sexta-feira, 5 de julho de 2024

Os três casamentos de Garibaldi

 
Viúvo de Anita, Giuseppe Garibaldi casou mais duas vezes. O segundo casamento terminou à porta da igreja e no terceiro matrimônio ele teve mais filhos.
    
   Anita Garibaldi foi o grande amor de Giuseppe Garibaldi, disso sabemos todos nós, afinal o romance do casal é contado em prosas, versos, peças teatrais e filmes.
Mas depois do casamento no Uruguai, dos filhos e do falecimento de Anita em Mandriole, na Itália em 1849, Garibaldi casou de papel passado mais duas vezes.
O segundo casamento foi desmanchado à porta da igreja, mediante um bilhete que Garibaldi recebeu. O matrimônio levou vinte anos para ser anulado.
O que teria acontecido?
Já com a terceira esposa, Garibaldi teve mais filhos.
Livro de Rau  "As Sucessoras de Anita Garibaldi". Na capa, além de Garibaldi, suas três esposas: Anita Garibaldi (centro), Giuseppina e Francesca.  
Não sabia disso? Os historiadores, pesquisadores e escritores de uma maneira geral não abordam esse assunto. Preferem se deter no grande romance com a nossa heroína.
Mas Rau, o maior pesquisador sobre Anita e Garibaldi, dedicou um livro ao assunto, intitulado “As sucessoras de Anita Garibaldi”.
Sobre Rau basta repetir aqui as palavras do historiador Nereu Corrêa que disse: “É o autor da mais completa biografia que se escreveu até hoje sobre a imbatível companheira do corso italiano”.

Sem dúvida. Seu livro “Anita Garibaldi, o Perfil de uma Heroína Brasileira” é uma vasta e riquíssima biografia da lagunense.
Mas Rau foi adiante, e nos trouxe episódios da segunda e terceira núpcias de Garibaldi, adentrando à vida privada do guerreiro romântico e idealista, que tanto lutou pela liberdade dos povos.
Ele também cita autores italianos que abordaram o assunto, como Vittorio Polli, A. Luzio, além de Mino Mulinacci com “La Bela Figlia del Lago”; e “Garibaldi – Giuseppina Raimond – Gigio Caroli”, de Vittorio Polli.

O primeiro casamento em 1842: Anita Garibaldi

Anita Garibaldi em pintura
de Willy Zumblick
     Ana de Jesus Ribeiro, a nossa Anita Garibaldi, conheceu seu futuro marido em nossa cidade, em 1839, aos 28 anos de idade. Casou-se com Garibaldi em 26 de março de 1842 em Montevidéu, no Uruguai. Da união nasceram os filhos Menotti, Rosita, Terezita e Ricciotti.
Após a morte da esposa em Mandriole, nos pântanos de Comacchio, na “Retirada de Roma”, de San Pancrazio a San Marino, na Itália, em 4 de agosto de 1849, passou-se dez anos.
Durante esse tempo, exilado de sua pátria, Garibaldi circunavegou o globo terrestre, onde visitou, entre outros lugares, os Estados Unidos, a China, a Austrália e a Inglaterra. Conheceu muitas mulheres nesse período.
Na volta, autoexilou-se na Ilha de Caprera.

O segundo casamento em 1860: Marquesa Giuseppina Raimondi

Giuseppina Raimondi
Foto do livro de Rau.
    Diz Rau em sua obra, que Garibaldi conheceu a Marquesa Maria Carolina Giuseppa Raimondi, chamada de Giuseppina na noite de 25 de maio de 1859.
Giusepina era uma jovem moça de 18 anos, filha de marquês. Seu pai Giorgio Raimondi era riquíssimo, militante e admirador de Garibaldi.
Apesar da diferença de idade, 34 anos, o general Garibaldi por ela se enamorou. Passado um tempo, e depois de intensa troca de cartas, a pediu em casamento.
    Informa Rau que Giuseppina era criada em ambiente mazziano da “Jovem Itália”.
O general a fascinava, “mas não amava o maduro general. Para ela nada havia de especialmente excitante”.
Além do mais, ela já namorava às escondidas há mais de um ano, “um brioso oficial de cavalaria do Regimento de Saluzzo, o rico Bergamasco Luigi Caroli”.
Rau analisa dizendo: “Sua vaidade de moça de dezoito anos a dominou: o homem mais amado da Itália, herói e quase mito, a quem de certa forma também ela mesmo admirava, desejava-a para esposa. Feita sucessora de Anita, seria distinguida e invejada por toda parte”.
Marcada a data do festivo casamento em 24 de janeiro de 1860 entre o general cinquentão e a jovem mulher, num palacete em Fino Mornasco, residência do sogro.
Para lá se dirigiu Garibaldi onde se hospedou. Não era a primeira vez. Por conta de uma queda de cavalo um mês antes ali já havia estado por mais de uma quinzena.
Rau diz que teria havido enlaces noturnos, encontros íntimos entre os nubentes. Para Rau, intenção era “construir certeiro álibi para confundir a data de uma concepção”.
O que muitos não sabiam é que Giuseppina estava em gestação de dois meses. Grávida, mas não do noivo e sim do oficial de cavalaria, Luigi (Gigio) Caroli.

Uma carta é entregue 
Terminado o ato oficial, tendo como celebrante o padre Felippo Gatti, os recém casados deixam a capela particular da Villa. E é só nesse momento que Garibaldi recebe uma carta anônima “que denunciava, com detalhes irrefutáveis, a mais recente das persistentes infidelidades da mulher que acaba de desposar”.
O general lhe estende o papel e indaga se é verdadeiro o conteúdo. 
- É vero?
Ela não contesta.
A carta chegou com atraso de uma hora, para escândalo dos mais de duzentos convidados.
O general se retirou para Milão e de lá, pelo porto de Gênova, seguiu para sua Ilha de Caprera.
Giuseppina retirou-se para a Suíça, juntamente com oficial Luigi. Em agosto daquele ano de 1860 deu à luz a um natimorto. Antes disso, o oficial já a havia abandonado. Nunca mais se encontraram.
Mais tarde Luigi escreverá dezenas de cartas para ela, que não as responderá.

Vinte anos para anulação
E durante mais de vinte anos o general Garibaldi lutou pela anulação do matrimônio.
“O maior entrave às démarches anulatórias era a posição assumida por Giuseppina que a manteve irredutível até o fim da vida, negando sempre ter estado grávida de outrem quando desposou Garibaldi”.
Só em 14 de janeiro de 1880, passados vinte anos, a Corte de Apelação em Roma declarou a tão almejada Nulidade do Casamento.
Aceitou-se a fórmula do “casamento realizado, mas não consumado”.
Garibaldi voltou a condição de viúvo de Anita.
Já Giuseppina, também desimpedida, casou-se em 1881 com Ludovico Mancini, que veio a falecer em 1913.
Em 1918, aos 77 anos de idade, faleceu Giuseppina, viúva e sem filhos.
Já o oficial de cavalaria Luigi “não mais obteve louros na carreira militar”. Foi repudiado pelos garibaldinos.
Somente em 1863 foi aceito no Corpo de Voluntários Italianos para lutar a favor da Revolução Polonesa contra a Rússia. Morreu prisioneiro em Kadaya, ao norte da Mongólia, em 8 de junho de 1865, aos 31 anos de idade.
Mais tarde descobriu-se que quem escreveu a carta anônima foi um primo de Giuseppina, o marquês Pietro Rovelli, que tinha um verdadeiro dossiê de todas as suas aventuras.
O motivo teria sido vingança por ter sido repelido ou abandonado pela prima.

Rau entende que “A História do Ressurgimento Italiano não pode omitir a marquesa Raimondi; mas coloca-a discretamente à margem e bastante inferiorizada”.
“Não representou para a vida pública do Herói dos Dois Mundos mais do que um importuno “acidente”, ressalta.

O terceiro casamento em 1880: Dona Francesca Armosino

Dona Francesca Armosino Garibaldi.
Foto do livro de Rau.
     Após a anulação, Garibaldi casou-se em cerimônia discreta em 26 de janeiro de 1880 com Dona Francesca Armosino Garibaldi e pode assim legitimar seus últimos filhos Clélia e Manlio Garibaldi, já com treze e sete anos, respectivamente. Houve ainda Rosa, falecida em tenra idade.
Dona Francesca era governanta da casa de Garibaldi em Caprera. Competente e fiel enamorou-se do maduro general. Dirigiu a vida doméstica e sempre esteve ao seu lado.
Garibaldi faleceu com 75 anos, em 2 de junho de 1882, na Ilha de Caprera, única propriedade que deixou, hoje tombada como monumento nacional da Itália e onde está sepultado.
Francesca faleceu em 1923.
Em 1932, a filha Clélia, não permitiu a transladação dos restos mortais de Anita Garibaldi de Nice para Caprera, obrigando Benito Mussolini a optar pelo Monte Gianicolo, em Roma, onde jazem os restos mortais da heroína.
Clélia faleceu aos 92 anos, em 1959.

Final

E finaliza Rau em sua obra: “Na vida de um homem pode haver amores, - mas um só Amor”. 
E sobre os amores de Garibaldi:
“Nenhuma das sucessoras conseguiu preencher a lacuna que lhe ficou com a morte de Anita.
Nenhuma tornou-se o esteio íntimo que perdera; nenhuma foi capaz de renovar-lhe aquele discreto, mas eficiente apoio moral de que todo homem de ação necessita de parte de sua companheira no ideal”.

8 comentários:

  1. Não sabia que o Garibaldi tinha casado mais duas vezes. Pensei que Anita tinha sido a única.

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  2. História interessantíssima! Muitos detalhes desconhecidos por mim. Valeu! Parabéns! Zuleida Rosa

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  3. Geraldo de Jesus05/07/2024, 21:33

    Valmir, pelo jeito Garibaldi era um galo, não perdoava nada. Mesmo já considerado um velhinho pra época, ainda fez três filhos com a governanta. Eita cabra bom.

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  4. Um roteiro pra fazer um ótimo filme. Assim como Rosângela disse que não sabia que Garibaldi havia casado mais duas vezes, eu tbm não sabia e muitas pessoas tbm não sabem. Parabéns pela informação.

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  5. Edison de Andrade06/07/2024, 14:56

    Garibaldi só gostava de novinhas, pelo jeito. Anita tinha 18 anos quando ele conheceu e Giuseppina também.
    O homem só queria galeto. Era um Don Juan.

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  6. Bela e interessante pesquisa histórica, parabéns!

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  7. É bom quando as informações vêm com detalhes. Algumas pessoas sabem que Garibaldi casou três vezes, mas ninguém consegue colocar o assunto como o Valmir apresentou. Casou com mais quem além de Anita, quantos filhos tiveram; são informações precisas que recebemos com detalhes sem necessidade de mais questionamentos de nossa parte. São trabalhos que de minha parte o amigo Valmir sempre merece o "PARABÉNS AMIGO", obrigado!

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  8. Como já foi comentado, o Valmir foi muito minucioso nos detalhes da vida pessoal do Garibaldi. Como qualquer ser humano, também necessitava de um grande amor... que efetivamente encontrou com a nossa Anita. Entretanto, mesmo com vitórias e sendo um herói na Itália, perdeu sua companheira e no decorrer da vida buscou superar a perda com outras mulheres, que não conseguiram superar a Anita... mas, por certo mitigaram sua dor e auxiliaram pelo resto da vida. Garibaldi comenta em suas memórias sobre Anita e tudo o que viveu com ela na América do Sul (guerra dos farrapos em Laguna e alguns anos que viveu no Uruguai), assim como, na luta junto com Anita buscando a unificação italiana. Cabe a nós entender a alma humana e não exigir que nossos heróis sejam Super Heróis.!
    Grande abraço do Adolfo Bez Filho - Joinville / SC.

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