uniforme nas cores verde e vermelho, formou com Maria Laura Machado (goleira) e sua irmã Sebastiana (Cecê) Machado, Walmeri, Walda e Gessy Araújo. Além de Rosa (Reserva).
Já o time do Ypiranga, organizado por Manoel Rodrigues de Oliveira, em seu uniforme nas cores azul e branco era formado por Edna Lopes, Mary R. de Oliveira, Maria da Glória Barão, Marilda M. Rocha, Necy Silva e Ilsa Fernandes.
O Ypiranga de futebol de salão (futsal) feminino formado por Edna Lopes, Mary R. de Oliveira, Maria da Glória Barão, Marilda M. Rocha, Necy Silva e Ilsa Fernandes. Na extrema direita o organizador do time, Manoel Rodrigues de Oliveira. Foto/Álbum de família/Laura Machado.

O placar registrou empate de 1 X 1, gols de Gessy e Marilda. O jornal O Albor na edição seguinte exultou: 

“Os dois times se digladiaram para gáudio da imensa torcida que não perdeu avidamente os lances de graça que por ora é o jogo das nossas atletas”. 

2º jogo – 10 de outubro de 1959
Já no sábado seguinte os dois times voltaram a “se digladiar”, para usar o mesmo verbo do tradicional semanário lagunense, de propriedade de Antônio Bessa.
A Portuguesa desta vez venceu pelo placar de 2 X 1, gols de Gessy e Sebastiana (Cecê). Pelo Ypiranga marcou a jogadora Marilda.
 
3º jogo – 24 de outubro de 1959
A novidade do futebol feminino de salão foi aprovada e surgiu um novo time, o Esporte Clube Cruzeiro que desafiou a invencibilidade da Portuguesa. O jogo foi realizado num domingo e o placar foi de 1 X 0 para a Portuguesa, gol de Gessy, o que demonstra que as meninas da Lusa eram feras no futebol de salão.
A Portuguesa formou com as jogadoras de sempre e o Cruzeiro formou com Leda, Dirce, Lenir, Francisca e Sonia. 

4º jogo – 30 de outubro de 1959
Houve ainda um quarto e derradeiro jogo. Foi contra o Ypiranga F.C., realizado numa sexta-feira à noite.
Desta vez a Portuguesa humilhou e goleou o adversário pelo placar de 6 X 0, com 4 gols de Gessy e 2 gols de Sebastiana (Cecê).
Dai em diante não há mais registros em jornais de jogos de futebol de salão feminino realizados em nossa cidade. 

Entrevista com a jogadora Cecê
D. Sebastiana (Cecê).
D. Sebastiana Machado Mattos, a Cecê, hoje com seus 80 anos de idade é moradora no Magalhães, viúva do saudoso Antônio Mattos, pais de Elísia e Giselle e avós de Rodolfo e Thafines e bisavós de Victor.
 
Ela relembra sua participação na Portuguesa, como artilheira e autora de vários gols nas partidas. D. Cecê é aposentada como atendente de saúde pública e trabalhou durante muitos anos no Posto de Saúde da Carioca (hoje Unidade Básica de Saúde).

Quem organizou o time?
Cecê - Quem organizou tudo, junto com outros diretores e foi também o nosso técnico, foi o seu Arduino de Oliveira, que comandava a Portuguesa e morava na rua Custódio Bessa.
Ele nos treinou nos meandros do esporte e nas regras do jogo e viu que levávamos jeito, que tínhamos futuro.
Muitas de nós já gostávamos de futebol. Eu e minha irmã Maria Laura já brincávamos de bola com irmãos e outros amigos ali num campinho que existia no Alagamar, hoje Vila Vitória. A gente foi criada assim e meu pai e tio também jogavam bola.
A gente também já era da torcida organizada da Portuguesa, tínhamos uniforme e tudo. A turma era muito animada.
O pessoal acreditava nos jogos femininos? Como era a mentalidade da época?
Cecê – Muita gente não acreditava, diziam que era um esporte violento, que futebol não era para ser jogado por mulheres. Mas mostramos que não era nada disso, que com treino e técnica também podíamos jogar, driblar e continuar com charme e feminilidade. Acho que em Santa Catarina fomos pioneiras.
Os jogos de futsal feminino atraiam muita gente?
Cecê – Muita. A quadra e arquibancadas do Clube Blondin lotavam. Havia torcidas organizadas. Era uma festa. Não havia televisão e os jogos eram atrações à noite. Não havia muito aonde se ir. Muita gente curiosa também aparecia para assistir.
Algumas vezes jogamos depois da partida masculina principal. Uma vez fizemos a preliminar.
Os jogos também atraiam paqueras?
Cecê – Acho que os rapazes e as moças além de assistir os jogos também iam para paquerar atletas e torcedoras. Imagino que as jogadoras vestidas com calções curtos e outras de minissaias também atraiam os olhares dos rapazes, afinal era o ano de 1959.
Cecê preparando-se para cobrar uma lateral pela Portuguesa. Observe que os torcedores nas arquibancadas da quadra do Clube Blondin ficavam coladinhos às jogadoras. Foto: Álbum de família/Cecê.

Algum lance para recordar?
Cecê – Fiz vários gols que me deram muita alegria e também alegraram a torcida. Mas teve um lance, não lembro qual partida e que já tinha feito um gol da vitória, quando foi marcado um pênalti para nós. Fui cobrar, mas bati com tanta força que a bola foi parar lá no Jardim. Fiquei com uma vergonha.
E por que os jogos de futsal feminino acabaram, depois de quatro partidas?
Cecê – Quem organizava tudo era o nosso técnico, o seu Arduino de Oliveira, como já falei. Aí ele se mudou de Laguna e não jogamos mais. Mas os jogos até hoje estão nas nossas lembranças e de muita gente que assistiu. Depois também muitas foram trabalhar, outras casaram e aí vieram os filhos. Foi um tempo muito bom e que ficou na saudade. Fomos desbravadoras.
 
Mulheres pioneiras
Desbravadoras sem dúvida, d. Cecê. Mas também mulheres pioneiras, feministas, conscientes, inspiradoras e empoderadas, como se diz hoje.
Sem esquecer que bem antes, em 14 de abril de 1941, o presidente Getúlio Vargas, havia assinado o Decreto-Lei nº 3.199 proibindo a “prática de esportes incompatíveis com a natureza feminina”, entre eles o futebol.
No Brasil, a prática do futsal feminino foi somente oficializada em 8 de janeiro de 1983 pelo extinto Conselho Nacional de Desportos (CND).
Em 23 de abril do mesmo ano a prática foi oficializada pela FIFUSA (Federação Internacional de Futebol de Salão). A partir daí começaram a surgir campeonatos em vários estados brasileiros.
Então, registre-se para a história:
Na Laguna no ano de 1959, mulheres lagunenses foram pioneiras no futebol de salão feminino, o hoje decantado futsal que tem atualmente até campeonatos como a Taça Brasil e torneio mundial organizado pela FIFA.

13 comentários:

  1. Que legal. Mulheres lagunense jogando bola em 1959. Show!

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  2. Edison de Andrade21/03/2022, 20:11

    Valmir, altas pesquisas, reportagem digna de um grande jornal na seção de esportes. Parabéns. É de guardar. Laguna sempre pioneira. Abraço

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  3. Maravilha de reportagem! Parabéns! Abraço da Fátima Barreto

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  4. Parabéns por nos presentear com esse magnífico trabalho de pesquisa/reportagem! Mais uma façanha da história de Laguna.

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  5. Geraldo de Jesus21/03/2022, 21:34

    Não sabia disso. As mulheres lagunenses sempre fazendo bonito. Quantas histórias tem a Laguna.
    Por isso dá uma?tristeza ver ela hoje assim tão maltratada.

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  6. A Gessy jogava muita bola e artilheira.

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  7. Lembro me que eu era guri, e fui co meu irmão Loreto assistir um jogo delas no Blondim.tinhamos uma prima: Ilza Fernandes que jogava.

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  8. Lembro me que eu era guri, e fui co meu irmão Loreto assistir um jogo delas no Blondin.tinhamos uma prima: Ilza Fernandes que jogava.

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  9. Que beleza! A mulher de Laguna sempre teve iniciativa e boas ideias. Está na hora de uma assumir a cidade.

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  10. Prezado Valmir, quantas reminiscências dos jogos da famosa quadra do Blobdin, nosso ponto de encontro para as noites dos grandes jogos de futebol de salão. Quantos craques lagunenses, nossos colegas e amigos. Agora, com essa pérola resgatada do futebol feminino - que jamais pensei que tivesse existido na história desportiva da Laguna -, deste um banho. Saber que Cecê (Toninho Bufa, meu vizinho no Morro da Anália), elegantíssima na cobrança da lateral, Maria Laura, Gessy (in memoriam), as quais menciono por tê-las conhecido, eram atletas de futsal já nos idos da década de 1950, é algo que assombra pela vanguarda das meninas e pela visão do seu Arduíno. Fantástico! Abraço

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  11. As mulheres sempre na vanguarda de muitas coisas aqui em Laguna.

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  12. José de Abreu Oliveira23/03/2022, 09:47

    Valmir só tu pra descobrir e contar essas histórias. Não sabia que Laguna também já teve futebol de salão feminino. Em 1959!!!

    Valeu. Muito bom.

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  13. Essa terra de Anita é também de muitas Anitas !!!!

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