quinta-feira, 29 de abril de 2021

Uma Praça, sete nomes

 
O número sete é considerado místico. Sete são as cores do arco-íris. Sete os Pecados Capitais. Sete as notas musicais. Sete os dias da semana. Sete sepultamentos teve Anita Garibaldi.
Número da Perfeição Divina: No sétimo dia Deus descansou de todas as suas obras, diz a Bíblia.
Sete também já foram os nomes de uma Praça no Centro Histórico da Laguna.
Praça República Juliana nos dias atuais.
No começo ela nem poderia ser chamada de praça. Pelo menos não como a conhecemos hoje. Era um mero descampado coberto de relva. Uma área em forma de triângulo sem qualquer tipo de infraestrutura.
Mas seu espaço era o centro nevrálgico da Vila da Laguna que depois virou cidade.

A então Praça Conselheiro Mafra (hoje República Juliana), à direita, em cartão-postal colorizado de 1910.

Num prédio na cor branca ali situado, de dois andares, eram feitas as leis municipais que regiam a comunidade.
Era também local do Tribunal de Audiências e do Júri, e do Paço da Câmara Municipal.
Notícias eram divulgadas. Decisões tomadas e proclamadas ao povo das sacadas e escadaria, após toques de um sino situado num arco, que também anunciava as horas das audiências, as chamadas dos jurados e horário de fechamento dos estabelecimentos comerciais.
O povo ali embaixo, aguardando, ouvindo, a obedecer a ordens nem sempre do seu agrado ou em seu benefício. Determinações às vezes visando outros interesses, de poderosos, influentes, mandões. Como sempre.

Da sacada foi proclamada uma República
Da sacada do prédio, historicamente foi proclamada a República Catarinense em 29 de julho de 1839. Ali David Canabarro esteve com os demais farroupilhas e simpatizantes da Revolução, entre eles o general Giuseppe Garibaldi.
Ao redor de uma mesa em seu piso superior vereadores lagunenses aceitaram o novo regime e Laguna como capital, chamada Cidade Juliana, e transcreveram em ata a histórica sessão.

Nesse mesmo prédio, em seu térreo foi instalado pelo lado norte o Corpo da Guarda. No lado sul as celas da cadeia, as úmidas enxovias onde ficavam os acusados e/ou condenados a cumprir suas penas determinadas pela Justiça.
Bem por isso o povo a chamou, primeiramente, e popularmente ficou conhecida, como Praça da Cadeia.
Sábio o povo em suas denominações de logradouros públicos na nossa Laguna: Rua das Cozinhas, Rua da Banca, Rua do Fogo, Rua Direita, Rua da Fonte, Rua da Igreja, Rua do Teatro, Rua da Praia...
Simples, direto, sem imerecidas homenagens, sem puxa-saquismo, hipocrisia e demagogia barata.
Linguagem popular, conhecida, geográfica, referencial.

Ao redor da então Praça da Cadeia, além de residências, se instalaram ao longo do tempo inúmeros estabelecimentos comerciais, como armazéns, escritórios de advocacia, barbearias, alfaiatarias, farmácias, clubes, associações, bibliotecas, ateliê fotográfico, panificadoras, restaurantes, bares, fábricas, livrarias, cartório, órgãos públicos...
A Praça, então Conselheiro Mafra, em cartão-postal colorizado em 1910. Observem que no início da Rua Raulino Horn, à esquerda, a Estação Telegráfica; logo depois a Agência dos Correios. Na esquina a casa da família Bessa (depois derrubada).
No vértice do triângulo do início da Rua Raulino Horn funcionavam em fins do século XIX e primeiras décadas do século XX, as agências do Telégrafo e do Correio. 

Nome da Praça alterado ao longo do tempo
Nossos governantes representantes, ao sabor dos acontecimentos que se sucediam, alteravam a nomenclatura do local.
Os nomes variavam conforme o regime vigente, pelo falecimento de alguma autoridade mais eminente, ou por sugestões e leis que partiam de membros do Legislativo ou Executivo Municipal.
Sete nomes teve a Praça. Uma Praça na Laguna e seus sete nomes:

1)  Praça da Cadeia
Diz Saul Ulysséa em seu livro “Laguna de 1880”, que era assim conhecida no passado. Com esse mesmo nome, Praça da Cadeia, a ela se referem outros historiadores e viajantes que por aqui passaram pelo século XIX.
Foto da Praça da Cadeia entre os séculos XIX e XX. Um dos registros mais antigos de nossa cidade. Observem que existia o sineiro no alto da escadaria, retirado na década de 1940 e que retornou com a inauguração do Museu em 1956. Nos fundos do prédio um muro (entrada?) em terras do coronel Francisco Fernandes Martins. Na esquina, à direita, ainda não havia o sobrado atual.
Como já antecipado, o nome faz ligação com o prédio no local, um dos primeiros em nossa cidade, construído em sua primeira etapa mais baixa em 1747 (informa Ulysséa), local onde funcionava o Tribunal de Audiências e do Júri, e do Paço da Câmara Municipal.
Nesse mesmo prédio, em seu térreo, foi instalado pelo lado norte o Corpo da Guarda. No lado sul as celas da cadeia. Bem por isso a denominação popular da praça.

2) Praça Conde D'Eu
Em 1881, em sua “Descrição do Município”, Francisco Isidoro Rodrigues da Costa, que foi juiz de Direito da nossa Comarca, cita o local como já sendo Praça Conde D’Eu. Mas a alteração do nome se deu alguns anos antes.
O Príncipe Imperial Luís Filipe Maria Fernando Gastão, o Conde D’Eu, marido da Princesa Isabel foi convocado, após muito insistir, para liderar como comandante-em-chefe os exércitos aliados em 1869, na Guerra do Paraguai, também denominada de Guerra da Tríplice Aliança.
Pela grande habilidade estratégica, coragem e sangue-frio que demonstrou no conflito, ao retornar ao Brasil em 1870, foi recebido como herói e realizadas grandes manifestações populares.
As homenagens se sucederam pelo Brasil com diversos logradouros públicos recebendo o seu nome.
Foi o caso da Laguna que alterou a então Praça da Cadeia para Praça Conde D’Eu.
Publicidade do advogado Luiz Vianna citando a Praça Conde D'Eu. Jornal O Município de 12 de janeiro de 1879.
Em 1884 o Conde aqui esteve, de passagem, vistoriando as obras da Estrada de Ferro e a Ponte de Laranjeiras, em Cabeçuda, que estava em construção.
Anos depois o município de Orleans foi assim denominado porque colonizado em terras pertencentes à Princesa Isabel e seu príncipe consorte.

3) Praça da República
Com a Proclamação da República em 15 de novembro de 1889, foram substituídos pelo Brasil praticamente em sua totalidade, nomes de logradouros públicos, associações e entidades que lembravam a Monarquia ou denominações a ela vinculadas. 
Outros nomes pelo país que apoiaram e agora serviam ao novo regime implantado passaram a receber homenagens dali em diante.
Em Santa Catarina podemos citar diversos exemplos, sendo o mais destacado (e emblemático) o da nossa capital que de Nossa Senhora do Desterro passou a chamar-se Florianópolis em homenagem ao segundo presidente republicano, o marechal Floriano Peixoto. Aliás, nome que o nosso Campo do Manejo (hoje Praça Vidal Ramos) também recebeu.
O Jornal O Futuro de 26 de dezembro de 1891, editado em nossa cidade, já faz referência à nova Praça da República.
E foram milhares de Praças, ruas, associações, clubes, etc., denominados XV de Novembro, em homenagem à data.
Na Laguna foram trocadas as nomenclaturas de muitos logradouros, dentre eles:
Rua Bragança (virou 16 de abril e mais tarde João Pessoa); Travessa do Império (hoje Rua Custódio Bessa); Rua dos Andradas (hoje Voluntário Benevides); Rua do Teatro (depois Rua do Império e hoje Rua XV de Novembro).
A nossa Praça Conde D’Eu passou a denominar-se Praça da República. 

4)  Praça Conselheiro Mafra
Em novembro de 1904 foi aprovado pelo Conselho Municipal da Laguna e sancionado pelo superintendente (prefeito) José Maurício dos Santos um projeto de lei alterando o nome de Praça da República para Praça Conselheiro Mafra.
O jornal O Albor de 2 de dezembro daquele ano registrou a mudança, salientando que “Era uma homenagem ao ilustre jurisconsulto catarinense que, com tanta erudição e brilho, tem patrocinado a causa do nosso estado na questão dos limites com o Paraná”.
Jornal O Albor de 2 de dezembro de 1904.
Era a Guerra do Contestado que teve solução judicial graças ao dossiê elaborado por Manuel da Silva Mafra.
Um município do oeste catarinense recebeu seu nome, assim como uma rua em Florianópolis que teve sua denominação alterada de Rua do Príncipe para  Conselheiro Mafra.
Laguna se aliou às homenagens e também alterou o nome de nossa praça.
 
5)  Praça da Bandeira
Desde a Revolução de 1930 o Brasil vivia o tempo do getulismo, onde os símbolos pátrios tomavam proporção de verdadeira veneração, através do nacionalismo.
Desfiles cívico-militares tinham a Bandeira Nacional como símbolo máximo de um povo e seu território.
Inauguração do Obelisco na Praça da Bandeira em 29 de julho de 1939.
O prefeito da Laguna Giocondo Tasso, nomeado pelo Interventor em Santa Catarina Aristiliano Ramos em 1933 e alguns anos depois eleito ao mesmo cargo por voto direto, não fugiu à regra.
Uma solenidade na Praça. Ao fundo, à esquerda, a construção chamada Potreiro, que deu nome à praça vizinha.
Bem por isso, novamente a nossa Praça teve seu nome alterado, passando a ser denominada Praça da Bandeira, com a construção de um grande suporte para hasteamento de três bandeiras: a nacional, a estadual e a municipal; e a edificação no fim da década de 1930 de um Obelisco no centro daquela área em homenagem à República Juliana em seu centenário comemorado festivamente em 29 de julho de 1939.
O Obelisco na Praça da Bandeira em 1939.
A denominação “Praça da Bandeira” foi a que mais se fixou na memória de gerações e até hoje citada pelos mais idosos. 

6)  Praça Anita Garibaldi
Durante a gestão do prefeito Juaci Ungaretti (31/01/66) a 31/01/70), novamente foi alterada a nomenclatura da praça.
Com a inauguração da Estátua da nossa heroína no centro daquela área em 20 de setembro de 1964, o povo começou a se referir ao local, numa espécie de geolocalização, num referencial, como Praça de Anita.
A Estátua de Anita Garibaldi. Foto: Elvis Palma.
Com o nome de Anita já mais consolidado no cenário histórico lagunense, catarinense e brasileiro, com pesquisas, estudos e livros sendo publicados, principalmente de autoria de Wolfgang Ludwig Rau, o local passou a se consolidar como um ponto turístico atrativo, trazendo mais visitantes.
O prefeito Juaci com sua visão progressista, vendo no turismo histórico e de veraneio uma mola propulsora para o desenvolvimento de nossa cidade, alterou, com apoio dos vereadores, a nomenclatura da Praça.
Utilizou-se do personagem de Anita Garibaldi como chamariz, um atrativo, utilizando-se duma ferramenta que seria conhecida anos depois como “marketing turístico e histórico”.
Penso que foi o nome mais acertado, mais adequado e valoroso dos sete utilizados ao longo do tempo para denominar a Praça, sem demérito algum sobre os demais. 

7)  Praça República Juliana
Na gestão seguinte, os vereadores lagunenses aprovaram a Lei nº 14/71 e o prefeito Saul Baião (31/01/70 a 31/01/73) a sancionou, alterando pela sétima vez o nome da Praça.
De Praça Anita Garibaldi para Praça República Juliana, nome que se perpetua até os dias atuais.
Houve algumas críticas pela mudança, inclusive pela imprensa catarinense.
Mas a troca se dava por determinação da Agência dos Correios.
Praça República Juliana no início da década de 1970. Suporte e mastro para hasteamento da Bandeira.
Além disso, a prefeitura e vereadores se defenderam dizendo que “Foi justamente do Movimento Farroupilha, nesta cidade, que emergiu o nome de Anita. A República Juliana, proclamada em 1839, deu ensejo a que Anita se projetasse por sua coragem e bravura.
A nova denominação daquela Praça, embora chamando-se agora “Praça República Juliana”, continua sendo, ainda que indiretamente, uma homenagem a Ana de Jesus Ribeiro – Anita Garibaldi.
Sabemos cultuar a memória de nossos heróis, talvez, como poucos o saibam.
Nossas tradições históricas datam de trezentos anos e nos ensinaram a assim proceder”. 

Troca atendeu determinação dos Correios
Mas a mudança tinha sua razão de ser, um motivo básico. Pelo menos foi o alegado na época.
Conforme as justificativas dos vereadores e prefeito, a troca de nomes atendia “recente determinação, ou melhor, solicitação da Empresa Brasileira dos Correios e Telégrafos, que em uma mesma cidade não era aconselhável existir dois logradouros públicos com a mesma denominação”.
Explique-se:
No município da Laguna já existia uma Avenida Anita Garibaldi.
Onde se localizava?
Ela iniciava onde hoje é a rótula defronte ao Centro Administrativo Tordesilhas, nas proximidades do Ceal, em direção ao hoje Sambódromo, à Avenida Castelo Branco (atual João Marronzinho).
Da citada rótula em direção ao centro e bairro Magalhães, finalizando ao lado do Colégio Stella Maris, ela se chamava Avenida Brito Peixoto.
Anos depois, por volta de 1975, novos representantes municipais querendo homenagear o governador de Santa Catarina, lagunense Colombo Machado Salles (1971-1975), deram seu nome à avenida em toda a sua extensão, mesmo porque foi quase toda ela lajotada com recursos estaduais.
Para compensar, o fundador da Laguna Domingos de Brito Peixoto e seu filho Francisco ganharam um monumento em 1982 na pequena Praça defronte ao Cine Mussi; e Anita Garibaldi ganhou o nome de uma curta rua, de alguns metros de extensão, paralela à antiga avenida que levava seu nome, ali defronte à Rodoviária.
Além disso, só para lembrar, já existiam o Clube Anita Garibaldi, a Árvore de Anita Garibaldi, a Rádio Garibaldi, o Museu Anita Garibaldi, a Estátua de Anita Garibaldi e a Casa de Anita Garibaldi.
Depois surgiu o Aeroporto Anita Garibaldi na Praia do Sol, que recebeu esta denominação a partir de 2009, e, nos dias atuais, a beleza da Ponte Anita Garibaldi, inaugurada em 2015. Além de casas comerciais, produtos, fundações e institutos.

15 comentários:

  1. Geraldo de Jesus29/04/2021, 15:32

    Que legal. Não sabia que foram 7 nomes aquela praça. Abraço

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    1. Pois então, Geraldo. Confesso que não sabia da Praça da República. Grato pela leitura.

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  2. Edson de Almeida29/04/2021, 22:28

    Quantas histórias para uma Praça. Até hoje chamo de Praça da Bandeira. Esse nome ficou na minha memória.

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    1. Eu também continuo chamando de Praça da Bandeira. Aliás, lagunense da gema acho que a chama assim. Agradeço a leitura é comentário.

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  3. Parabéns Valmir pela divulgação de mais uma parte da história de Laguna.
    Nas fotos da época,ficam as marcas da história...as casas,algumas ainda existem,as ruas,as pessoas percebemos a passagem do tempo.
    Abraços, Nidia

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    1. Verdade Nidia. Cada pesquisa dessas é uma viagem. Quantos passaram e passamos...
      Grato pela leitura e participação.

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  4. Pelo jeito, as mudanças não terminam por aí. Agora foi mudado o nome da Escola Jeronimo Coelho. Renato Joinville

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    1. E muitas vezes o que é para mudar não muda, Renato.
      Agradeço a sempre leitura e participação aqui no Blog.

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  5. Parabéns por essa matéria de inegável relevância, onde além dos aspectos históricos, nos mostra também sobre a brevidade das coisas, que mudam conforme a ocasião, mesmo sendo só em relação a um nome de uma rua ou praça, nos faz pensar. Obrigado.

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    1. Agradeço a leitura e tuas palavras, Norton. Parabéns para ti pelas fotos da Laguna muito bem colorizadas digitalmente. Abraço.

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  6. Valmir, como sempre, estais de parabéns pela matéria veiculada. Lembro, quando pequeno, da retirada e transporte do obrlisco para a praça que fica atrás do CEAL. Mais uma vez, parabéns por mais essa bela matéria que resgata nossa história. Abraço.

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    1. Agradeço a leitura do Blog e participaçao nos comentários. Lamento que não se identificou. Abraço.

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  7. Sem dúvida, de extrema relevância e bastante detalhada nossa história. Nossa terra que amamos. Parabéns!

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    1. Agradeço a leitura e incentivo, Fátima. Grande abraço.

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  8. Valmir, gostei da simbologia do número sete aplicada aos sete nomes que a nossa praça recebeu desde o seu início como logradouro. Além da impecável pesquisa, vi que em todas as trocas não faltaram argumentos e fatos a justificar cada mudança. Mas, há coisas, que de tão perenes que são na sua essência, nenhum modernismo destrói ou apaga, ou seja, no popular, não colam, que, até hoje - lembrando a minha tia-avó Alzira e a minha mãe Leda, que ali nasceu, permanece na minha memória e para minha georreferência, como bem-escrito por ti, a tal da Praça da Bandeira. Abraço do Adolfo PV da Silva

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