17 outubro 2025

Imigrantes italianos no porto da Laguna

 
Foi no porto da Laguna a partir de 1877 que começaram a chegar as levas de imigrantes italianos vindos da Europa para colonizar as terras no sul catarinense, nas cabeceiras do Rio Tubarão.

Grupo de Imigrantes italianos no século XIX que chegaram ao sul de Santa Catarina. Fonte: Publicação Comemorativa da Passagem do Centenário da Comarca da Laguna-1956.

Chegaram depois de uma extenuante viagem, atravessando o Atlântico, aportando no Rio de Janeiro, seguindo pelos portos de Santos, Paranaguá, Desterro e finalmente Laguna.
Era aqui que afluíam todos eles, antes das determinações oficiais para prosseguirem em canoas a remo pelo Rio Tubarão até as novas colônias já implantadas ou em implantação. A espera às vezes levava dias.
A partir de 1º de setembro de 1884, com a inauguração da Estrada de Ferro Thereza Christina, os imigrantes seguiam nos trens até Tubarão e depois prosseguiam até a Estação Ferroviária de Pedras Grandes.
E foi por este mesmo Porto da Laguna que pouco tempo depois a produção desses imigrantes era escoada para outras praças comerciais, outros mercados consumidores como a capital do Brasil, o Rio de Janeiro.
Através do porto da Laguna escoavam os produtos primários e chegavam os manufaturados.
Bem por isso, uma onda de progresso começou a varrer toda a região sul do estado.
Na Laguna, teatro, clubes, Sociedades Musicais e carnavalescas, Grupos Escolares, jornais, biblioteca, hospital, mercado público, são construídos e inaugurados.
“Inegavelmente, foi a época de maior luxo em nossa terra”, diz Saul Ulysséa, em sua obra A Laguna de 1880.


O começo

Tudo começou com o presidente (governador) da Província de Santa Catarina Alfredo de Escragnole Taunay solicitando ao Governo Imperial a criação de núcleos coloniais no vale do Tubarão para aproveitar as terras férteis da região, com vantagens para a economia do país.
A sugestão também visava aproveitar a política de imigração lançada por D. Pedro II visando substituir o braço escravo por imigrantes europeus.
Em 21 de novembro de 1876 foi designado o engenheiro Joaquim Vieira Ferreira para dirigir o povoamento das cabeceiras do Rio Tubarão.
Veio com sua família e auxiliares do Rio de Janeiro para Nossa Senhora do Desterro a bordo do “Cervantes” e da capital para o porto da Laguna a bordo do “Conceição”.
Após uns dias em nossa cidade subiram o Rio Tubarão até a localidade de Pedrinhas, onde desembarcaram. Abriram picadas nas matas, fizeram a topografia e dividiram os lotes.
A sede do núcleo foi estabelecida na confluência do Riacho Cintra com o Rio Pedras Grandes.
Ranchos de pau a pique, cobertos de palha foram levantados no local à espera dos colonos imigrantes.

Os primeiros 291 imigrantes

E eles chegaram, em número de 291, oriundos das Províncias de Treviso, Verona e Mantua.
Chegaram depois de uma extenuante viagem após atravessarem o Atlântico, aportarem no Rio de Janeiro, seguindo viagem pelos portos de Santos, Paranaguá, Desterro e finalmente Laguna.
Após uns dias em nossa cidade subiram o Rio Tubarão e foram abrigados em rancho de tropeiros nos Morrinhos.
Dias depois continuaram a jornada. As bagagens vão nos poucos carros de boi existentes. As pessoas vão a pé. Chegam a Pedras Grandes e dali em diante levam nas costas suas bagagens.
Foram demarcados 130 lotes rurais com 275 metros de frente, contendo a área 302.500m2.
Os italianos foram alocados e se estabeleceram às margens do Rio Pedras Grandes, no Arroio Cintra, no Arroio do Norte, na Canela Grande, em Armazém e em lotes urbanos da colônia sede Azambuja.

As primeiras construções em Azambuja em 1878. Fonte: Vettoretti, Amadio. História de Tubarão, 1992. 

Nela foram abertas duas ruas e construída uma pequena praça e levantada uma capela.
A data de fundação de Azambuja é 28 de abril de 1877.
No ano seguinte, em 26 de maio de 1878, chegavam a Urussanga os primeiros colonos italianos. Bem por isso essa data é considerada a de sua fundação.
Esses imigrantes eram oriundos de Longarone, Província de Beluno, Região de Veneza.
Para o Brasil embarcaram no navio francês “São Martinho” e nos barcos da Companhia de Navegação “La Velloce”.

 

“Tão fortes quanto a vontade”

Nelma Baldin que escreveu o livro “Tão fortes quanto a vontade- A História da Imigração italiana no Brasil, os Vênetos em Santa Catarina”, conta das agruras da viagem marítima e das dificuldades enfrentadas pelos imigrantes até chegarem ao seu destino.
Diz Baldin:

“O caminho era lento. Depois de chegarem ao Rio de Janeiro, passavam pelo porto de Santos, depois porto de Paranaguá e, finalmente, aqueles imigrantes que eram destinados para o sul de Santa Catarina chegavam ao porto da Vila de Nossa Senhora do Desterro”.
Sem qualquer tipo de alojamento os imigrantes ficavam aguardando a partida final para seu destino.
E continua Baldin:

“No Desterro, porém, eram colocados ao relento, e perambulavam a sós ou em grupos pelas ruas estreitas da vila ou sitiavam-se pelo cais do porto, por vezes em situações de algazarras, outras vezes em demonstrações de revolta. Ficavam aguardando a partida para o local de destino, conforme a orientação oficial”. 

A chegada no porto da Laguna: Num caldeirão preparavam a polenta

Ao chegarem ao porto da Laguna a situação do imigrante italiano não era diferente da de Desterro.
E era aqui que afluíam todos eles, antes das determinações oficiais para prosseguirem viagens em canoas a remo pelo Rio Tubarão até as novas colônias já implantadas ou em implantação. A espera às vezes levava meses.
De acordo com Saul Ulysséa em seu livro “A Laguna de 1880”:

 

“Chegavam muitos imigrantes destinados às colônias do interior. No dia da chegada eles aglomeravam-se num trapiche e ali preparavam suas refeições e ficavam aguardando condução para o interior.

Partiam em pequenas embarcações pelo Rio Tubarão em direção principalmente à Azambuja onde eram alocados num grande galpão.

Os que mais chegavam eram os italianos. Os mais pobres informavam-se da maneira de pedir, em português.

Algumas vezes viam-se alguns deles estendendo a mão, proferirem: ‘quel quel cossa, sinori’. Isto porém era raro. Algumas senhoras caridosas recebiam alguns deles, oferecendo-lhes refeições em suas casas.

Despertava a curiosidade pública, não somente o tipo diferente, como a indumentária estranha.

Faziam suas refeições no local e os italianos preparavam a polenta em um grande caldeirão que era mexida com uma acha de lenha.

Muitos prosperaram à custa de seus esforços e hoje seus descendentes desfrutam de fortuna e conforto, tendo contribuído para o nosso progresso”.


“Pobre gente iludida. Penúria e miséria”, diz jornal

A situação da longa espera em nosso porto era tão caótica, que o jornal lagunense A Verdade, de 11 de março de 1880 em editorial, pedia providências e demonstrava indignação pela situação dos imigrantes que aqui chegavam aguardando o transporte até as Colônias.

Imigrante – A população desta cidade sente-se ainda tomada de um sentimento de compaixão misturado de outro de indignação que lhe foi despertado pelo fato de ver, andarem de porta em porta, esmolando, diversas mulheres dos imigrantes que aqui passaram em viagem para o Tubarão.

Compaixão por ver a penúria, a miséria, as necessidades mil que pesam sobre esses infelizes que abandonam a pátria, por nela não poderem mais viver, e vem em nossa procurar o pão para matar-lhes a fome, um pedaço de pano com que cobrir-lhes o corpo quase nu.

Indignação por ver o procedimento desse governo que se diz liberal, filantrópico e humanitário e no entretanto deixa que essa pobre gente venha iludida, supondo encontrar aqui meios e auxílio para conseguir aquilo de que carece, quando apenas se lhe fornece meio de transporte até a capital; sendo preciso que a assembleia legislativa provincial votasse a quantia de um conto de réis para a continuação de sua viagem até o lugar dos Morrinhos no Tubarão que dista da colônia Azambuja, para onde se dirigem os imigrantes, cerca de 8 ou 10 léguas!

Como transportar-se essa gente dos Morrinhos à Colônia? Como subsistirem esses desgraçados imigrantes a quem em nada pode auxiliar o respectivo diretor, em vista das instruções que tem?

Eis mais um fato que se vai prender à cadeia das calamidades que tem acarretado consigo, para o país, o inditoso gabinete Sinimbú”.

Gabinete Sinimbú refere-se ao ministério formado pelo Partido Liberal em 5 de janeiro de 1878, chefiado por João Lins Vieira Cansação de Sinimbú. Gabinete dissolvido em 28 de março de 1880, portanto menos de vinte dias após esse editorial do jornal A Verdade.

E continuaram chegando

E os imigrantes italianos continuarão chegando ao Porto da Laguna pelos anos seguintes.
Serão parentes, amigos e patrícios contemplados com as novas medidas do Império para emigrar para o sul do Brasil.
Em 29 de dezembro de 1883 será a vez de 240 imigrantes aportarem na Laguna com o Paquete a Vapor S. Lourenço com destino à Colônia de Grão Pará.

A Verdade 30 de dezembro de 1883

Para o mesmo destino de Grão Pará, em 28 de março de 1884 a chegada pelo S. Lourenço de mais 24 imigrantes.
Em 9 de janeiro de 1885, pelo paquete Humaytá chegaram ao porto da Laguna 50 imigrantes com destino a Urussanga, Azambuja e Grão Pará. A viagem da capital Federal a Desterro havia sido feita pelo paquete Rio de Janeiro.

A Regeneração 16 de janeiro de 1885

Cheios de esperanças os imigrantes aqui chegaram. E foi pelo mesmo porto da Laguna que partiram em pequenas embarcações a remo ou puxados por cordas pelo Rio Tubarão em busca de seus destinos, da sonhada paz, segurança e liberdade.
Vinham esgotados da crise econômica-social que assolava a Europa.
Para trás deixavam sua pátria, seus parentes, amigos, tradições, suas aldeias e seus mortos enterrados em solo pátrio. Era um renascimento que ocorria.
Por dias aguardavam no porto lagunense o momento de prosseguir a viagem pelo rio para ocuparem as terras demarcadas para o recomeço.
Aqui ficavam dias na ansiedade da espera. A maioria deles com poucos pertences. Muitos somente com a roupa do corpo.
Tinham a solidariedade dos lagunenses e o apoio da imprensa local que clamava para eles melhores condições de hospedagem e alimentação.

A partir de 1º de setembro de 1884 o embarque era por trem

Posteriormente, com a inauguração da Estrada de Ferro Thereza Christina em 1º de setembro de 1884, os imigrantes que chegavam ao porto da Laguna já embarcavam na Estação do Campo de Fora com destino a Tubarão e posteriormente à Estação de Pedras Grandes.
Enquanto isso, nas colônias dezenas de atafonas movidas à água iam sendo construídas para fabricação da farinha de milho, usada no preparado da polenta.

Uma casa de Imigrantes italianos no século XIX. Fonte: Publicação Comemorativa da Passagem do Centenário da Comarca da Laguna-1956.

Uma estrada para carroças foi aberta entre Pedras Grandes e Azambuja, depois continuada até o Vale de Urussanga. Casas são construídas.
Tempos depois, a produção colonial de toda a região era levada para Pedras Grandes, tornada um grande entreposto comercial do Sul do Estado, principalmente após a inauguração da Estação da Estrada de Ferro.
Com isso a produção de banha, cereais, carnes, era escoada pelo Porto da Laguna que, usado como porto final da chegada dos imigrantes agora era o responsável pela exportação dos produtos. Laguna era o grande empório atacadista.
Com a produção veio a prosperidade e o progresso, melhorando a qualidade de vida dos imigrantes, negociantes exportadores e armadores da região.

Surge a primeira fábrica em Pedras Grandes

Um exemplo dessa produção em tão curto espaço de tempo foi dado por Sylvio Zanetta, imigrante em Pedras Grandes. 
Em 1884 levantou com alguns parentes e amigos a quantia de 30:000$000 (trinta contos de réis) para instalação de uma fábrica, a vapor, de sabão, velas, banha de porco, salsinhas, carnes e presuntos.
O local escolhido para sua instalação foi nas proximidades da Estação Ferroviária de Pedras Grandes.
No começo de 1885 a máquina oriunda da Europa havia chegado no Rio de Janeiro e logo embarcada no palhabote “Salvato”, para o porto da Laguna.
Daqui foi transportada em vagão de carga da Ferrovia Thereza Christina para a Estação de Pedras Grandes.

Primeira produção foi embarcada no porto da Laguna

Sete meses depois de montados os maquinários, em 30 de julho de 1885 a primeira produção foi embarcada no paquete Humaytá no Porto da Laguna com destino ao mercado consumidor do Rio de Janeiro, consignada à empresa Ernesto de Oliveira & Cia.

E narra o jornal lagunense A Verdade de 2 de agosto daquele ano, de onde retirei esses dados:

“A carga, ao que consta, é de 145 barris de banha, 14 caixões com carne salgada e 56 barris com carne em salmoura, preparado tudo nas Pedras Grandes, no importante estabelecimento de produtos suínos, creados pelos srs. Sylvio Zanetta & Cia.
Em breve esperamos ver preparados presuntos, salpicões, paios, linguiças, mortadella, salames, toucinho, salsichões e muitos outros variados productos da indústria suínica".

A Verdade 2 de agosto de 1885


Nos trapiches (ainda sem o cais em granito) do velho porto da Laguna, estivadores escoam manualmente a produção agrícola do sul do estado. Entre os produtos estavam a banha, a carne de suíno e seus derivados, o peixe seco e a farinha de mandioca.

Era a pujança do porto da Laguna que havia recebido meses antes os primeiros imigrantes da Europa em direção aos seus lotes de terras demarcadas no sul do Brasil.
O mesmo porto que agora exportava para outras praças comerciais os produtos que em tão pouco tempo foram produzidos por esses mesmos imigrantes.
Desde então, os italianos e suas descendências imprimiram uma nova marca ao sul do estado, impulsionando seu desenvolvimento. 
Um legado de trabalho, fé e austeridade. E que prossegue ainda hoje.

6 comentários:

  1. Geraldo de Jesus17/10/2025, 09:21

    Ótima matéria, material de pesquisa. Precisamos conhecer mais nossa história e antepassados. O sul deve muito aos italianos.

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  2. Mostrando nossa rica história. Nova geração desconhece tudo isso. O sul de Santa Catarina é o mundo. Temos praias, água termais, serras e um povo de tradição. Valmir, ótimas páginas.

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  3. Material digno de ser comentado nas salas de aula pra que nossos alunos conheçam um pouco mais da nossa história.
    Afinal, não foram somente os açorianos que para cá vieram.
    Hélio Silva

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  4. Na verdade poucas pessoas sabem o quão importante é o Porto para história da Laguna. Se fizer uma enquete sobre o assunto somente alguns idosos vão dizer que sabiam da imigração italiana através do Porto. E quem ler a matéria tão bem pesquisada, estudada e elaborada pelo amigo Valmir, conseguirá ter uma ideia precisa de como o sul de Santa Catarina e norte do Rio Grande do Sul se desenvolveu, principalmente com a cultura do arroz. Parabéns amigo!

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  5. Edison de Andrade17/10/2025, 22:35

    Alô, alô professores de história vamos trabalhar esse texto em sala de aula? Maioria dos alunos desconhe os italianos em nosso porto.

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  6. Excelente texto, excelente e detalhada pesquisa sobre os primórdios da imigração italiana em terras catarinenses, com os contingentes de colonos desembarcando em nosso porto. Confesso que desconhecia essa faceta da nossa história, que bem retrata a coragem, a fibra e o desejo de italianos e italianas de se estabelecer e prosperar em terras de além-mar, inóspitas e desafiadoras. Uma verdadeira saga. Parabéns. Abraço

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