quinta-feira, 11 de agosto de 2022

Viajantes do passado: 13 horas de Porto Alegre a Tubarão

 
Percorrendo quilômetros pelas faixas de areias de praias, enfrentando buracos e lama, arriscando-se a atolamentos, atravessando canais e rios em precárias balsas, com ônibus sendo puxados até por juntas de bois.
Assim era o transporte rodoviário nas décadas de 1940 a 1960 na região sul catarinense. Desafio para pioneiras empresas e também para motoristas e passageiros. 
Um viajante do passado narra uma dessas viagens feita em abril de 1950.

Quem hoje viaja em confortáveis e rápidos ônibus interestaduais entre o Rio Grande do Sul e Santa Catarina, ou vice-versa, com percursos feitos em poucas horas por rodovias asfaltadas e duplicadas, não imagina os primórdios do transporte rodoviário aqui no sul do estado.
Na década de 1950, por exemplo, uma viagem de Porto Alegre a Tubarão podia levar 13 horas. Trajeto em grande parte feito pelas faixas de areias das praias do sul.
Um ônibus da empresa Santo Anjo da Guarda com itinerário Florianópolis-Porto Alegre atravessa sobre a balsa no canal da barra da Laguna.
Para e de Florianópolis, não era diferente. Os ônibus iam e vinham em grande parte do percurso passando pela faixa litorânea e sujeitando-se às oscilações das marés.
Entre Porto Alegre e a capital catarinense ou vice-versa se dependia da travessia sobre precárias balsas no canal da Barra da Laguna e também sobre o Rio Mambituba, em Torres. O trajeto por Laguna até Jaguaruna, com início na Passagem da Barra, se dava em terra de chão batido, como então se dizia.
Pioneiros ônibus e funcionários da Empresa Santo Anjo da Guarda. (Trajeto Porto Alegre-Tubarão) Foto: Divulgação/Site da Empresa Santo Anjo.
Os pioneiros proprietários das empresas de transportes arriscavam seu capital em investir neste setor ainda tão incipiente em infraestrutura terrestre. E os passageiros e motoristas não menos pacientes e corajosos em enfrentar os trajetos das viagens.

As três antigas pontes
O gargalo do Canal das Laranjeiras, na Cabeçuda era atravessado somente por canoas e pela velha Ponte da Estrada de Ferro Tereza Cristina, inaugurada em 1º de setembro de 1884, para transporte de carga e passageiros.
A segunda ponte ferroviária (e exclusivamente ferroviária), construída paralela à antiga, denominada Henrique Lage foi inaugurada em 14 de março de 1947, com grande festividade, presenças de autoridades e da nossa Banda Musical União dos Artistas.
As três pontes sobre o Canal das Laranjeiras, na Cabeçuda, na Laguna. A primeira de 1884; a segunda de 1947 e a terceira de 1959.
Somente em 18 de julho de 1959 em caráter experimental foi aberta ao trânsito público a ponte rodoviária sobre o Canal das Laranjeiras, na Cabeçuda, construída também em paralelo às duas ferroviárias e executada pelo então Departamento Nacional de Estradas e Rodagens – Dner.
A partir desta data é que se eliminou o maior ponto de estrangulamento do sistema rodoviário no sul catarinense. É quando as linhas de transporte público abandonam o antigo trajeto Laguna-Jaguaruna. 

Diário de uma viagem 
Em 1950 o correspondente em Tubarão do jornal lagunense O Albor narrou as peripécias de uma viagem dessas.
Ele contou pelas páginas do tradicional semanário que levou 13 horas para completar o trajeto Porto Alegre-Tubarão, enfrentando água, lama e buracos com o ônibus sendo até puxado por juntas de bois.
É um interessante relato de uma viagem feita no dia 22 de abril de 1950, portanto há 72 anos, narrado com suas peripécias e seus percalços.

Viajando de ônibus de Porto Alegre a Tubarão em 1950
                                                  (Correspondente do Jornal O Albor)
 
“Entre Tubarão e Porto Alegre correm diariamente ônibus de passageiros das empresas Delta e Santo Anjo. Geralmente viajam lotados, conduzindo gaúchos que vêm para o balneário da Guarda ou catarinenses que se dirigem à capital gaúcha.
Dia 22 regressamos de Porto Alegre num ônibus da Delta. Partimos às 4 horas: às 6 estávamos em Santo Antônio (da Patrulha) saboreando o aromático café com saborosos sonhos que o restaurante Boas-Vindas fornece aos viajantes.
As estradas do vizinho estado são de primeira ordem: largas, macadamizados longos trechos, outros asfaltados e ainda outros com faixas de cimento.
Até Arroio do Silva, balneário de Araranguá, viajamos bem, a boa velocidade.
Ao entrarmos no caminho que liga a praia à cidade de Araranguá, começou o suplício dos passageiros: buracos, lama e água em enormes extensões, provocando solavancos no veículo.
O motorista Emilio Guimarães, hábil que é, envidava esforços para proporcionar viagem menos penosa aos seus passageiros, mas sem resultado.
A excelente rodovia entre Araranguá e Rio Mãe Luzia, que o incansável engenheiro Annes Gualberto construiu com tanto carinho – na qual teria dispendido boa soma – está em mau estado em vários lugares.
Não nos foi possível transitar pela Estrada do Morro da Fumaça, em virtude de não permitir o seu péssimo estado uma viagem sem riscos.
O motorista Emilio resolveu trazer-nos pela estrada de 13 de Maio, que as chuvas da última semana deixaram enlameadas e com buracos.
Em certa altura o sr. João Eduardo Bergmann forneceu-nos uma junta de bois para arrastar o ônibus numa boa distância.
Mais adiante, no morro próximo à propriedade do sr. Adolfo Bortoluzzi, ficamos novamente imobilizados. Não fora a bondade do sr. Bortoluzzi, nosso prezado e velho amigo, que gentilmente ofereceu-nos outra junta de bois que puxaram nosso auto até terreno seco, lá teríamos pernoitado.
Populares e um guapo gaúcho, nosso companheiro de viagem, auxiliaram com enxadas na remoção da lama.
Chegamos aqui às 17 horas, exaustos. Todos demos graças a Deus em termos feito o percurso dos 410 quilômetros em 13 horas apenas.
Se algum dia for concluída a rodovia Tubarão-Criciúma, as viagens desta cidade a Porto Alegre se farão em 10 horas no máximo, quando a praia estiver boa e a balsa do Mampituba der passagem”.

9 comentários:

  1. Muito interessante. Memória de um tempo.

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  2. Que legal! Parabéns pela matéria!

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  3. Lembro quando pequeno eu tinha uns 5 anos íamos sempre no verão a casa do meu avô em Itajaí e a viagem era um supricio, ônibus da viação Glória saia de flpolis as 12 horas para chegar em Laguna as 18 hs se o Morro dos Cavalos e a tal das Sete Pontes na região de Garopaba dessem condições de passagem senão chegava aqui pelas 22 horas.

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  4. Nasci em Tubarão em 1951. Enfrentamos essa viagem até Porto Alegre várias vezes para visitar os parentes da nossa mãe que moravam em Novo Hamburgo. Avô, avó, tios e primos. Saíamos 2, 3 h da madrugada de Tubarão e chegávamos em P.A. a partir do meio da tarde.

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  5. Edison Andrade11/08/2022, 14:49

    Valmir, e o pessoal ainda reclama hoje em dia. Vai fazer uma viagem dessas vai como nossos antepassados. É de doer o esqueleto.

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  6. E tem gente que reclama de andar de Fusca.

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  7. As viagens que fazia para visitar meus Avós e Tios em Laguna, saindo de Santos/SP pela viação Penha até Floripa e Santo Anjo até Laguna também eram uma aventura nos anos 60.

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  8. Valmir... no início dos anos 60 eu morava na Avenida João Pessoa,que era uma rua que no final dava acesso a balsa e ao bote que transportavam pessoas e veículos para a região da "passagem da barra". Naquela época tinha um volume de caminhões que passavam do norte do estado (Florianópolis, Itajaí, assim como, outros que demandavam do sul para o norte... que junto com alguns ônibus, acabavam sendo um razoável trânsito no pacato bairro do Magalhães. A balsa era de propriedade do Sr. Otávio Búrigo que morava no centro explorou a travessia por muito anos. Lembro também, que no lado da barra tinha uma especie de "estalagem" onde o Sr. Antonico Deco oferecia lanches, refeições e eventualmente acomodação para os desavisados que "perdiam o horário" no final do dia e/ou a balsa estava com problemas mecânicos... ou ainda o mar e ou vento impediam a operação. Todo este movimento cessou com a inauguração da Ponte da Estrada de Rodagem de Cabeçudas, sendo que a partir daí outros empresários exploraram o serviço da balsa... que nos últimos anos foi muito melhorado, oferecendo transporte praticamente durante as 24 horas do dia.
    Grande abraço do Adolfo Bez Filho - Joinville / SC

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