“Não era feio o lugar, mas não era belo. Tinha,
entretanto, o aspecto tranquilo e satisfeito de quem se julga bem com a sua
sorte”.
(Lima Barreto, em Triste
Fim de Policarpo
Quaresma)
Nas décadas finais do século XIX, com a chegada de
imigrantes e o início da exploração do carvão no sul do estado e construção da
Estrada de Ferro Donna Thereza Christina (EFDTC), uma onda de progresso começa a varrer a cidade
da Laguna, principalmente em seu aspecto cultural.
Teatro, clubes, Sociedades Musicais e
carnavalescas, escolas, jornais, biblioteca, hospital, mercado, são construídos
e inaugurados. Pelo porto do centro da cidade escoavam produtos primários e
chegavam os manufaturados. O tráfego com outras praças era intenso, inclusive
com o Rio de Janeiro.
Rua da Praia (Gustavo Richard), no começo do século XX. Na maré cheia a água vinha quase até as edificações. |
Nas primeiras décadas do século XX tudo isso vai
começar a mudar.
Na orla do centro da cidade, lixo, limo, podridão, urubus e gado
Saul Ulysséa em seu livro “A Laguna de 1880”, nos
conta que as ligações do centro da cidade para os arrabaldes (Campo de Fora e
Magalhães) eram feitas por caminhos. Já o centro da cidade era muito feio e
fétido, no final do século XIX.
“Por toda a praia era despejado o lixo das casas
próximas e os detritos da cozinha, durante o dia, o que era feito em latas e em
caixotes.
Nessas ocasiões era grande o número de urubus que
afluíam ao local, disputando com os cães o que podiam aproveitar”.
E continua Ulysséa, à página 15:
“À noite após o fechamento das casas comerciais
varejistas, todos evitavam passar pela rua da Praia (atual Gustavo Richard),
porque era a hora do despejo de matérias fecais, conduzidas em barris e latas
por escravos ou criados”.
Eram denominados “tigres”, porque a ureia por
vezes derramada sobre o corpo provocava listras, como no felino.
“Davam-se por vezes episódios nojentos, provocados
por indivíduos que pretendendo fazer espírito, empurravam os condutores de
latas, na escuridão da noite.
Não havia então iluminação de espécie alguma. A
iluminação pública a petróleo só foi inaugurada em 1891.
Na época em que o limo desprendido do fundo do
mar, flutuava e era pela maré arrojado à praia, o gado solto, principalmente
pela manhã, era atraído para ali.
Em vários pontos da praia viam-se vacas com
bezerros, fartando-se na gratuita ração.
Quando o limo apodrecia e antes que fosse retirado
dali, o que era demorado, produzia exalações fétidas que eram sentidas até nas
ruas centrais”.
Em 1910, pode-se observar a base das Docas sendo construída. |
Além disso, a
infraestrutura não existia. O mesmo Saul Ulysséa informa:
“O mar chegava geralmente à altura onde está
edificado atualmente
(em 1944, quando escreveu e publicou o livro) o passeio da atual rua Gustavo Richard. Somente no quarteirão do Rincão
(rua Fernando Machado e Osvaldo Cabral), nos dias de maré
alta, o mar atingia as soleiras das casas”.
E mais
adiante:
“Não havia nivelamento, nem das ruas nem dos
passeios, que eram feitos à vontade dos proprietários, quando os faziam.
Variavam em altura e largura, feitos de pedras, sem traço”.
Quer dizer:
uma verdadeira casa da mãe Joana. Plano diretor e código de posturas eram
miragens. E se existiam algumas normas, elas não eram fiscalizadas nem
cumpridas.
Isso que no
fim do século XIX, o centro da cidade contava “com mais de 600 casas térreas e
30 sobrados”. Sem falar das ruas, becos e vielas.
Relatório Descritivo da Laguna feita pelo juiz da
Comarca em 1881 mostra o feio aspecto
No “Relatório
Descritivo da Laguna”, em seus aspectos geográficos, históricos e sociológicos,
feito em 1881, pelo juiz de Direito da nossa Comarca, Francisco Isidoro
Rodrigues da Costa, ele observa o feio aspecto da cidade e dá suas sugestões. O
documento foi transcrito no livro “Laguna
antes de 1880”, do padre João Leonir Dall’Alba:
“Aos habitantes da Laguna, especialmente aos
proprietários da rua denominada Praia (como já observado, a atual Gustavo Richard),
lembraríamos a necessidade de cada um contribuir para diminuir os obstáculos da
barra, o que se conseguiria fazendo um cais ou rampa que não só aformosearia
a cidade, como daria valor duplo a suas propriedades. Em toda a parte a entrada
marítima é o lugar onde o povo e a municipalidade, se esmeram para apresentar
asseio e beleza e atrair a vista do espectador. Nesta terra, porém, é o
contrário. A principal rua conserva-se no estado primitivo”.
Foto de 1910. A orla ainda sem aterro. |
Mais adiante o
juiz, que era uma pessoa culta, escrevia para os jornais locais e apreciava as
belezas naturais da região, observava sobre a higiene da cidade:
“Durante a nossa estada nesta cidade não cessamos,
com nossa humilde pena, de clamar, chamando a atenção da municipalidade para o
serviço de higiene, que é para onde esta deve ter a vista sempre presa”.
A Laguna,
cidade importante da Província, não tem procurado melhorar o seu estado
sanitário.
As emanações
pantanosas, sobretudo, que favorecem a propagação de epidemias, não são
extintas. A Providência favoreceu o povo com uma contínua mudança de ventos,
que carregam os miasmas e contribuem para a salubridade, embora de 1874 a 1878
a epidemia da Varíola dizimasse a população. Estando em frequente comunicação
com o Rio de Janeiro, facilmente se importa a Febre Amarela, as Bexigas e todas
as espécies de epidemias. Deve-se por isso conservar as casas, as ruas, os
valos e outros focos de miasmas sempre acionados, observando os preconceitos
higiênicos”.
Com o
subtítulo “Necessidades locais”, o
douto juiz analisava a situação e puxava a orelha dos administradores, dos
maiorais da terra e da população:
“A Laguna, esta parte do paraíso terrestre do
Brasil, berço natalício do finado Jerônimo Coelho, esse grande vulto do país
que tão bons serviços prestou à pátria, tem, infelizmente, vivido esquecida dos
cuidados administrativos, devido a uma política mal entendida, que mata as mais
nobres aspirações de um povo independente e altivo como o catarinense.
Que será do município da Laguna se estiver a
esperar tudo do governo?
A energia de um povo se manifesta pela iniciativa
que toma no seu progresso material e moral.
O povo lagunense, é força confessar, liga pouca
importância ao seu bem estar. Os cidadãos de fortuna e prestígio tratam
exclusivamente dos seus interesses.
Entendem que em tudo e para tudo deve haver a intervenção do governo. Estes que
assim entendem querem a subordinação do poder público ao privado, a absorção
daquele por este. Daí provém a indiferença que todos notam nos lagunenses
abastados.
Muitas são as
necessidades locais que já deixamos ditas no correr deste trabalho tudo
está por fazer: A barra necessita ser melhorada; cemitério, ser concluído; as
suas ruas, calçadas, o mercado, o chafariz, construídos. Se pelo esforço
comum não se levar a efeito os melhoramentos indispensáveis ao cômodo e
bem-estar, construindo-se, assim uma certa independência dos favores do Estado,
jamais, por outra forma, dar-lhe-á prova de vitalidade e prosperidade. A
população almeja possuir tão importantes melhoramentos”.
E o juiz finalizava fazendo uma sugestão:
“É mister que o povo, por si, por meio de associações,
faça alguma coisa, não espere pelo governo”.
Poucos anos
depois o juiz foi embora para outra comarca, mas as palavras escritas em seu
Relatório devem ter doído aos ouvidos de muita gente. Dizer que o lagunense
pouco ligava para seu bem estar, que ficava esperando tudo do estado, que os
cidadãos de fortuna e prestígio ligavam somente para os seus interesses...
Magoou.
Evidentemente
ninguém retrucou pelos jornais contestando as palavras do juiz, que eram
verdadeiras e mostravam a realidade local.
Pelo sim pelo
não, no começo do século seguinte houve o despertar do povo lagunense, seguindo
o exemplo da capital do Brasil, o Rio de Janeiro, e comissões foram montadas
com vistas aos melhoramentos urbanos da cidade, como veremos adiante.
No começo do século XX, no Rio de Janeiro,
acontece o chamado bota-abaixo
No começo do
século XX, o prefeito do Rio de Janeiro, Pereira Passos (1902-1906), promovia
naquela cidade uma urbanização, saneamento e civilização da recente Capital da
República. Era o chamado “bota-abaixo”.
O centro da
cidade foi o local que sofreu as maiores transformações.
Avenidas foram
abertas, morros desmanchados, mangues aterrados. Nem tudo deu certo, é bem
verdade. Cortiços foram derrubados e sua população, sem ter pra onde ir e não
querendo se afastar do centro, começou a subir os morros dando origem à ocupação
desordenada até hoje.
Mas os maiores
objetivos, que era o saneamento básico e a higiene foram
conseguidos. Pereira Passos quando estudou em Paris, tinha
presenciado as reformas urbanas promovidas por Georges-Eugène Haussmann e as implantou no Rio de Janeiro.
Na Laguna, surge a Associação de Aformoseamento
Seguindo o
exemplo da então capital do Brasil, nos primeiros anos do século XX,
comerciantes, armadores e autoridades da Laguna se reuniram para dar uma nova
cara à cidade.
Foi criada, em
14 de julho de 1907, por iniciativa de Ataliba Goulart Rollin e seu cunhado
José Guimarães (Juca) Cabral, uma “Associação de Aformoseamento” para
sugestões, projetos e arrecadação de numerários para as futuras obras.
Entre elas,
praças, chafariz, a construção do cais em granito, passeios, calçamento de
ruas, iluminação elétrica, etc.
Prolongamento dos trilhos do Campo de Fora até o
centro
Desde o começo
do século já havia uma campanha pedindo o prolongamento dos trilhos da Estrada
de Ferro da Estação do Campo de Fora até o centro da cidade. Alegava-se que a estação
ficava longe do comércio, do porto, nos dias de chuva era um lamaçal, etc...
O cais das Docas ainda por concluir. Foto anterior a 1933, já que pode-se observar que a igreja do Rosário no topo do morro ainda não foi demolida (1933). |
O prolongamento
vai acontecer em 1º de setembro de 1908, quando foi inaugurado ramal até o
centro, passando pelo antigo “potreiro” (Largo do Rosário) e rua 13 de maio (antiga rua do cais),
com uma estação provisória montada na rua Gustavo Richard. Como registra o
jornal O Albor:
“Mais de 2 mil pessoas compareceram ao ato,
acompanhadas da Banda União dos Artistas. À uma hora da tarde, um trem puxado
pela locomotiva Princesa entrava na rua das Flores (atual Almirante Lamego), com bandeirolas, ao som de música,
espocar de foguetes e prolongados vivas ao engenheiro da Estrada de Ferro, César
Pinna”.
Ruben Ulysséa, no jornal Semanário de Notícias de 23 de abril de 1977, na crônica "Os galos não cantam mais...II", em que narra os tempos de sua meninice (nasceu em 17 de março de 1902), conta-nos sobre o fato:
"(...) Por solicitação do comércio local, há já algum tempo que os trens chegavam até a cidade. Vinham até a hoje Praça República Juliana. As locomotivas, rebocando os seus vagões, enfiavam-se por uma ruazinha estreita do Potreiro, entre uma cerca de tábuas e velhas casas de beirado, e apitando, roncando, resfolegando por todas as válvulas, num ensurdecedor ranger de ferros, entravam na praça da Cadeia. Aí o comboio largava os passageiros e deixava num desvio, uns poucos vagões para a descarga e o carregamento de encomendas. Era infernal. Os trens enfumaçavam e atravancavam a praça, mas, os comerciantes de então achavam que a estação do Campo de Fora ficava muito distante das suas casas de negócio e isto desanimava os fregueses do interior e encarecia o carreto. E conseguiram com a direção da estrada trazer os trens até ali, enquanto não se abria a passagem para a rua da Praia".
Ruben Ulysséa, no jornal Semanário de Notícias de 23 de abril de 1977, na crônica "Os galos não cantam mais...II", em que narra os tempos de sua meninice (nasceu em 17 de março de 1902), conta-nos sobre o fato:
"(...) Por solicitação do comércio local, há já algum tempo que os trens chegavam até a cidade. Vinham até a hoje Praça República Juliana. As locomotivas, rebocando os seus vagões, enfiavam-se por uma ruazinha estreita do Potreiro, entre uma cerca de tábuas e velhas casas de beirado, e apitando, roncando, resfolegando por todas as válvulas, num ensurdecedor ranger de ferros, entravam na praça da Cadeia. Aí o comboio largava os passageiros e deixava num desvio, uns poucos vagões para a descarga e o carregamento de encomendas. Era infernal. Os trens enfumaçavam e atravancavam a praça, mas, os comerciantes de então achavam que a estação do Campo de Fora ficava muito distante das suas casas de negócio e isto desanimava os fregueses do interior e encarecia o carreto. E conseguiram com a direção da estrada trazer os trens até ali, enquanto não se abria a passagem para a rua da Praia".
Meses antes,
em 8 de maio do mesmo ano, o superintendente (prefeito) da Laguna, José
Maurício dos Santos, tinha autorizado a diretoria da Estrada de Ferro Thereza Christina “a atravessar terrenos baldios
situados ao norte da cidade, tendo em vista modificação do traçado da via
férrea”.
No final da década de 30, a estação ferroviária na rua Gustavo Richard. Observe que o antigo mercado público já encontra-se queimado (1939) |
No mesmo mês,
o prefeito assinou a Lei nº 217, que estabelecia diversas providências sobre
construção de passeios, obrigando os proprietários de imóveis no perímetro
urbano “a construir passeios cimentados na frente de seus terrenos e casas,
dentro de 30 dias, sob pena de multa no valor de 25 mil réis. Não o fazendo, o
infrator era cobrado no dobro da quantia e o serviço efetuado pela
municipalidade”.
Era o Código
de Posturas sendo implementado.
Em outubro de
1908, portanto um mês depois do prolongamento da Estrada de Ferro pelo Potreiro (Largo do Rosário), rua 13
de maio e Praça da Cadeia (República Juliana), já se falava em contornar com os trilhos o Morro do Rosário à beira da
Lagoa, com retirada de parte da
pedreira, aterro e construção de um cais.
A construção do cais
Em 18 de
agosto de 1909, os dois deputados estaduais por Laguna, João de Guimarães Pinho
e José Johanny, do Partido Republicano Catarinense (PRC), apresentaram na Assembleia
Legislativa, projeto de lei para construção do cais em nossa cidade.
Sim, sim, você
leu bem, leitor. Tínhamos então dois deputados por nossa terra. José Johanny
substituiu o deputado lagunense Costa Carneiro, falecido em 15 de agosto de
1908.
No porto
antigo ancoravam em velhos trapiches, canoas, barcos e navios de cargas e
passageiros, assim como carga e descarga de produtos e mercadorias que vinham de outras
regiões e municípios utilizando-se de rios e do complexo lagunar.
O projeto de
construção do cais previa, em seu artigo primeiro, que “a linha do cais passará
dois metros além do ponto marcado na planta elaborada pelo engenheiro Polydoro
Olavo de Santhiago e Frederico Selva. Planta inicial então existente na
Secretaria Geral do Estado”.
Antes, em 1902, houve um pré-projeto, de Joaquim Dias da Cunha, que era engenheiro fiscal da Estrada de Ferro.
Antes, em 1902, houve um pré-projeto, de Joaquim Dias da Cunha, que era engenheiro fiscal da Estrada de Ferro.
Engenheiro Polydoro Olavo de Santhiago, quem elaborou a planta do cais e a planta inicial dos Molhes da Barra. Não verá suas conclusões, já que falece em 7 de maio de 1916. |
Foram
signatários do projeto, além obviamente de João Pinho e José Johanny, os
deputados Eugênio Müller, Francisco Margarida, Tavares Sobrinho, Lúcio Caldeira,
Emílio Brum, Thiago de Castro, Ferreira de Albuquerque e Carlos Buchele. O
projeto foi aprovado por unanimidade por todos os deputados presente à sessão.
Dias depois, o
governador Gustavo Richard sancionou a Lei nº 807, de 30 de agosto de 1909.
Conforme a Lei previa em seu artigo 2º, foram nomeados três empresas da Laguna
para comporem a comissão que administraria as obras do cais.
Eram eles:
Firma Pacheco & Irmãos, Thomaz Pereira Netto e Cabral Irmão & Cia.
Para construir
o cais do porto, no centro da cidade, havia sido criada, dois anos antes, em 29
de agosto de 1907, a Lei nº 735, aumentando a taxa de exportação em 30 réis
sobre o volume exportado, dinheiro esse depositado em rubrica à parte, visando
criar um fundo para as obras de infraestrutura e embelezamento da cidade, como o
cais.
Quer dizer: o
ônus da obra recaiu sobre a própria classe comercial lagunense, os armadores
exportadores e importadores. O total arrecadado para início do empreendimento
chegou a 50:000$000 (cinquenta contos de réis) Uma boa soma. Para efeito de
comparação, um exemplar do jornal semanário O Albor custava 200 (duzentos
réis).
Intrigas da oposição
Como vimos
anteriormente, o projeto de lei recebeu aprovação unânime dos deputados
presentes. Mas, por maledicência, desinformação, intriga ou mesmo por pura
fofoca, alguém espalhou na Laguna – e foi publicada em nota no jornal O Albor
em seu número 355 -, que o deputado, médico Ferreira Lima (de Tubarão) havia votado contra o
projeto, portanto indo de encontro aos interesses da Laguna e sua população.
Não era verdade.
O deputado,
evidentemente, contestou a maledicência e em carta datada de 9 de setembro e
publicada no jornal O Dia, de Florianópolis e O Albor, da Laguna, se dizendo
surpreendido, afirmou:
“Não me manifestei contrário à passagem do projeto
e isso frisei bem claramente ao começar o discurso que deu lugar àquela afirmação
do mencionado jornal. Disse que não ia impugnar o projeto, mas apenas pedir uma
explicação aos seus signatários”.
E continuou o deputado em sua carta se
defendendo e esclarecendo:
“Não sou, nunca seria contra a execução das obras
do cais da Laguna. Votei a favor do projeto (que só vim a conhecer naquela
sessão, a primeira em que tomava parte este ano) e falei sobre ele como já
ficou dito, apenas para pedir explicações sobre um ponto que achei se afastar
das praxes estabelecidas”.
O jornal O
Albor teve que engolir a “barriga” jornalística e publicar o desmentido e
esclarecimentos do deputado. Quem mandou seus jornalistas e colunistas, por mero bairrismo, não checarem a
falsa informação.
Início das obras do cais
Em 22 de
setembro de 1909 foram fincadas estacas ao longo da orla da Lagoa Santo Antônio
dos Anjos, determinando o rumo da obra. Seu primeiro eixo ia do Morro de Nª Sª
do Rosário até as imediações do Mercado Público (antigo prédio).
Operários, maioria de imigrantes italianos, no aterro e base do cais, em 1910. Ao fundo o antigo mercado público. |
O pioneiro projeto
do cais, como já vimos, era assinado pelo engenheiro responsável pela
construção dos molhes da Barra da Laguna, Polydoro Olavo de Santhiago e
Frederico Selva, feitos ajustes posteriores. A parte técnica coube ao
engenheiro Augusto César de Pinna, superintendente da Estrada de Ferro Thereza
Christina.
O construtor do
cais, inicialmente, foi o tenente-coronel Manoel José Fernandes, que após a
colocação das estacas de demarcação “reuniu alguns amigos no tradicional Café
Tupy, esquina das ruas Raulino Horn com 15 de novembro, para solenizar o início
das obras, obsequiando-os com profuso copo de cerveja”.
O jornal O
Albor esteve presente na “boca-livre”, na pessoa do seu diretor Antônio
(Tonico) Bessa, que “felicitou o operoso construtor pela auspiciosa inauguração
das obras”, como deixou registrado na edição seguinte.
Era
superintendente municipal da Laguna (prefeito), o coronel José Maurício dos
Santos; e secretário geral da prefeitura, Tácito Pinho.
Nos primeiros
40 dias de serviços foram extraídos 500 metros cúbicos de pedra do Morro do
Rosário e aterrado todo o braço da Lagoa em direção ao Campo de Fora, abrindo
assim espaço para que os trilhos chegassem até o centro da cidade, contornando
o Morro do Rosário em direção à rua Gustavo Richard.
O empreiteiro
(tarefeiro) encarregado dos serviços foi Antônio Zamparetti, que já havia
trabalhado em extração de pedras em estradas de Blumenau e São Paulo.
Numa prestação
de contas realizada um ano depois, pode-se observar pagamentos efetuados a um
engenheiro de nome Emillio Gallois, francês de nascimento, ao fiscal de obras
Antônio Macuco, e a Cândido Manoel Belmiro, “por serviços em canoa, para
sondagens e fincamento de estacas”.
O jornal O
Albor faz uma homenagem e lista os nomes dos operários encarregados dos
trabalhos: Thomé de Souza, Seryeste Bandini, Francisco Roque, João Carara,
Articino Roque, Manoel Costa, Thomaz de Pieri, Luiz de Bona, Wetol Marco, Manoel
Domingo, Ramiro Soares, Manoel Francisco, Angelo Francisco, Sizino Soares,
Domingos Custódio, Antônio Epiphanio, Sebastião Fontana, Angelo Zamparethi,
João Tomé, e Isais.
Em 17 de
novembro de 1909, em cerimônia efetuada pontualmente ao meio-dia, teve início a
construção propriamente dita, com a colocação das primeiras pedras da muralha
do cais.
As pedras de
granito róseo eram extraídas do Morro de Nª Sª do Rosário e talhadas no próprio
local. “Será o único cais construído de material tão precioso em todo o
Brasil”, explicava o empreiteiro aos presentes, entre eles o superintendente e
conselheiros municipais, funcionários públicos federais e estaduais (estes
certamente dando uma escapulida das repartições para assistir ao evento),
comerciantes e populares. Muitos populares.
O Albor não
registra, mas deve ter havido a queima de algumas caixas de foguetes, afinal do
jeito que a cidade sempre foi fogueteira...
E foi essa centenária obra de engenharia, verdadeiro trabalho de arte, que em 2012,
com autorização da prefeitura e do Iphan, teve trecho cortado e desmanchado
para construção de uma rampa para os barcos da sede da Polícia Ambiental...
Arcângelo Bianchini assume a continuação das obras
do cais
Em carta
datada de 30 de outubro de 1911, a comissão encarregada das obras do cais
informava, através do jornal O Albor, que Arcângelo Bianchini substituía o
empreiteiro Antônio Zamparetti na continuação dos trabalhos. Não há explicações
sobre o motivo da mudança.
Eram as obras da chamada 2ª seção, em forma de
elipse, que ia do antigo mercado público até a Ponta dos Martins (Ponta das
Pedras), imediações do atual Iate Clube, incluindo aí construção das Docas para
pequenas embarcações.
Bianchini já
estava tocando as obras de construção do então Grupo Escolar Jerônimo Coelho,
que seria inaugurado em 1912. Antes, em 1904, havia reformado todo o telhado da igreja Matriz. É dele também a murada de pedra do cemitério
Santo Antônio dos Anjos, fundos da igreja Matriz. Suas oficinas, inclusive fábrica de móveis, situavam-se em
galpões na área onde hoje funciona a rodoviária da Laguna. Bem por isso, a rua
defronte às edificações recebeu seu nome, numa homenagem das mais justas da
comunidade lagunense.
Arcângelo
Bianchini foi casado com Bianca Pagani e após ter ficado viúvo, casou-se com dª
Dosolina. Foi tronco de numerosa família.
Seu irmão,
Tito Bianchini foi um desbravador e “rasgador de estradas” nas Serras do Bom
Retiro, Urubici, Rio do Sul e Lages.
Um novo tempo
A construção
do cais continuou e adentrou os anos e décadas seguintes, até o seu término,
conforme previa o projeto. Laguna entrava num novo tempo nas primeiras décadas
do século XX.
Datam de
meados dos anos 1910, a chegada da energia elétrica a Laguna (27/07/1916), pela
empresa Carl Hoepcke e da telefonia (06/08/1916), pelo empreiteiro João
Schneider, que venceram as concorrências efetuadas. Dois cinemas funcionavam
regularmente, os cines Natal e o Saturno; inauguração do prédio do Grupo
Escolar Jerônimo Coelho e prédio do Fórum (1912), etc.
Nesta época já
era superintendente (prefeito) da Laguna, o major Oscar Pinho e secretário geral
do governo municipal, Antônio Guimarães Cabral.
Em 1921, o cais ainda estava em construção. Fundos do antigo Mercado Público. |
E as mudanças
foram tantas no aspecto de infraestrutura na Laguna, que um oficial da Marinha
Brasileira que por aqui passou em 1916, em viagem de inspeção, deixou registradas
nas páginas do jornal O Dia, de
Florianópolis, suas observações da nossa cidade, comparando-a com a que
encontrou seis anos antes.
“E as observações são feitas por pessoa
estranha ao nosso meio, o que quer dizer que são a expressão da verdade”, frisa
o jornal O Albor que reproduziu a carta, na introdução da matéria:
“(...) A Laguna, velha e lendária, em plena
decadência em 1910, ressurgiu qual fênix das suas cinzas em 1916.
Há seis anos era a vetusta cidade um amontoado de
prédios enegrecidos pelos rigores de muitos invernos, outros em ruínas e ainda
outros em abandono.
Hoje, porém
vemos um belo cais para atracação dos navios, com os trilhos da Estrada de
Ferro até o Mercado; a lagoa de Oeste aterrada; os prédios limpos, pintados,
reformados; um regular teatro em construção; um jardim bem cuidado e artístico;
o novo prédio do fórum; o grupo escolar; vários prédios de estilo; o novo
caminho da costa; as ruas limpas, bem alinhadas e bem abauladas; as casas
comerciais bem sortidas, prenhes de artigos de procedência europeia e
americana; o povo alegre, comunicativo, sem o ar aparvalhado do provinciano
sedentário”.
"Sem o ar aparvalhado do provinciano sedentário", é de amargar. Mas era a Laguna
adentrando um novo tempo e acompanhando o desenvolvimento econômico-social dos
grandes centros urbanos. É o começo da Belle Époque, período caracterizado pelo
otimismo, prosperidade econômica, inovações culturais, científicas e
tecnológicas. São desses anos grande parte dos belos casarios levantados no centro da cidade.
Uma época de
grandes transformações culturais que vai influenciar a forma de pensar e viver
o cotidiano em todo o mundo.
Verdadeira aula de história.
ResponderExcluirBoa tarde!
ResponderExcluirComo foi bom ler estes textos. Um retorno ao passado, sem dúvida. Verdadeira aula de história mesmo. Obrigada!
Que maravilha podermos ganhar de presente este conhecimento todo que o amigo nos deu... Viva Laguna... Sou uma pessoa muito orgulhosa por ter nascido nesta terra... Mais uma vez meu muito obrigado... Agradecer é pouco, eu sei, pois o trabalho deve ter sido imenso, mas é de coração...
ResponderExcluirParabéns pela pesquisa e pelo texto e fotos, Valmir. Imagino o trabalhão que deu. Merecia ser discutido em salas de aulas de Laguna, mostrar para alunos e professores de história.
ResponderExcluirJosé de Abreu
Prezado Valmir:
ResponderExcluirMais uma vez você nos surpreende... com uma excelente matéria sobre uma das fases importantes da nossa Laguna, marcada por um período onde ocorreram obras de vulto, que se constituíram em grande melhoria para a cidade.
As fotos que enriquecem o texto, que acredito serem desconhecidas para a maioria, mostram como era e como foi se transformando o cais do antigo porto, que foi construído em duas etapas.
Outro muito aspecto interessante diz respeito ao envolvimento dos empresários do comércio, assim como da classe política... mesmo, havendo a chamada “intriga da oposição”, que sempre irá existir... conforme comentário do jornal O Albor em seu número 355.
Concordo com as palavras do comentário efetuado pelo Sr. José de Abreu, quando registra que este material “merecia ser discutido em salas de aulas de Laguna, mostrar para alunos e professores de história”.
Adolfo Bez Filho – Joinville SC
parabéns foi de grande conhecimento para meu aprendizado
ResponderExcluir