“Não
sei se a gente tem saudade daquilo que realmente viveu, ou daquilo que pensou
ter vivido, ou daquilo que desejou viver. A memória seleciona e idealiza”.
(Do
personagem Pedro, no livro “Aos meus amigos”, de Maria Adelaide Amaral).
Pois
é! Vez ou outra mergulho no túnel do tempo e passo a folhear minhas páginas da
memória.
Isso
acontece de repente e penso que sucede com todo mundo. Basta um nome, uma voz,
um trecho de uma canção no rádio, a cena de um filme, uma rua, um local, um canto qualquer, o
sabor de uma comida, o título de um livro, o nome de um amigo da
adolescência... uma fotografia...
Que
a memória seleciona e idealiza acontecimentos, não tenho dúvida. E é melhor que assim seja. Já pensaram nossa memória somente gravando funestos fatos, imagens
desagradáveis, lembranças amargas do que aconteceu conosco? Bem por isso nossa tendência em sempre melhorar as lembranças dos fatos que, muitas vezes, não foram assim tão bons.
Até
para nossa sobrevivência psicológica é melhor dessa maneira, não achas? Deus é sábio.
Por outro lado
há quem diga que lagunense já nasce saudosista e que desde a mais tenra idade
se acostuma a ouvir suspiros nostálgicos de seus pais que relembram o passado
glorioso da “terra do já teve” e que hoje pouco tem.
Pois deve ser
uma variação, um mezzo a mezzo dessa tradicional melancolia que “contagiou” amigo meu e o motivou
a pedir-me que relembrasse e escrevesse algo sobre a “nossa” Laguna de 40 e
poucos anos atrás, palco então de nossa juventude.
Obviamente, e
como deve estar ocorrendo com o leitor nesse momento, retruquei que os acontecimentos
de meados de 1970 não estão tão longe assim, ao menos no padrão do calendário
lagunense onde memórias de acontecimentos costumam ser centenárias.
Para
consolidar meu argumento, puxei pela memória, rebusquei exemplares do jornal
“Semanário de Notícias” daqueles anos, relembrei fatos, locais e nomes e... mudei de ideia.
Laguna possuía tantas atrações e festas. A
vida era bem mais descontraída. Talvez até continue sendo, mas como lá se vão
mais de quatro décadas e os cabelos também vão embora ou branqueiam, aparecem estranhos ruídos no esqueleto, esquisitas dores gerais e a miopia
surge, a ótica talvez seja outra, não sei bem.
Parece que foi
ontem realmente, mas quantos já se foram, tantas ausências...
Às vezes me
pergunto quantos outros caminhos poderíamos ter trilhado já que frequentávamos “a mesma praça e o mesmo banco do jardim...”.
Mas, enfim,
com tantos problemas assolando nosso mundo, país, estado e cidade. Com essa pandemia
de vírus e notícias alarmantes de novas mutações, esse distanciamento e isolamento social que mudaram o planeta e parecem não ter fim, faço uma pausa e me entrego ao devaneio, à nostalgia e a
um breve retrospecto daqueles verdes anos aqui na Laguna onde:
A cantora Fafá
de Belém se apresentava no Clube dos Cem (hoje Praia Clube), no Mar Grosso. O bar Toca da Bruxa,
do Walmor Crippa servia a “bira mais ouriçada do pedaço”, como então se dizia no linguajar da época.
A boate do Laguna Tourist Hotel (Gaiola de Ouro) era a “coqueluche” da juventude. Os mais variados shows com grandes artistas do Brasil no auge de suas carreiras. Veja:
No anúncio publicado no jornal Semanário de Notícias de 10 de janeiro de 1976, os shows programados para a Boate do Laguna Tourist Hotel. Só estrelas da nossa Música Popular Brasileira. |
A
apresentadora de televisão Lolita Rodrigues (Programa Almoço com as Estrelas, com seu marido Aírton pela Tupy) participava da Comissão Julgadora
do carnaval das nossas Escolas de Samba.
As Sociedades Recreativas Anita Garibaldi, no
Campo de Fora e 3 de Maio no Magalhães anunciavam quase que semanalmente bailes com o conjunto de Imbituba, The Claytons. Sucesso, os dois clubes sempre lotados.
Lembro de uma performance do Claytons com a música Time do Pink Floyd do álbum The Dark Side Of The Moon recém-lançado ali por 1973/74. Foi um show. Parou o Clube Anita.
Os tradicionais
bailes nos Clubes 3 de Maio, Blondin e Congresso eram aguardados ansiosamente o
ano inteiro.
Baile no Clube Blondin atraía sempre um ótimo público, que ainda dançava coladinho e agarradinho. Ai, ai. |
Os saudosos
Abelardo Bullos, Richard Calil Bullos, Ruben Ulysséa, Archimedes de Castro Faria, Munir Soares e Sílvio Silveira,
este último com sua coluna “Folha Seca” sobre futebol, colaboravam com o
“Semanário de Notícias”, juntamente com o mestre Agenor dos Santos Bessa que facilmente ainda encontrava alguém que merecesse o título de sua concorrida coluna
“Para Quem Eu Tiro o Meu Chapéu".
A moda era
frequentar o restaurante Peralta, ali na “Paixão”, onde Jairo Duarte, aos
sábados, preparava suculentas “dobradinhas” e feijoadas.
Na
política o jovem vereador oposicionista José Paulo Rebelo (MDB) destacava-se na Câmara com seus inflamados
discursos da tribuna, enquanto Mário José Remor e João Gualberto Pereira em
1977, eleitos prefeito e vice de nossa cidade em novembro do ano anterior, iniciavam a sempre lembrada gestão.
Em 1978, Laguna participava do Programa de Gincana Cidade X Cidade, de Sílvio Santos, que mostrou nossa cidade para todo o Brasil. Uma vitrine turística e um sucesso de audiência. Disputamos com as cidades paulistas Tupã, Caçapava e Jacareí. Íamos até São Paulo torcer no Teatro Manoel da Nóbrega na Vila Mariana, viajando em quase duas dezenas de ônibus..
Faz tempo. O
ex-prefeito da Laguna Saul Baião com a esposa Sônia ainda frequentavam o restaurante Nice, do seu Rodolfo Michels, saboreando o prato mais famoso da casa, a maionese de camarão, preparada pela dona Marina.
A famigerada
CODISC prometia a usina de álcool na Estiva.
Era anunciado
que Laguna teria uma faculdade, sonho realizado somente décadas depois.
Uma área na
entrada da cidade era reservada pelo governo do estado para instalação de
indústrias. Ficou conhecida como área (Distrito) do butiá, em nome sugerido jocosamente pelo
colunista Munir Soares.
Novas placas
de sinalização eram colocadas pela cidade e no bairro Magalhães acontecia o 3º
festival de chope.
O bancário
Munir Soares, nos sábados à tarde, reunia a gurizada, organizando campeonatos e torneios infanto-juvenis no Ginásio de Esportes Bertholdo Werner (chamado por nós de ginásio coberto, inaugurado em
1975). Participei jogando pela equipe Santé.
NosUmsábados à noite o palco era o mesmo para o campeonato citadino de futebol de salão, de célebres partidas entre as
equipes Romer, Anita, Congresso, Blondin, Iate Clube e Candemil. Além do
Benfica de Imbituba. Arquibancadas lotadas. Era programaço!
Aos domingos
íamos para o campinho do Magalhães (Praça Polidoro Santhiago) acompanhar as
partidas de futebol entre Caxias, Tupy, Portuguesa, América, TEP, entre tantos outros
times. E chupar laranjas e beber água na compartilhada caneca de alumínio no
poço do quintal da dona Adalgisa.
Jairo Ulysséa
Baião, Amélia Baungarten Baião, Elisabeth Mussi, Natércia Faria Ferreira, Elza
Nascimento, Norma Bascherotto, Cleusa Horn Araújo, Maria de Lourdes Barros, Ronaldo Pinho Carneiro,
Sérgio Martins Nacif e Maria Isabel, Adib Abrahão Massih, Emílio Padilha, Maria
da Penha Silveira Pinho, Márcio José Rodrigues, José Paulo Arantes e Rosangêla
Cunha formavam a equipe de professores dos cursos Científico e Integrado
(Núcleo Comum), do CEAL. TIMAÇO !!
Praticamente todos
nós alunos que partíamos para os disputados vestibulares nas faculdades e universidades do país obtínhamos êxito.
Sem falar em
todos os outros e ótimos professores daquele estabelecimento escolar nos demais
cursos, Núcleo Comum (Integrado), Análise Química, Magistério...
Além dos professores do Colégio Comercial Lagunense (CCL), com seus noturnos cursos técnicos e concorridas formaturas no palco do Cine Teatro Mussi. Daria um livro só com histórias desses dois colégios, seus funcionários, alunos e professores.
Solenidade de formatura do CCL. Concorrida, com plateia lotada no Cine Teatro Mussi. Muita gente conhecida. |
Mas isso foi lá
por volta de 1977... faz muito, muito tempo...
Carlos Araújo Horn
arrendava o Cine Roma das irmãs Bianchini (Zita e Eliane), as sessões no Cine
Mussi aos sábados e domingos eram concorridíssimas, quantos namoros ali
iniciados... juras de amor eterno, mão na mão... beijos roubados...
Antes uma pipoca no carrinho Princesa do Sul, do seu Santos.
Dar um rolê no
Jardim Calheiros da Graça era de praxe, não sem antes passar na Miscelânia da rua XV de Novembro para
saborear um sorvete de uva, butiá ou côco. Quem sabe um chocolate? Vai um Prestígio,
um Lacta, Lollo ou um pirulito Zorro ou de bola? Uma Menta? Quem sabe só um chiclete ping-pong? Ou Adams? Uma bala azedinha ou Chita?
Uma chegada na lanchonete Vip's para o X Salada também era ritual.
Tempos das
calças Lee, US Top, jaquetas jeans ou de couro, calça boca-de-sino, floridas batas, saias indianas, tamanquinhos de madeira, sapato Cavalo de Aço. Um look meio hippie e ainda seguindo à moda dos anos 60.
O radialista João Manoel Vicente já dizia as suas (e nossas
verdades) no comentário do dia, e junto com Jorge Luiz de Miranda como repórter, formavam dupla imbatível no Grande Jornal Falado Garibaldi.
Aos domingos
os almoços das famílias lagunenses eram ao som de Manoel Silva e seu violão, em seu programa no rádio "O Seresteiro
Canta".
1975, 76, 77, 78...
bons tempos talvez meu amigo que provocou essas recordações, esse saudosismo
fora de hora neste fim de ano. Fatos que a bem da verdade não interessam a quase ninguém, a não ser aos
personagens que viveram à época.
São muitas outras recordações - e já me estendo em demasia neste post -, que nossas retinas e mentes ainda guardam. Imagens e
lembranças que parecem tão distantes, mas que são revividas em cada página de
nossa memória cada vez que a folheamos.
Já dizia um
poeta: “O tempo foi algo que inventaram para que as coisas não acontecessem
todas de uma vez”.
Parece que foi
ontem realmente, mas o relógio da nossa Matriz estava parado (como está nos
dias atuais), quem sabe em vã tentativa de segurar os ponteiros, de fixar uma
época, de parar um tempo que não volta.
Não volta
nunca mais...
Velhos tempos, belos dias!!! Ótima leitura propicia para os dias de hoje. Mas, o que seria do ser humano se não fossem as lembranças saudosas do bom tempo...
ResponderExcluirBem isso Kátia. Tudo o que vivemos nos transformou o que somos hoje. Lugar comum eu sei, mas uma verdade.
ExcluirNossa!!! Essa foi para fazer a gente viajar. Dei voltas e voltas ao passado. Muito bom, Valmir!.
ResponderExcluirDe voltar mesmo ao passado minha amiga. Zuleida. Tempos muitos bons da nossa juventude não é verdade?
ExcluirAgradeço a leitura
Uma viagem no tempo. Quanta saudade. Foi parte de nossa história que com certeza sera lembrada com alegria e gratidão,pois foi maravilhoso!
ResponderExcluirObrigada Valmir por proporcionar essas eternas lembranças.
Volta sim Valmir! Voltou nas asas da tua narrativa! Feliz Natal, amigo!
ResponderExcluirUm Feliz Natal pra ti também.
ExcluirObrigado por ler o Blog.
Caramba, retratasse bem a nossa época. Cheguei a sentir o gosto do sorvete da Miscelânea. PQP. Ouvi até o aviso do Mussi que o filme já ia começar. Abri um vinho só pela leitura do teu Blog. Um abraço
ResponderExcluirGeraldo de Jesus
Aquele gongo do início da sessão é inesquecivel.
ExcluirUm vinho, uma saudade...
Tudo de bom. Grande abraço e agradeço a leitura.
Valmir quando terminei de ler tudo que vc escreveu me senti feliz e triste ao mesmo tempo ...feliz porque tivemos o privilégio de viver intensamente a nossa adolescência e juventude em tempos de ouro ,quando tudo era mágico e tudo verdadeiro e triste por aqueles que não vivem e jamais vão viver pois hoje o mundo deles totalmente diferente do nosso infelizmente.eu gosto muito de ler os seus relatos pois sem dúvidas você não esquece de nada impressionante .
ResponderExcluirParabéns Valmir
Beijo no seu coração
Tempos de ouro verdadeiramente o que vivemos. Por isso a saudade. Mas vivemos e isso é o que importa.
ExcluirFaltou te identificares...
Abraço e agradeço a leitura.
"Nossa linda juventude, página de um livro bom" (Linda Juventude - Flávio Venturini/Márcio Borges) é o que rememoro sempre, quando, mesmo sem que haja alguém por perto, reencontro lugares, avisto pessoas, visito memórias da minha infância e juventude, aí, em Laguna.
ResponderExcluirSe há alguém por perto e que também vivenciou esse passado, melhor ainda: a conversa parece não ter fim.
Valmir, foi um mergulho profundo.
Obrigado pela referência ao seresteiro Manoel Silva, me pai, e ao seu programa dominical O Seresteiro Canta, no qual tive o prazer de atuar (outra reminiscência), mesmo que de forma bissexta, como locutor. Bons tempos. Abraço de boas-festas do Adolfo PV da Silva
Amigo Adolfo a nossa cidade guarda em cada casa, em cada esquina, no encontro com um amigo ou conhecido as marcas do nosso passado. Importante é que vivemos, se chorei ou se sofri. Aliás, se diz que quando dois lagunense se encontram a conversa vai longe, amanhece. Se não brigarem.
ExcluirAgradeço a leitura e o sempre comentário.
Abraço e Feliz Natal pra ti e família.
Meus Deus! Vivi tudo isso. 3 de Maio, Anita, Blondin... No Cine Mussi era uma festa. E os rapazes entravam depois do início do filme pra não dar bandeira. Já deixávamos uma cadeira reservada. Hummm
ResponderExcluirSaudades.
Valeu Valmir
Rosângela Almeida
No escurinho do cinema...chupando droops de anil... Já cantava a nossa Rita Lee.
ExcluirAgradeço a leitura Rosângela
Valmir, que chic tu recebendo o diploma da Maria de Lourdes. De terno e tudo. Caprichou. Um gato. Ou seria um pão com 17 anos?
ResponderExcluirAbraço
Edison de Andrade
Caprichei né? Terno mandado fazer no Toni's Confecções, que ficava na Raulino Horn junto com a loja do seu Cazeca. Putz!! Faz tempo.
ExcluirPão é por tua conta. Seria da Padaria Imperatriz?
Me emocionei. Juro. Fiz uma viagem e me lembrei desses lugares todos, de tanta gente que partiu num rabo de foguete...
ResponderExcluirComo já disse alguém a tua narrativa é tudo e transparece emoção. A gente sente o escrito. Valeu.
Hélio de Almeida Florianópolis
Escrito de enxurrada, com emoção, as teclas fervendo. Mas assim que é gostoso.
ExcluirValeu também pela tua leitura Hélio. Abraço
Valmir o Cacau hoje no quadro dele ao meio-dia na NDTV mostrou aquela publicidade dos shows no Tourist na década de 70 que trouxesse no teu Blog. Falou da?saudade daqueles tempos
ResponderExcluirMaria de Lourdes Cardoso
Sim sim assisti. O pessoal de Floripa vinha em peso para as atrações do hotel. E Cacau viveu bem isso. Inclusive como DJ.
ExcluirObrigado pela leitura e pelo aviso.
Parabéns pela matéria. Viajei no tempo. Muito bom.
ResponderExcluirRICARDO A SILVEIRA
De viajar mesmo Ricardo. Passando por boas recordações.
ExcluirAgradeço tua leitura. Abraços
Muito legal a matéria. E estou na foto do baile do Blondin. Adorei kkkkkkk Abração.
ResponderExcluirAgradeço a leitura, meu caro Gero. Abraço
ExcluirParabéns pelo belo texto . Voltei no tempo . Éramos felizes e não sabíamos.Belos tempos , velhos dias . Abraço .
ResponderExcluirAgradeço a leitura. Sim. Vivesses também aqueles dias. Aliás, estás na foto da turma da "Grutinha".
ExcluirAbraço
Muito show Valmir. Linda viagem de volta ao passado. Foram ótimos momentos da nossa linda juventude. Também estou em uma das fotos. Um forte abraço.
ResponderExcluirExcelente!!!! Feliz 2021!! Saúde e Felicidades!!
ResponderExcluirQue grande retroativa dum tempo muito bom, diferente. Mais humano! Fiquei emocionado!
ResponderExcluirComo diz o Gê. " A fotografia eterniza o momento".
ResponderExcluirParabéns Valmir.
O calçadão do Mar Grosso existiu até que ano?
ResponderExcluirNão teve um ano definitivo. Foi acabando-se aos poucos em fins da década de 90 e começo da década de 2000. De 2005 a 2012 foi seu final, transformado novamente em rua.
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