16 setembro 2025

Nos tempos do chuvisco na Laguna

      Jornal Agora Laguna, em sua valiosa seção Retalhos Históricos da Laguna, traz em sua edição de nº 31, de 11 de setembro de 2025, importante recuperação histórica dos tempos em que os primeiros sinais de televisão chegaram em nossa cidade.

O técnico de rádios e televisores Valmir Guedes em sua oficina na Laguna em 1974. Foto: Loureiro Pacheco Lapa. Acervo: Álbum de família/Jornal Agora Laguna edição nº 31 de 11 de setembro de 2025.


A matéria traz uma foto feita em 1974 por meu tio-materno fotógrafo Loureiro Pacheco Lapa, vendo-se meu pai Valmir Guedes postado em sua oficina de consertos de rádios e televisores, situada na rua 13 de maio esquina com a então Praça da Bandeira (hoje República Juliana), palco de muitas lembranças de toda uma infância e juventude.
Meu pai sempre lembrava que os primeiros aparelhos de TV em nossa cidade foram adquiridos no comércio de Porto Alegre pelo farmacêutico Cid Cecconi Costa (Farmácia Santo Antônio) e pelo comerciante Salun Jorge Nacif. Marca Admiral. Custavam uma fortuna, no início.

As antenas "espinhas-de-peixe"

Meu pai logo foi chamado para ajustar as válvulas nos soquetes. Os aparelhos da capital gaúcha chegaram aqui todos desregulados. 
As antenas eram montadas na ponta de dois canos de ferro emendados e soldados pelo seu Itamar "Pilão" ou seu Camilo, ali na Roseta (hoje bairro Progresso). Mas havia quem usasse altos e prosaicos bambus.
A partir de 1965, com enormes antenas chamadas “espinhas-de-peixe” e as primeiras repetidoras instaladas captando o sinal da TV Piratini Canal 5, retransmitindo a Tupi dos Diários Associados de Assis Chateaubriand, a novidade da televisão chegou na Laguna e virou uma “coqueluche”, como então se dizia na gíria da época.

Marcas de televisores e os desenhos e séries

Algumas marcas de aparelhos de TV daqueles tempos: Semp, Invictus, Empire Bonanza, Colorado RQ (Reserva de Qualidade), TV ABC Canarinho - A voz de ouro, Teleotto, GE Máscara Negra, Admiral e Telefunken.
Logo surgiu a figura do televizinho. Mas as imagens eram horríveis, em preto & branco e cheias de chuviscos.
Mas quantos desenhos! Tom & Jerry, Os Flintstones, Manda-Chuva, Pernalonga, Os Jetsons, Popeye, Tartaruga Touché, O Papa-Léguas, Zé Colmeia, Pepe Legal, Olho Vivo e Faro Fino, Corrida Maluca com o Dick Vigarista e o Muttley, Scooby-Doo Cadê Você e Jonny Quest. 
as séries: Perdidos no Espaço, Viagem ao Fundo do Mar, Jornada nas Estrelas, Terra de Gigantes, Vigilante Rodoviário, Bat Masterson, Batman, Rin-Tin-Tin, Agente 86, Zorro, Daniel Boone, Túnel do Tempo, A Feiticeira, Jeannie é um Gênio...

Aparelho Colorado RQ (Reserva de Qualidade) com pés de palito, assoalho encerado.

Foi num aparelho de TV marca Empire Bonanza, pés de palitos, tipo o Colorado RQ da foto acima, e que meu pai levou dois meses para sozinho montar, que assisti ao homem pisar na lua em 20 de julho de 1969. Neil Armstrong, seus pulinhos e pegada da bota na areia. Imagens icônicas que entraram para a história da humanidade.

Publicidade do Televisor Empire


           Foi um acontecimento que marcou toda uma geração, principalmente nós que ainda éramos crianças. 
     E a pequena sala lá de casa, na rua Voluntário Benevides, na subida para o Morro da Glória ficou lotada de amiguinhos para presenciar as históricas imagens.
Muitos nem acreditando no que viam. Bem, alguns duvidam até hoje.

Instalação e manutenção das repetidoras

Não podemos esquecer de pioneiros que colaboraram para que o sonho lagunense da instalação de repetidoras de TV se tornasse realidade.
Saudoso Carlos Cordeiro Horn, que sabia tudo de eletrônica e todo o pessoal da Associação Comercial, entre eles Mário José Remor e do Rotary Clube da Laguna da época. Campanha para arrecadação de fundos foi efetuada.
Foi uma luta a instalação e manutenção das repetidoras lá nos altos do Morro da Glória. Nas noites de chuva e do tradicional vento nordeste jogando maresia e salitre o sistema pifava constantemente. 
Ou faltava energia elétrica, o que era comum na época, e tudo desligava e era preciso lá subir para religar o sistema. Quando faltava o sinal era um Deus-nos-acuda de reclamações.
 Muitas vezes meu pai e o técnico Antônio Manoel dos Santos (Antônio do Doca), acompanharam Carlos Cordeiro Horn aos altos do Morro. Usavam um jipe cedido pela prefeitura ou um fusca do próprio Mário José Remor, à noite, com chuva e vento. 
Paulinho Remor, irmão de Mário, mais jovem e ágil era o escolhido democraticamente e perigosamente para subir nas torres.

Pioneiras lojas de televisores  e as novelas

As pioneiras lojas lagunenses a comercializarem aparelhos de TV foram a M. J. Remor e a Galeria Gigante. Lojas Fretta logo a seguir também passou a vender os aparelhos.
Meu pai era o técnico contratado da primeira loja e o jovem Lourival Tomaz Antônio se desdobrava nas vendas na Galeria Gigante. 
Depois veio o sinal da TV Gaúcha, canal 12, retransmitindo a programação da TV Globo. 
E as novelas? Ahh... as novelas. 
Direito de Nascer, Beto Rockfeller, O Bofe, Antônio Maria, Simplesmente Maria, Meu Pé de Laranja Lima, Selva de Pedra, Cavalo de Aço, Escrava Isaura, O Bem Amado, Irmãos Coragem, O Astro (E a pergunta que não queria calar: Quem matou Salomão Hayalla?)... 
E os programas? Flávio Cavalcanti e seu bordão: Um Instante Maestro!, J. Silvestre e "O Céu é o Limite", Família Trapo, A Praça é Nossa, com Manoel de Nóbrega. 
E o Ringue Doze, também chamado telecatch, favorito da rapaziada, com suas lutas livres de golpes ensaiados. 
Mas a gente, ingênuo, acreditava nas cenas. Para nós eles eram heróis e vilões se digladiando. E eles existiam, acreditem.
A voadora e a tesoura do Ted Boy Marino (hoje diríamos que ele era do bem) no Barba Roxa ou no El Duende (os dois do mal). Leopardo, Fantomas, La Múmia, Verdugo... 
Família reunida, todo mundo na sala, sentados nos sofás, olhos vidrados e hipnotizados nas cenas das telas de tubos de aparelhos valvulados.

No Blondin um televisor sobre duas mesas

Lembro-me do primeiro televisor com transmissão de imagens em cores na Laguna. Foi colocado sobre duas mesas sobrepostas no Clube Blondin para os jogos da Copa da Independência ou Mini Copa, como também foi denominada, em 1972. Cadeiras espalhadas, salão lotado. Uma festa.
A seleção brasileira na final ganhou de Portugal por 1 X 0, gol de Jairzinho aos 44 minutos do segundo tempo. Haja coração, como diria Galvão Bueno anos depois. 
Todo mundo saiu pra rua, Praça Vidal Ramos e Jardim Calheiros da Graça para comemorar.
Quem não podia comprar o aparelho que custava três vezes mais do que o que captava as imagens em preto & branco, disfarçava com um plástico colorido, degradê, instalado defronte à tela. 
Alguém lembra disso? Uma empulhação. Mas vendeu muito esse acessório. O inventor ficou rico.

Mas a história da chegada dos sinais de televisão em nossa cidade é longa. 
O jornal Agora Laguna, através do jovem jornalista Luiz Cláudio Abreu, uma alma antiga apaixonado por histórias e memórias, vai contar mais um pouco nos próximos dias, inclusive com entrevistas e um documentário com audiovisual caprichado.

19 comentários:

  1. A gente que nasceu depois nem imagina como foi, as dificuldades. Ótimas lembranças.

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  2. Geraldo de Jesus16/09/2025, 15:54

    Desse plástico eu me lembro. Era pra enganar, era a televisão colorida de pobre.
    Hoje todo mundo tem e mais de uma. E até no celular.

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    1. Como o plástico era degradê ficava todo mundo vermelho ou azul ou amarelo. Mas era colorido e pra nós já bastava. Nos contentávamos com tão pouco...

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  3. Boa noite.
    Lembro muito bem dessa época e do “chuvisco”.
    E muitas vezes a imagem “corria” para cima, era difícil de acompanhar.
    Mas muito bom, tudo era novidade 🤗

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    1. Bem isso, ficava passando uma faixa vertical ou horizontal. Tinha que ajustar no botão ou aumentar o estabilizador de tensão.

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  4. Edison de Andrade16/09/2025, 20:17

    Eu me admiro é a memória de vocês. Detalhes de 50, 60 anos atrás. Pequenos fatos que marcaram para todo o sempre.

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    1. Pois é. Deve ser a idade. E vem detalhes que pareciam estar apagados no HD. Que nada! Acho que há um backup projetado pelo Criador.

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  5. Valmir, bons tempos. A televizinha (da tia, da madrinha etc.) era a favorita daqueles que não podiam desfrutar de um moderno e, para muitos, inacessível, aparelho de TV em casa. Veja a solidariedade da época e o senso ampliado de vizinhança. Creio que o teu pai foi o mago, o salvador, o expert, a assessorar e socorrer os aflitos pelos intermináveis e indesejáveis chuviscos. Lembro-me do ajuste fino das manobras nas antenas externas e das milagrosas esponjas da Bombril no topo das antenas internas, para calibrar a imagem. Abraço

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    1. Do ajuste fino junto ao seletor de canais também lembro. Aquilo de tanto o pessoal rodar quebrava. Meu pai tinha uma caixa cheia dessa peça. Só pra trocar. E do seletor também.
      Adolfo, quer ver o desespero dos "chefes de família" quando o aparelho de tv pifava na véspera de um capítulo final de novela! Os maridos chegavam desesperados na oficina. Queriam o conserto na hora. Pagavam o preço que fosse. A mulher, filhos e agregados em casa esperando. Era uma correria.
      As vezes sobrava pra mim que tinha que ir correndo na loja Rádio Elétrica do seu Aliatar Barreiros , o tio da Julita, comprar uma válvula. Ou pegar o Alvorada e ir rápido a Tubarão na loja e oficina do seu Otto Feuerschutte, fundos da Rodoviária.

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  6. Que dificuldade que foi. Tudo difícil. E hoje se a internet tá meio lenta a gente já reclama.
    E a televisão é de 80 polegadas e 4k
    Em compensação a programação é uma porcaria.

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    1. Verdade. Acho que piorou muito a programação. Hoje só filmes na Netflix, documentários e um ou outro telejornal.

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  7. Muito legal w=essa matéria. Aquela ali não seria uma Colorado RQ?

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  8. A juventude de hoje não sabe o que nós passamos, as dificuldades. Por isso talvez não dão valor a muitas coisas, nem as pessoas, principalmente aos pais. Acham que tudo caiu do céu. Palmas para os pioneiros.

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    1. Palmas e boas lembranças deles. Foram uns guerreiros, pioneiros. Queriam o progresso da cidade.

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  9. Valmir... meu pai em Julho de 1965 comprou uma TV na loja MJ Remor (que ficava ao lado do Cine Mussi) e este aparelho foi trocado várias vezes por outros de marcas diferentes porque por algum motivo (!) não funcionava... até que um Empire modelo Bonanza deu certo. Com relação as antenas que era um indicador de que naquela casa tinha uma TV e isto dava "status", tinha das mais simples (pé de galinha) às maiores e mais sofisticadas e com mais varetas... que mais pareciam uma torre de Radar. Também, havia a necessidade de constantemente mudar a posição da antena, seja porque o vento tinha tirado da posição ideal ou mesmo porque a emissão do sinal tinha sido mudado. Fica fácil imaginar a cena e o diálogo entre o "ajustador da antena" e o aflito estava tentando conseguir a melhor imagem (menos chuvisco). Sobre as pessoas (técnicos e outros que participaram de alguma forma), ficaram na nossa lembrança e a gratidão pela dedicação impar... para que a comunidade pudesse usufruir da Nova Tecnologia.
    Grande Abraço do Adolfo Bez Filho - Joinville / SC.

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  10. Verdade. Tinha a antena pé de galinha também, mais simples. A espinha de peixe tinha um monte de varetas, aquilo com o vento quebrava com facilidade. E os parafusos eram de ferro. Enferrujavam tudo. Dava um trabalhão tirar. Sobrava também pra mim.
    E sempre um era escolhido pra girar o cano da antena. Melhorou? E agora? Piorou. Agora melhorou um canal e piorou o outro. Enfim, um saco. Mas era divertido.
    Pelo menos sob o ponto de vista de hoje.

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  11. Olá Valmir, tudo bem? Quero parabenizar e agradecer por mais este belo apanhado histórico da nossa cidade. A matéria, como de costume, ficou muito boa e com o texto muito bem escrito e elaborado. Gostaria de agradece-lo também por citar meu pai, conhecido por muitos como Antonio rádio-técnico. Ele me apresentou esse mundo da tecnologia desde a minha infância. Eram rádios, válvulas e outros componentes eletrônicos, que eu via no ranchinho que servia de oficina e que ficava ao lado de nossa casa. A televisão demorava a ligar, porque era valvulada e levava um tempo até aquecer. Bons tempos, como muitos diriam. A vida era mais simples, de fato com muitos desafios, como já mencionado por outros. Mas também havia um sentimento mais honesto, até mesmo com alguma ingenuidade, que deixou pelo menos pra mim, muita saudade. Continue assim e mais uma vez muito obrigado. Abraço.

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