Ao longo do tempo houve várias tentativas para trazer os restos mortais de Anita Garibaldi de sua sepultura na Itália, para
Laguna, sua terra natal. Todas elas não lograram êxito.
Anita, em sua sétima sepultura, desde 2 de junho
de 1932 descansa na Colina Gianícolo, em Roma, enquanto Giuseppe Garibaldi está
sepultado em sua tumba na Ilha de Caprera, na Sardenha, ao lado de sua 3ª
esposa Francesca Ambrosino. Anita e Garibaldi estão a quinhentos quilômetros de distância um do outro.
Monumento Anita Garibaldi na Colina Gianícolo, em Roma, onde repousam os restos mortais da heroína. |
A obra em
bronze, feita mediante escolha em concurso público, pelo escultor Antônio
Caringi, considerado o maior escultor de obras épicas, já previa na parte
posterior do pedestal, um local em forma de túmulo, inclusive com uma lápide que
servisse futuramente de depósito aos restos mortais da heroína, como se pode
observar na foto.
Na década de 1970 começaram
as tentativas de
translado
Conforme o pesquisador Wolfgang Ludwig Rau, “Em fins de 1973, estava tomando
vulto na Laguna um movimento cívico com vistas à transladação dos restos
mortais de Anita Garibaldi do monumento Gianícolo, uma colina na parte
ocidental de Roma, na Itália para sua terra natal”. (O Perfil de uma Heroína Brasileira, pág. 481)
De fato, neste
ano, o jornal Correio do Povo, editado em Porto Alegre–RS, e com grande
circulação em Santa Catarina, promoveu ampla campanha com esse objetivo.
Mas o
movimento logo encontrou resistências na Itália e não seguiu adiante em seu
intento.
Esteve no Rio
Grande do Sul, inclusive na redação do Correio do Povo, em Santa Catarina e no Uruguai.
No início da década de 1980 nova tentativa
Em 1980,
durante o governo do prefeito Mário José Remor, o assunto da repatriação
voltaria à tona.
Novamente a
campanha partiu da Companhia Jornalística Caldas Júnior, que editava o jornal
Correio do Povo. Naquele ano, o jornal comemorava seu 85º de fundação.
No senado
federal, o senador Jaison Barreto, lagunense, destacava o fato em
pronunciamento, dizendo:
“Em Laguna, nossa terra natal, a iniciativa do
Correio do Povo vem despertando o maior entusiasmo e alegria cívica”.
Wolfgang
Ludwig Rau, entrevistado pelo jornal “Ofereceu-se
para defender, junto às autoridades italianas, a campanha que ora se trava”.
Já o prefeito
Mário José Remor, na mesma reportagem do periódico, assim se manifestava:
“A volta dos restos mortais de Anita Garibaldi é
um velho sonho da comunidade lagunense. Penso que esta campanha do Correio do
Povo será muito laboriosa, pelos esforços que exigirá. Teremos que convencer os
italianos de que Anita Garibaldi tem mais importância para nós do que para eles”.
Imprensa catarinense se engajou na campanha
A imprensa
catarinense também apoiava a iniciativa do Correio do Povo. O jornal Folha da
Tarde, do RS, igualmente trazia várias reportagens sobre o assunto.
O sindicato
dos jornalistas profissionais de Santa Catarina, através de seu presidente José
Nazareno Coelho, enviou ofício à direção do Correio do Povo, expressando seu
apoio à campanha. Em reunião de diretoria da entidade, foi aprovada por
unanimidade “moção de aplausos ao jornalista Breno Caldas e ao Correio do Povo
pela patriótica iniciativa de encetar a campanha”.
Os principais
jornais de Santa Catarina, A Gazeta, O Estado, A Notícia e Jornal de Santa
Catarina, destacavam a promoção do Correio do Povo. O jornal semanário A Ponte,
de Florianópolis, trouxe matéria de capa sobre o assunto dizendo que vinha a
público para “demonstrar que quer ser parte integrante do apoio que a campanha
merece”.
Anita Garibaldi visita Laguna
Naqueles
meses, visitava o Brasil, Anita Constance Garibaldi Hibbert, presidente da
Européia Cultural Foudation, bisneta de Anita Garibaldi,
filha do general Ezio Garibaldi, neto de Giuseppe Garibaldi.
Na foto pode-se observar Salun Nacif, Rau com a esposa Malvina, Anita Constance com o marido Raymond Hibbert e o prefeito Mário José Remor. Arquivo Remor |
Conheceu a
histórica Laguna, terra natal de sua famosa bisavó e posou para fotos aos pés
da imagem da heroína, na Praça República Juliana.
Antes,
indagada pela reportagem do Correio do Povo sobre a campanha de repatriação, a
bisneta de Anita afirmou:
“Entendo o desejo dos brasileiros e especialmente
dos lagunenses em terem de volta os restos mortais de Anita, mas considero
difícil realizar a tarefa, pela expressão que ela também obteve na história
italiana. Muita da força que Garibaldi teve para realizar a unificação da
Itália e libertação do povo da dominação estrangeira provinha de Anita. Ela o
marcou, com sua determinação, mesmo depois de morta e assumiu um papel que
nenhuma outra mulher teve na história italiana”.
Com o passar
dos dias, a campanha novamente caiu no esquecimento, devido às resistências dos
descendentes e das autoridades italianas.
Em fins dos anos 90 novas ações
Anos depois,
em 1998, novas ações foram empreendidas com vistas à realização do translado.
No começo do ano, em 27 de janeiro, uma comitiva de lagunenses, juntamente com o deputado federal Paulo Bornhausen buscou o apoio diplomático em Brasília, através do ministro das Relações Exteriores, Luiz Felipe Lampréia, com vistas à transferência dos restos mortais.
Fizeram parte da comitiva o presidente do Fórum Sul de Debate Permanente, Mário Eduardo Barzan, o vereador lagunense Renato de Oliveira, o radialista João Batista Cruz e o secretário de turismo da Laguna Waldy Sant'Anna Júnior. Era prefeito da Laguna João Gualberto Pereira.
No começo do ano, em 27 de janeiro, uma comitiva de lagunenses, juntamente com o deputado federal Paulo Bornhausen buscou o apoio diplomático em Brasília, através do ministro das Relações Exteriores, Luiz Felipe Lampréia, com vistas à transferência dos restos mortais.
Fizeram parte da comitiva o presidente do Fórum Sul de Debate Permanente, Mário Eduardo Barzan, o vereador lagunense Renato de Oliveira, o radialista João Batista Cruz e o secretário de turismo da Laguna Waldy Sant'Anna Júnior. Era prefeito da Laguna João Gualberto Pereira.
É também o ano em que
o advogado Adílcio Cadorin e diversas entidades representativas da sociedade
lagunense, conseguem na justiça (Ação de Justificação Judicial) o chamado
registro tardio, a certidão de nascimento de Anita Garibaldi. O edital de
Intimação de sentença foi emitido em 5 de dezembro de 1998 e o mandato para o
registro tardio no cartório foi expedido em 11 de maio do ano seguinte, em
solenidade na Casa de Anita, antecedida de uma passeata desde o Fórum da
Comarca.
Matéria
publicada em meu jornal Tribuna Lagunense, de 10 de julho de 1998 sobre
a repatriação dos restos mortais de Anita Garibaldi dizia:
“Devemos
envidar e concentrar nossos esforços para repatriar seus restos mortais, erigindo-lhe
um memorial, como forma de resgatar o débito de gratidão que lhe devemos.
Sepultada distante de sua terra natal e longe da companhia de seu eterno
esposo, Anita hoje é apenas um monumento isolado, erguido no alto de uma colina
italiana, que ainda não descansou definitivamente”.
Em 1999, em 22 de março, havia sido criada a Fundação Anita Garibaldi (hoje denominado Instituto) e formada uma Comissão pelo Repatriamento dos Restos Mortais de Anita Garibaldi.
Em maio do
mesmo ano membros da Comissão entregam a Luiz Fernando Lampreia, Ministro das
Relações Exteriores do Brasil, a certidão tardia e um dossiê com reportagens e
diversos outros documentos, juntamente com o pedido da repatriação dos restos
mortais, o que envolve articulações diplomáticas.
Delegação foi à Itália
O governador
Esperidião Amin e Gilmar Knaesel presidente da Assembleia Legislativa de SC,
assumem oficialmente a campanha pelo repatriamento. Uma viagem de deputados catarinenses
já estava programada à Itália com vistas a tratar de outros assuntos e o
repatriamento dos restos mortais entrou na pauta da viagem.
Faziam parte
da delegação os deputados estaduais Gilmar Knaesel, Ivan Ranzolin, Volnei
Morastoni, Reno Caramori, Rogério Mendonça, Romildo Titon, Ronaldo Benedet,
Onofre Agostini, Gelson Sorgato, pelo deputado federal Pedro Bittencourt Netto,
pelo representante do governador do estado, Mauro Beal e Adílcio Cadorin,
presidente da Fundação Anita Garibaldi.
A delegação
levou um dossiê contendo cópias de declarações de instituições e farto material
jornalístico em torno da transferência dos restos mortais de Anita Garibaldi.
Em
Roma, em audiência, o material foi entregue pela delegação à senadora e
vice-ministra Patrícia Tóia, da Farnesina, o Ministério de Relações Exteriores
daquele país. Presente também à reunião, que durou uma hora, Annita
Garibaldi Jallet, bisneta da heroína.
Vice-ministra italiana joga ducha de água fria sobre o pedido
Patrícia Tóia à
ocasião declarou apoio a todas as iniciativas que visem o incremento das
relações culturais, políticas e econômicas com o Brasil. Sobre o pleito da
transferência dos restos mortais foi objetiva: “Não é o momento de analisar o
mérito do pedido”.
A delegação também foi recebida pelo Embaixador Brasileiro em Roma, Paulo Tarso Flecha de Lima, a quem solicitou apoio ao pleito. Flecha Lima com entusiasmo deu apoio à missão parlamentar catarinense, mas frisou: "Não será fácil. Os italianos a consideram a "mãe da Pátria". Antevejo dificuldades, mas não vamos desanimar. Levamos D. Pedro I para o Brasil. Por que não lutar pela volta de Anita?".
A delegação também foi recebida pelo Embaixador Brasileiro em Roma, Paulo Tarso Flecha de Lima, a quem solicitou apoio ao pleito. Flecha Lima com entusiasmo deu apoio à missão parlamentar catarinense, mas frisou: "Não será fácil. Os italianos a consideram a "mãe da Pátria". Antevejo dificuldades, mas não vamos desanimar. Levamos D. Pedro I para o Brasil. Por que não lutar pela volta de Anita?".
Jornal A Notícia publicou ampla pesquisa e entrevistas com descendentes de Anita
Em caderno
especial em homenagem aos 150 anos da morte de Anita, intitulado “Aninha virou
Anita”, publicado pelo Jornal A Notícia,
em 4 de agosto de 1999, em projeto editorial, pesquisa e textos do jornalista
Celso Martins e do arquiteto lagunense Dagoberto Martins, ambos lagunenses, a
repatriação também é abordada. Texto, entrevistas e fotos feitos na Itália são
do jornalista Moacir Pereira.
Com o título “Translado
é tema delicado” há uma entrevista com Érika Garibaldi, casada com Ezio Garibaldi, já falecido e neto de Anita Garibaldi. Ela presidia a Federação das Associações Garibaldinas e já havia
feito várias tentativas de transferir os restos mortais de Anita para a Ilha de
Caprera onde está sepultado Garibaldi.
Érika já tinha
estado em nossa cidade e sobre o pedido assim se manifestou:
“Acho muito positiva a bandeira levantada pelos
catarinenses de transferência dos restos mortais de Anita para Laguna. Entendo
a importância da causa, com ela até me solidarizo porque representa um resgate
memorável”.
Mas advertia: “Acho que os italianos não aprovarão esta
ideia. Anita Garibaldi foi morta aqui na Itália, lutou com Giuseppe pela
unificação da Pátria, participou de vários e importantes combates, foi
dignificada em vários atos oficiais e enaltecida pela materialização de vários
monumentos, o maior dos quais em Gianícolo. Ela deve ficar junto do marido”.
“Anita Garibaldi é considerada mãe da Itália”, diz bisneta
Outra
importante descendente de Anita, a bisneta Annita Garibaldi Jallet, que atuava
no Conselho Geral dos Italianos no Exterior, principal órgão de intercâmbio
internacional do Ministério das Relações Exteriores da República da Itália,
considerava o pleito “Muito delicado”,
enfatizando que “Anita Garibaldi é muito
admirada na Itália, porque se constitui na única mulher símbolo da unificação”.
E prosseguia
abordando a delicada questão:
“Anita Garibaldi é considerada por nós como a mãe
da Pátria. O pai da Itália é Giuseppe, seu marido. Há muitas mulheres com
desempenhos notáveis ao longo da história italiana. Podem ser encontradas
muitas mulheres de expressão intelectual. Mas só Anita pegou em armas para
defender os ideais de justiça e liberdade”.
“Em nome da Itália fala o governo italiano”, continua. “Mas é importante salientar que a Itália
guarda com muito amor as cinzas de Anita Garibaldi. Não podemos dividir os seus
restos mortais. Além disso, há outras maneiras de fazermos uma ponte entre Roma
e Laguna, entre o Brasil e a Itália. Considero até secundário levar ou não
levar suas cinzas para o Brasil”, afirmou, enfraquecendo a bandeira do
repatriamento.
Diante dos fatos, o então secretário da Casa Civil do governo de Santa Catarina, professor Celestino Secco, em entrevista ao jornal A Notícia, de Joinville e publicada em 14 de julho de 1999, opinou sobre o assunto:
"Mais importante que transladar as cinzas de Anita Garibaldi da Itália, é reverenciar sua memória e exemplo. O mais importante é que haja o registro histórico da personagem e não a vinda das suas cinzas. Precisamos é reverenciar Anita como heroína. Não é imperativo a vinda das cinzas para Santa Catarina. O que importa é o que fica como grau cultural e não o grau material de um evento".
Desde então não houve mais movimento pela repatriação dos restos mortais de Anita da Itália para Laguna.
Wolfgang
Ludwig Rau, considerado por muitos historiadores e escritores um dos maiores biógrafos de Anita Garibaldi, no
prefácio de seu grandioso livro “O
Perfil de uma Heroína Brasileira”, entendeu o grande valor de Anita
Garibaldi na Itália e junto aos italianos, um povo que cultua verdadeiramente seus
heróis, não tendo memória curta nem menosprezo pelos seus antepassados.
Rau sintetiza esse valor em sua obra:
Rau sintetiza esse valor em sua obra:
“Compreendi, desde logo o quanto o “mito Garibaldi”
representa na Itália; e compreendi, também – já nas primeiras horas – quanto de
elevado valor representa especialmente a nossa lagunense Anita para o povo
italiano, por ela mesma e por ter sido a esposa e amada companheira de seu
Herói Nacional, Giuseppe Garibaldi”.
E finaliza o pesquisador e escritor,
com chave de ouro:
“A voz do povo italiano, através da tradição oral,
perpetuou-lhe uma lembrança cheia de admiração pelos seus feitos guerreiros,
seu estoicismo nas maiores privações e pelo seu desprendimento tantas vezes
comprovado”.
Outra matéria digna de elogios, Valmir. Muito bem pesquisada. Wilmar Coelho Florianópolis
ResponderExcluirMuito boa matéria. Parabéns.
ResponderExcluirSérgio Mattos
Nunca concordei em trazer os restos mortais de Anita para cá. Até porque nossos representantes não dão bola para os nossos monumentos e para cultura da terra. Mas a pesquisa e reportagem sobre as tentativas ficou show. Parabéns Valmir. Edson de Jesus
ResponderExcluirEu não conhecia essas histórias pra trazer as cinzas da Anita. Gostei da matéria. Aprendi mais uma. Deviam deixar ela lá mesmo onde é tratada como heroína enquanto aqui... José de Abreu.
ResponderExcluirUma excelente aula de história!
ResponderExcluirMateria muito interessante!!! Adorei!
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