quinta-feira, 15 de abril de 2021

Um Palacete abandonado no Centro Histórico

Ele já foi de moradia. Ele já sediou a chamada Coletoria (depois Exatoria) da Fazenda Estadual. Nele já funcionou a 18ª Delegacia Regional de Polícia e Ciretran. Ele já foi local da secretaria Municipal de Educação.
Hoje o palacete situado na rua Santo Antônio, no Centro Histórico da Laguna está abandonado, em estado precário de conservação, com suas obras de arte no muro lateral aguardando um futuro que não chega. 
O Palacete da rua Santo Antônio nº 24.
Dois cachorros de porcelana portuguesa, silenciosos, postados em dois pilares do portão lateral, não latem para o descaso.
O imóvel de arquitetura luso-brasileira, telhado arrematado com platibandas ornamentais  virou há tempos um depósito de inservíveis, do que não se usa mais, do lixo. Arquivo-morto de um tempo que passou.
Suas paredes carunchadas, tricolores, guardam lembranças etéreas que se perderam no tempo. Vozes distantes, imagens difusas.
Lá está a casa atravessando os anos e gestões, aguardando uma restauração que nunca vem.
Poderia servir para sediar a secretaria Municipal de Turismo ou a Fundação Lagunense de Cultura. É um belo prédio. De rica arquitetura, centenário, histórico, central, turístico.
Precisa ser restaurado. Quem sabe um fundo perdido? Uma emenda impositiva conseguida através de um deputado? Um projeto em busca de verbas à cultura estadual ou nacional? 
Um projeto à secretaria Especial de Cultura? Ao Ministério do Turismo? Ao BNDES? Ou uma verba tal e qual à concedida para o PAC de cidades históricas que tão bem restaurou a sede da Banda Carlos Gomes, a Casa de Anita, Casa Candemil e os Clubes Operária, Blondin e Congresso Lagunense?
Qual vereador e deputado poderiam abraçar essa causa? Qual entidade?
Até quando assistiremos a mais um imóvel público se deteriorando, este em pleno centro histórico, enquanto a prefeitura paga vultosos aluguéis para suas instalações?
Até quando?

Histórico
Em suas lindas janelas ogivais pessoas se debruçaram e foram partícipes e testemunhas de gerações que passaram pela rua Santo Antônio nº 24, acompanhando procissões, desfiles cívico-militares, o dia-a-dia da rotina da vida lagunense.
O imóvel foi construído no final do século XIX por João Guimarães Pinho (Jones), filho de Manoel José Dias Pinho e dª Maria Guimarães Pinho.

Quem foi João Guimarães Pinho
João Guimarães Pinho nasceu na Laguna em 20 de março de 1865. Depois de alfabetizado foi para o Rio de Janeiro onde estudou no Colégio Abílio e no Dom Pedro II.
João Guimarães Pinho. Fonte: Memória Política de Santa Catarina/Carlos Humberto Pederneiras/Os Governantes de Santa Catarina de 1739 a 1982. Editora da Ufsc, 1983.
Depois retornou a sua terra natal para trabalhar com seu pai e irmãos Salvato e Oscar Guimarães Pinho. Juntos com o progenitor eram sócios na empresa Manoel Pinho & Filhos, uma das mais importantes na Laguna, ligada ao ramo de importação e exportação, proprietária de navios e de moinho de arroz.
Aqui foi também juiz de Paz e suplente de juiz Federal.
João Guimarães Pinho pelo Partido Republicano Catarinense (PRC) foi eleito oito vezes deputado estadual. Chegou a assumir como presidente da Assembleia Legislativa de Santa Catarina e nesta condição assumiu a interinidade do governo do estado em 1914.
Foi provedor do nosso Hospital Senhor Bom Jesus dos Passos.

João Guimarães Pinho casou com dª Maria Otília Martins Pinho em 26 de abril de 1884.
Entre os filhos do casal, além de Cecy, Iracema, Manoel e Francisco, está dª Diva (Martins) Pinho Gomes, casada com João Rodolfo Gomes (Joca Moreira).
Dos filhos deste casamento, está dª Nelly (Pinho) Gomes Mattos, casada com Tancredo (Donga) Mattos, futuro proprietário do imóvel.
A árvore genealógica de ascendentes e descendentes é extensa, mesclando-se posteriormente a outros tradicionais sobrenomes lagunenses: Cabral, Ulysséa, Carneiro, Grott... Não é objetivo aqui, para esta matéria, estendê-la em demasiado.
No ano de 1929, João Guimarães Pinho mudou-se para o Rio de Janeiro onde faleceu em 12 de fevereiro de 1948.
Durante muitos anos colaborou com o jornal O Albor escrevendo a coluna "Cartas do Rio", usando o pseudônimo Arthur Machado, abordando assuntos da política nacional.
Em sua homenagem uma das principais vias do Mar Grosso na Laguna recebeu seu nome: avenida João Pinho; ainda em vida foi homenageado com o nome do pequeno jardim defronte à Casa Paroquial, ao lado da matriz. 
Em Braço do Norte em 1950 criou-se o Curso Normal Regional (mais tarde Ginásio Normal João Guimarães Pinho), anexo à EEB Dom Joaquim.

Posteriormente, como já informado, Tancredo (Donga) Mattos adquiriu o imóvel, chamado até então de “palacete dos Pinho” e vai nele residir com a esposa Nelly (neta, portanto, de João Guimarães Pinho). 
Ali nascem e vão ser criados todos os filhos: Edson, Nelson, Nancy, Sérgio e Norton.
Na gestão do governador Irineu Bornhausen (31/01/1951 a 31/01/1956), o imóvel é vendido por Tancredo (Donga) Mattos ao estado de Santa Catarina que nele instala a repartição da Coletoria Estadual. Vai funcionar ali durante anos, transformando-se em ponto de referência. 

Cachorros de porcelana portuguesa
O local vai ser referência por causa daquela importante repartição pública e, principalmente, por dois tradicionais cachorros de porcelana portuguesa postados em dois pilares do portão lateral, no recuo com escadaria.
Os dois cachorros de porcelana portuguesa.
Verdadeiras obras de arte. Apreciadíssimas, importadas pelo primeiro proprietário, Guimarães Pinho, da Fábrica DEVEZAS/José P. Valente, fundada em 1884 em Vila Nova de Gaia, em Porto, Portugal.
Devezas era uma fábrica especializada em louças de cerâmicas decorativas, azulejaria figurada e plástica ornamental. Tornou-se conhecida mundialmente pelas qualidades das peças, hoje objetos raros de coleções, antiquários e museus.
 Os dois cachorros de porcelana também estão precisando de restauro. Mais uma vez. Mas na Laguna parece que quase ninguém mais se importa com as nossas obras de arte. 

Restauro mais uma vez?
Sim. Em 1990 as duas peças de porcelana precisavam igualmente de reparos. Chamei atenção pelos jornais, protestei através das rádios.
Pouco depois foi conseguido pelo chefe do escritório do então Sphan (hoje Iphan) da Laguna, arquiteto Dagoberto Martins um restauro nas Oficinas do Centro Integrado de Cultura (CIC), em Florianópolis.
Os dois pedestais sem os cachorros em 1990.
Os cachorros foram retirados dos pedestais e para a capital do estado foram levados. Demoraram a retornar. Passaram meses, mais de ano. Problemas burocráticos quanto ao orçamento/empenho/pagamento a serem feitos pelo estado emperraram o processo. O pessoal na Laguna, já calejado pelo desaparecimento de outras peças, começou a cobrar das autoridades.
Artista Plástico e Restaurador Aldo Nunes (já falecido), recuperando os cachorros de porcelana em 1991. Foto: Valmir Guedes Jr.
Por conta própria fiz uma visita às oficinas do CIC. Lá estavam eles sendo restaurados por Aldo Nunes e José Carlos Boaventura. Fotografei as peças e o saudoso artista plástico e restaurador Aldo Nunes junto a elas. 
Fiz a matéria para o jornal Gazeta Lagunense de dezembro de 1991, em minha coluna A Bernunça.
Jornal Gazeta Lagunense de dezembro de 1991.
Semanas depois, com toda a pressão feita, inclusive com cobrança realizada pelo então prefeito Nelson Abrahão Netto (1989-1992) retornavam os cachorros de porcelana à Laguna e eram recolocados nos devidos lugares. Lá estão até hoje.
Mas precisam novamente ser restaurados e preservados com toda segurança.

Últimos anos
Com a saída da Exatoria Estadual da Laguna para Tubarão em 1991 (ficou um postinho com apenas dois funcionários que depois também foi extinto) o local ficou desocupado, até que em 31 de janeiro de 1998, após uma pequena reforma o governo do estado, seu proprietário, na gestão do governador Paulo Afonso o ocupou novamente, nele instalando a 18ª Delegacia Regional de Polícia Civil – 18ª Ciretran.
No meu Jornal Tribuna Lagunense de 6 de fevereiro de 1998, destaquei a inauguração.

Inauguração em janeiro de 1998 da 18ª Delegacia Regional de Polícia Civil.
Com a transferência da Delegacia anos depois, o prédio ficou fechado, sendo cedido pelo estado ao município da Laguna que nele instalou em seu anexo a secretaria Municipal de Educação, em março de 2013, por conta de um vendaval e invasão de pombos no Centro Administrativo Tordesilhas.
Pouco depois, por falta de condições físicas (umidade, mofo, cupim, infiltrações, goteiras, etc.) o prédio da rua Santo Antônio foi desocupado e desde então se encontra fechado, com o anexo dos fundos utilizado eventualmente como depósito. Já houve furtos em seu interior no ano passado.
Pergunto mais uma vez: Até quando?

14 comentários:

  1. Esse casarão é realmente muito lindo!
    Quantas histórias.... é triste ver um patrimônio com esse valor histórico,abandonado.
    A cidade perde mais uma oportunidade.
    Quem sabe ainda haja tempo para uma restauração.Esta na hora de reinvindicar.
    Parabéns Valmir pela publicação dessa matéria.
    Nidia

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    1. Realmente um imóvel dos mais tradicionais e lindos da nossa Laguna. Grato pela leitura.

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  2. Edison de Andrade15/04/2021, 20:29

    Dá uma tristeza quando passo ali. Aquele casarão tem que ser restaurado. Antes que caia. Boa história.

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    1. Vamos torcer pela seu restauro e aproveitamento. Agradeço a leitura.

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  3. Um casarão em estilo luso-brasileiro com a cara e a identidade lagunense não pode ser deixado ao desleixo, ao acaso, merece mais que uma restauração, um tratamento nobre a altura de sua história.

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  4. Geraldo de Jesus16/04/2021, 11:15

    Mais uma matéria show. Querem que os proprietários recuperem suas casas mas o proprio governo não faz sua parte.
    Tomara que não vire ruínas.

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    1. Tomara mesmo, Apesar de estar há anos abandonado e servindo de mau exemplo.
      Grato pela leitura.

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  5. Esses imponentes e vigilantes cães, dia e noite, faça chuva ou sol, desde o meu tempo de garoto, estão ali perfilados, compenetrados e atentos à passagem do tempo, os seus guardiões, guardiões do palacete. Fiéis ao seu dono que, ingrato, não lhes dá a mínima atenção, uma retribuição, um afago como todo o canino gosta. Um caso histórico de maus tratos aos animais, ao seu simbolismo, o que revela o desprezo, o desapreço, uma virada de costas a um passado tão cheio de glórias e rico, como bem escreveste neste artigo. Lamentável, porque vejo, assim como o que acontece com a Estátua, outra obra de arte – e aí incluo o palacete -, formando uma lista de verdadeiros crimes contra a memória e o patrimônio coletivos da Laguna. Ainda bem que existem pessoas, Valmir, que alertam para esses descalabros. Lembrando o brado tradicional e esperado do bloco do raiar das terças de Carnaval: Acorda, Laguna! Abraço do Adolfo PV da Silva

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    1. Realmente abandonar esse casarão é um crime contra o Patrimônio Histórico da nossa Laguna. Grato pela assídua leitura.

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  6. Parabéns novamente, pela história e pelo alerta. Em nossa cidade, pelo fato de ter sido no passado um lugar tão importante, possuímos inúmeros casos como este de descaso e negligência. Quando digo inúmeros, não é simples expressão para exemplificação e sim uma realidade incomoda que nos rodeia desde sempre. Descaso, desprezo, falta de vontade são práticas que nos entristecem, por entendermos que as coisas deveriam ou poderiam ser diferentes. Por isso faço coro em seu questionamento final. Abraço.

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    1. Agradeço a leitura e comentário sobre o importante tema.

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  7. Parabéns Valmir, por abordar mais um tema, que infelizmente a administração publica ignora. Renato Joinville

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    1. Agradeço a leitura, meu caro. Vamos fazendo a nossa parte, mostrando e pedindo providências. Abraço.

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  8. Olá. Parabéns pelo Blog. Você tem informações sobre a localizaçao da farmácia do Raulino Horn? Ele tinha casas em Laguna ? Desde já agradeço

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