sábado, 7 de junho de 2014

Depois dos cinquenta anos é assim

Chega um tempo na vida da gente que começamos a reencontrar amigos, familiares e conhecidos somente em velórios. Cruz credo!

E também nas antessalas de consultórios e clínicas médicas.

Na manhã chuvosa da última sexta-feira , os consultório médicos situados no prédio do antigo Banco Nacional do Comércio, estavam lotados. Algumas poucas crianças acompanhadas de suas mães para o atendimento com o pediatra dr. Celso Palma.
Mas a maioria do pessoal era para consultas com o dr. Oscar Pinho e o clínico (e geriatra) dr. Silvinho Castro.
No atendimento na recepção, a Sônia e Clair se desdobravam, entre carteiras, formulários e fichas.

Uma senhora mais apressada perguntava se não existia uma fila preferencial para idosos. No que a Sônia calmamente explicava que ela já estava exatamente na fila para idosos, com seu término lá na escadaria de entrada do prédio.
E sempre chegava mais um.

Um conhecido senta ao meu lado, usando bengala e gemendo. Indago os motivos e ele me responde que é o ciático que está novamente incomodando.
O “novamente”, ele frisou, entre dentes.

Defronte, um amigo se remexe no banco e me conta que está com pontadas. Acha que pode ser uma pneumonia. Começou a sentir a dor quando tirou a camisa no quintal da casa e uma corrente de vento nordeste, o tal "vento encanado" bateu de cheio... Uma bobeira.
- Mas na nossa idade não podemos mais fazer isso não, alerto.
E lembro saudosista quando ele e eu jogávamos bola nas areias da praia, inverno e verão, e depois, suados, mergulhávamos nas águas geladas do Mar Grosso. Ou que após as peladas no campinho do Magalhães tomávamos banho com água de torneira ou de mangueira, ali no poço da casa da Dª Adalgisa.
Mas isso foi há muito tempo...
- Agora meu amigo, até a água do chuveiro tem de estar quentinha, completo.

- A verdade é que depois do cinquenta anos muita coisa começa a ficar proibitiva, exclama um senhor ao meu lado. No que concordo inteiramente com ele, lembrando alguns tons de cinza... da idade.
E ele continua:
- Antes, meu filho, eu não tinha dinheiro para comprar o que eu desejava comer ou beber. Hoje tenho melhores condições financeiras mas não posso mais porque a glicose é alta, o nível de colesterol está absurdo e o fígado é fraco.

A senhora ao seu lado, acho que sua mulher, entra na conversa e diz:
- Depois dos cinquenta é assim mesmo, o que é pra ficar duro amolece e o que é pra ficar mole endurece!.

Epa!!! Ainda não, ainda não!!!

Por coincidência, outro conhecido chega mancando, senta ao meu lado e diz que está com “gota”.
Será que foram umas cervejinhas que tomei assistindo ao jogo amistoso do Brasil?
Vai saber...
-O que vai ser de mim na Copa? Choraminga ele.

Um amigo meu de juventude (não disse? Mais um chegando, assim mesmo no gerúndio), companheiro dos bailinhos do 3 de Maio e da sessões do Cine Mussi, entra com as mãos na barriga, ventre estufado, suando em bicas e com calafrios. Marca a consulta, me cumprimenta e após alguns minutos, quando desocupa uma vaga, senta ao meu lado.
Entre um gemido e outro vai contando sua sina. Ele me diz que já fez de tudo, já comeu passas, chupou laranjas, tomou dúzias de laxantes e nada. Está simplesmente há mais de uma semana sem evacuar. 
- Minha nossa! Coitado! Que situação!
E aí me desculpe leitor o humor azedo e fora de hora, eu sei, mas fiquei pensando no paradoxo: logo ele que na nossa juventude era conhecido como o maior cagão da turma.

Pra ocê vê o que a idade faz com a gente...

E assim corre a manhã, numa antessala de espera de um consultório, onde vamos em busca de um alento, de um lenitivo, de remédios que curem ou atenuem nossas dores físicas.

Já as dores d’alma, as feridas existenciais, estas são mais difíceis. Não há mágica  ou curativos às decepções, mágoas e injustiças do dia a dia.

A não ser a fé em Deus e o tempo, que tudo sara, tudo abranda. E também esquece.

3 comentários:

  1. Caro Valmir bom dia! Adoro cronicas e esta ficou ótima! Manhà chuvosa de sábado estou aqui na ilha de SC lendo e rindo do seu excelente texto. Merece estar num livro. O bom é que a gente se sente na Laguna kkkkk. O notebook tem um teclado diferente, desculpe a acentuação capenga.Parabéns pela narrativa que contou tao bem o que se passou na sala de espera. Fraternal abraço. Fatima Barreto.

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  2. É bem assim, o encontro em todas as clínicas, em toda especialidade.

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  3. Valmir, bom dia
    Você conseguiu contar muito bem a realidade depois dos 50 anos, tenho que concordar contigo, pois, tenho uma razoável experiência... já "entrei nos 60". Mas, nas consultas médicas é que temos a realidade do que é a melhor fase da vida (!!!)... não é bem assim, mas, deixa pra lá.
    Forte abraço do Adolfo Bez Filho

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