Foi no porto da
Laguna a partir de 1877 que começaram a chegar as levas de imigrantes italianos
vindos da Europa para colonizar as terras no sul catarinense, nas cabeceiras do
Rio Tubarão.
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Grupo de Imigrantes italianos no século XIX que chegaram ao sul de Santa Catarina. Fonte: Publicação Comemorativa da Passagem do Centenário da Comarca da Laguna-1956. |
Chegaram depois
de uma extenuante viagem, atravessando o Atlântico, aportando no Rio de
Janeiro, seguindo pelos portos de Santos, Paranaguá, Desterro e
finalmente Laguna.
Era aqui que
afluíam todos eles, antes das determinações oficiais para prosseguirem em canoas a remo pelo Rio Tubarão até as novas colônias já implantadas ou em
implantação. A espera às vezes levava dias.
A partir de 1º
de setembro de 1884, com a inauguração da Estrada de Ferro Thereza Christina, os
imigrantes seguiam nos trens até Tubarão e depois prosseguiam até a Estação Ferroviária de Pedras
Grandes.
E foi por este
mesmo Porto da Laguna que pouco tempo depois a produção desses imigrantes era
escoada para outras praças comerciais, outros mercados consumidores como a
capital do Brasil, o Rio de Janeiro.
Através do porto da
Laguna escoavam os produtos primários e chegavam os manufaturados.
Bem por isso, uma
onda de progresso começou a varrer toda a região sul do estado.
Na Laguna, teatro, clubes, Sociedades Musicais e carnavalescas, Grupos Escolares, jornais,
biblioteca, hospital, mercado público, são construídos e inaugurados.
“Inegavelmente,
foi a época de maior luxo em nossa terra”, diz Saul Ulysséa, em sua
obra A Laguna de 1880.
O começo
Tudo começou com
o presidente (governador) da Província de Santa Catarina Alfredo de Escragnole
Taunay solicitando ao Governo Imperial a criação de núcleos coloniais no vale
do Tubarão para aproveitar as terras férteis da região, com vantagens para a
economia do país.
A sugestão também
visava aproveitar a política de imigração lançada por D. Pedro II visando
substituir o braço escravo por imigrantes europeus.
Em 21 de
novembro de 1876 foi designado o engenheiro Joaquim Vieira Ferreira para
dirigir o povoamento das cabeceiras do Rio Tubarão.
Veio com sua
família e auxiliares do Rio de Janeiro para Nossa Senhora do Desterro a bordo
do “Cervantes” e da capital para o porto da Laguna a bordo do “Conceição”.
Após uns dias em
nossa cidade subiram o Rio Tubarão até a localidade de Pedrinhas, onde
desembarcaram. Abriram picadas nas matas, fizeram a topografia e dividiram os
lotes.
A sede do núcleo
foi estabelecida na confluência do Riacho Cintra com o Rio Pedras Grandes.
Ranchos de pau a
pique, cobertos de palha foram levantados no local à espera dos colonos
imigrantes.
Os primeiros 291
imigrantes
E eles chegaram,
em número de 291, oriundos das Províncias de Treviso, Verona e Mantua.
Chegaram depois
de uma extenuante viagem após atravessarem o Atlântico, aportarem no Rio de
Janeiro, seguindo viagem pelos portos de Santos, Paranaguá, Desterro e finalmente
Laguna.
Após uns dias em
nossa cidade subiram o Rio Tubarão e foram abrigados em rancho de tropeiros nos
Morrinhos.
Dias depois continuaram
a jornada. As bagagens vão nos poucos carros de boi existentes. As pessoas vão
a pé. Chegam a Pedras Grandes e dali em diante levam nas costas suas bagagens.
Foram demarcados
130 lotes rurais com 275 metros de frente, contendo a área 302.500m2.
Os italianos
foram alocados e se estabeleceram às margens do Rio Pedras Grandes, no Arroio
Cintra, no Arroio do Norte, na Canela Grande, em Armazém e em lotes urbanos da
colônia sede Azambuja.
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As primeiras construções em Azambuja em 1878. Fonte: Vettoretti, Amadio. História de Tubarão, 1992. |
Nela foram
abertas duas ruas e construída uma pequena praça e levantada uma capela.
A data de
fundação de Azambuja é 28 de abril de 1877.
No ano seguinte,
em 26 de maio de 1878, chegavam a Urussanga os primeiros colonos italianos. Bem
por isso essa data é considerada a de sua fundação.
Esses imigrantes
eram oriundos de Longarone, Província de Beluno, Região de Veneza.
Para o Brasil
embarcaram no navio francês “São Martinho” e nos barcos da Companhia de
Navegação “La Velloce”.
“Tão fortes
quanto a vontade”
Nelma Baldin que
escreveu o livro “Tão fortes quanto a vontade- A História da Imigração italiana
no Brasil, os Vênetos em Santa Catarina”, conta das agruras da viagem marítima
e das dificuldades enfrentadas pelos imigrantes até chegarem ao seu destino.
Diz Baldin:
“O caminho era
lento. Depois de chegarem ao Rio de Janeiro, passavam pelo porto de Santos,
depois porto de Paranaguá e, finalmente, aqueles imigrantes que eram destinados
para o sul de Santa Catarina chegavam ao porto da Vila de Nossa Senhora do
Desterro”.
Sem qualquer
tipo de alojamento os imigrantes ficavam aguardando a partida final para seu
destino.
E continua
Baldin:
“No Desterro,
porém, eram colocados ao relento, e perambulavam a sós ou em grupos pelas ruas
estreitas da vila ou sitiavam-se pelo cais do porto, por vezes em situações de
algazarras, outras vezes em demonstrações de revolta. Ficavam aguardando a
partida para o local de destino, conforme a orientação oficial”.
A chegada no
porto da Laguna: Num caldeirão preparavam a polenta
Ao chegarem ao
porto da Laguna a situação do imigrante italiano não era diferente da de
Desterro.
E era aqui que
afluíam todos eles, antes das determinações oficiais para prosseguirem viagens
em canoas a remo pelo Rio Tubarão até as novas colônias já implantadas ou em
implantação. A espera às vezes levava meses.
De acordo com
Saul Ulysséa em seu livro “A Laguna de 1880”:
“Chegavam muitos imigrantes destinados às
colônias do interior. No dia da chegada eles aglomeravam-se num trapiche e ali
preparavam suas refeições e ficavam aguardando condução para o interior.
Partiam
em pequenas embarcações pelo Rio Tubarão em direção principalmente à Azambuja
onde eram alocados num grande galpão.
Os
que mais chegavam eram os italianos. Os mais pobres informavam-se da maneira de
pedir, em português.
Algumas
vezes viam-se alguns deles estendendo a mão, proferirem: ‘quel quel cossa,
sinori’. Isto porém era raro. Algumas senhoras caridosas recebiam alguns
deles, oferecendo-lhes refeições em suas casas.
Despertava
a curiosidade pública, não somente o tipo diferente, como a indumentária
estranha.
Faziam
suas refeições no local e os italianos preparavam a polenta em um grande
caldeirão que era mexida com uma acha de lenha.
Muitos
prosperaram à custa de seus esforços e hoje seus descendentes desfrutam de
fortuna e conforto, tendo contribuído para o nosso progresso”.
“Pobre
gente iludida. Penúria e miséria”, diz jornal
A
situação da longa espera em nosso porto era tão caótica, que o jornal lagunense
A Verdade, de 11 de março de 1880 em editorial, pedia providências e
demonstrava indignação pela situação dos imigrantes que aqui chegavam
aguardando o transporte até as Colônias.
“Imigrante
– A população desta cidade sente-se ainda tomada de um sentimento de compaixão
misturado de outro de indignação que lhe foi despertado pelo fato de ver,
andarem de porta em porta, esmolando, diversas mulheres dos imigrantes que aqui
passaram em viagem para o Tubarão.
Compaixão
por ver a penúria, a miséria, as necessidades mil que pesam sobre esses
infelizes que abandonam a pátria, por nela não poderem mais viver, e vem em
nossa procurar o pão para matar-lhes a fome, um pedaço de pano com que cobrir-lhes
o corpo quase nu.
Indignação
por ver o procedimento desse governo que se diz liberal, filantrópico e
humanitário e no entretanto deixa que essa pobre gente venha iludida, supondo
encontrar aqui meios e auxílio para conseguir aquilo de que carece, quando
apenas se lhe fornece meio de transporte até a capital; sendo preciso que a
assembleia legislativa provincial votasse a quantia de um conto de réis para a
continuação de sua viagem até o lugar dos Morrinhos no Tubarão que dista da
colônia Azambuja, para onde se dirigem os imigrantes, cerca de 8 ou 10 léguas!
Como
transportar-se essa gente dos Morrinhos à Colônia? Como subsistirem esses
desgraçados imigrantes a quem em nada pode auxiliar o respectivo diretor, em
vista das instruções que tem?
Eis
mais um fato que se vai prender à cadeia das calamidades que tem acarretado
consigo, para o país, o inditoso gabinete Sinimbú”.
Gabinete
Sinimbú refere-se ao ministério formado pelo Partido Liberal em 5 de janeiro de
1878, chefiado por João Lins Vieira Cansação de Sinimbú. Gabinete dissolvido
em 28 de março de 1880, portanto menos de vinte dias após esse editorial do
jornal A Verdade.
E continuaram chegando
E
os imigrantes italianos continuarão chegando ao Porto da Laguna pelos anos
seguintes.
Serão
parentes, amigos e patrícios contemplados com as novas medidas do Império para
emigrar para o sul do Brasil.
Em
29 de dezembro de 1883 será a vez de 240 imigrantes aportarem na Laguna com o
Paquete a Vapor S. Lourenço com destino à Colônia de Grão Pará.
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A Verdade 30 de dezembro de 1883 |
Para
o mesmo destino de Grão Pará, em 28 de março de 1884 a chegada pelo S. Lourenço
de mais 24 imigrantes.
Em
9 de janeiro de 1885, pelo paquete Humaytá chegaram ao porto da Laguna 50
imigrantes com destino a Urussanga, Azambuja e Grão Pará. A viagem da capital Federal a Desterro havia sido feita pelo paquete Rio de Janeiro.
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A Regeneração 16 de janeiro de 1885 |
Cheios
de esperanças os imigrantes aqui chegaram. E foi pelo mesmo porto da Laguna que
partiram em pequenas embarcações a remo ou puxados por cordas pelo Rio Tubarão
em busca de seus destinos, da sonhada paz, segurança e liberdade.
Vinham
esgotados da crise econômica-social que assolava a Europa.
Para
trás deixavam sua pátria, seus parentes, amigos, tradições, suas aldeias e seus
mortos enterrados em solo pátrio. Era um renascimento que ocorria.
Por
dias aguardavam no porto lagunense o momento de prosseguir a viagem pelo rio
para ocuparem as terras demarcadas para o recomeço.
Aqui
ficavam dias na ansiedade da espera. A maioria deles com poucos pertences.
Muitos somente com a roupa do corpo.
Tinham
a solidariedade dos lagunenses e o apoio da imprensa local que clamava para
eles melhores condições de hospedagem e alimentação.
A
partir de 1º de setembro de 1884 o embarque era por trem
Posteriormente,
com a inauguração da Estrada de Ferro Thereza Christina em 1º de setembro de
1884, os imigrantes que chegavam ao porto da Laguna já embarcavam na Estação do
Campo de Fora com destino a Tubarão e posteriormente à Estação de Pedras
Grandes.
Enquanto
isso, nas colônias dezenas de atafonas movidas à água iam sendo construídas
para fabricação da farinha de milho, usada no preparado da polenta.
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Uma casa de Imigrantes italianos no século XIX. Fonte: Publicação Comemorativa da Passagem do Centenário da Comarca da Laguna-1956. |
Uma
estrada para carroças foi aberta entre Pedras Grandes e Azambuja, depois
continuada até o Vale de Urussanga. Casas são construídas.
Tempos
depois, a produção colonial de toda a região era levada para Pedras Grandes,
tornada um grande entreposto comercial do Sul do Estado, principalmente após a
inauguração da Estação da Estrada de Ferro.
Com
isso a produção de banha, cereais, carnes, era escoada pelo Porto da Laguna
que, usado como porto final da chegada dos imigrantes agora era o responsável
pela exportação dos produtos. Laguna era o grande empório atacadista.
Com
a produção veio a prosperidade e o progresso, melhorando a qualidade de vida
dos imigrantes, negociantes exportadores e armadores da região.
Surge
a primeira fábrica em Pedras Grandes
Um
exemplo dessa produção em tão curto espaço de tempo foi dado por Sylvio
Zanetta, imigrante em Pedras Grandes.
Em 1884 levantou com alguns parentes
e amigos a quantia de 30:000$000 (trinta contos de réis) para instalação de uma
fábrica, a vapor, de sabão, velas, banha de porco, salsinhas, carnes e
presuntos.
O
local escolhido para sua instalação foi nas proximidades da Estação Ferroviária
de Pedras Grandes.
No
começo de 1885 a máquina oriunda da Europa havia chegado no Rio de Janeiro e
logo embarcada no palhabote “Salvato”, para o porto da Laguna.
Daqui
foi transportada em vagão de carga da Ferrovia Thereza Christina para a Estação
de Pedras Grandes.
Primeira
produção foi embarcada no porto da Laguna
Sete
meses depois de montados os maquinários, em 30 de julho de 1885 a primeira
produção foi embarcada no paquete Humaytá no Porto da Laguna com destino ao mercado
consumidor do Rio de Janeiro, consignada à empresa Ernesto de Oliveira & Cia.
E
narra o jornal lagunense A Verdade de 2 de agosto daquele ano, de onde
retirei esses dados:
“A
carga, ao que consta, é de 145 barris de banha, 14 caixões com carne salgada e
56 barris com carne em salmoura, preparado tudo nas Pedras Grandes, no
importante estabelecimento de produtos suínos, creados pelos srs. Sylvio Zanetta
& Cia.
Em breve esperamos ver preparados presuntos, salpicões, paios, linguiças, mortadella, salames, toucinho, salsichões e muitos outros variados productos da indústria suínica".
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A Verdade 2 de agosto de 1885 |
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Nos trapiches (ainda sem o cais em granito) do velho porto da Laguna, estivadores escoam manualmente a produção agrícola do sul do estado. Entre os produtos estavam a banha, a carne de suíno e seus derivados, o peixe seco e a farinha de mandioca. |
Era
a pujança do porto da Laguna que havia recebido meses antes os primeiros imigrantes
da Europa em direção aos seus lotes de terras demarcadas no sul do Brasil.
O
mesmo porto que agora exportava para outras praças comerciais os produtos que em
tão pouco tempo foram produzidos por esses mesmos imigrantes.
Desde então, os
italianos e suas
descendências imprimiram uma nova marca ao sul do estado, impulsionando seu
desenvolvimento.
Um legado de trabalho, fé e austeridade. E que prossegue
ainda hoje.
Ótima matéria, material de pesquisa. Precisamos conhecer mais nossa história e antepassados. O sul deve muito aos italianos.
ResponderExcluirMostrando nossa rica história. Nova geração desconhece tudo isso. O sul de Santa Catarina é o mundo. Temos praias, água termais, serras e um povo de tradição. Valmir, ótimas páginas.
ResponderExcluirMaterial digno de ser comentado nas salas de aula pra que nossos alunos conheçam um pouco mais da nossa história.
ResponderExcluirAfinal, não foram somente os açorianos que para cá vieram.
Hélio Silva
Na verdade poucas pessoas sabem o quão importante é o Porto para história da Laguna. Se fizer uma enquete sobre o assunto somente alguns idosos vão dizer que sabiam da imigração italiana através do Porto. E quem ler a matéria tão bem pesquisada, estudada e elaborada pelo amigo Valmir, conseguirá ter uma ideia precisa de como o sul de Santa Catarina e norte do Rio Grande do Sul se desenvolveu, principalmente com a cultura do arroz. Parabéns amigo!
ResponderExcluirAlô, alô professores de história vamos trabalhar esse texto em sala de aula? Maioria dos alunos desconhe os italianos em nosso porto.
ResponderExcluirExcelente texto, excelente e detalhada pesquisa sobre os primórdios da imigração italiana em terras catarinenses, com os contingentes de colonos desembarcando em nosso porto. Confesso que desconhecia essa faceta da nossa história, que bem retrata a coragem, a fibra e o desejo de italianos e italianas de se estabelecer e prosperar em terras de além-mar, inóspitas e desafiadoras. Uma verdadeira saga. Parabéns. Abraço
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