Considerada uma das casas mais bonitas da Laguna, o palacete construído por João Monteiro Cabral no fim do século XIX, foi ao chão em 1968. Construção em cantaria, janelas ogivais, muro de pedra e gradil de ferro. Uma preciosidade arquitetônica que representava uma época de prestígio e riqueza da Laguna. Em seu lugar foi construído um prédio sem estilo da agência do Banco do Brasil.
A partir dos
anos 1970 começa a se esboçar na Laguna um movimento pela preservação de alguns
casarios no centro da cidade. São edificações e suas arquiteturas com os mais
diversos estilos: luso-brasileiro, art
déco, o de influência moura,
germânica, itálica, e outros com padrões diversos.
O gatilho para
a campanha foi justamente a derrubada deste palacete situado na Praça
Vidal Ramos, esquina com Rua Voluntário Carpes.
O Palacete construído por João Monteiro Cabral. |
Fundos do palacete, com o Jardim Calheiros da Graça em frente, em 1940. |
João Monteiro Cabral
João Monteiro
Cabral era irmão de Francisco, Marcolino e José Monteiro Cabral, todos eles
lagunenses.
Eram filhos do
português Manoel Monteiro Cabral, armador e exportador em nossa cidade, que
prestou grandes serviços à Laguna, especialmente quando da construção do
Hospital de Caridade, do qual foi membro (tesoureiro) da comissão construtora.
“Foi tronco de numerosa e tradicional família lagunense, que se espalhou depois
por outras cidades, principalmente Tubarão e Florianópolis”.
O filho, João
Monteiro Cabral, que construiu o palacete, era filiado ao Partido Republicano.
Casado com Elisa Jerônymo de Mesquita, nascida em 1851 no Rio de Janeiro e
filha de Jerônimo José de Mesquita (Barão de Mesquita) e Elisa Maria de Amorim.
João Monteiro
Cabral foi presidente do Clube Blondin, presidente da “Praticagem Livre do
Porto e Barra da Laguna”, provedor do Hospital de Caridade e tesoureiro da
Irmandade Santo Antônio dos Anjos. Em 1908 promoveu ampla campanha por
donativos em prol de obras na igreja Matriz.
Um
palacete à venda
“Vende-se o
grande prédio de sólida construção de cantaria, com muro e gradil de
ferro, na rua Conselheiro Jerônimo Coelho esquina da rua Voluntário Carpes, com
frente para o Jardim Calheiros da Graça, com jardim na frente com todas as
comodidades para grande família, tendo água encanada, banheiro, latrina e
esgoto”.
Os dizeres
acima são do anúncio da venda do citado imóvel, publicado na Revista Santelmo, de 1º de janeiro de
1922.
João Monteiro
Cabral já deveria andar doente quando se decidiu pela venda do palacete,
pois tão logo concretizou a transação, faleceu em outubro do mesmo ano.
O
palacete foi adquirido por João Tomaz de Souza.
João Tomaz de Souza
João Tomaz de
Souza, casado com Aurora (Bortoluzzi) Souza, foi também armador e exportador na
Laguna. Era um dos sócios da Empresa Lagunense de Navegação, em sociedade com
Pinho & Cia e Sady Candemil (pai do atual prefeito da Laguna Mauro
Candemil) & Cia.
O escritório
da empresa funcionava na sala da frente da Casa Candemil – Arquivo Público (que está fechado),
entre a rua Fernando Machado (Rincão) e a Travessa Manoel Pinho. Operava no ramo
de exportação de cereais, farinha, madeira, camarão seco, entre outros
produtos.
João Tomaz de
Souza é avô materno dos falecidos desembargadores Márcio Souza Batista da
Silva, e João Eduardo de Souza Varella, que foi presidente do Tribunal de
Justiça, e do Tribunal Eleitoral de Santa Catarina.
Pintura feita por Zuleika Maria Duarte Varella. |
Ainda no ano
passado, em 4 de agosto, Zuleika Maria Duarte
Varella, artista plástica e viúva do desembargador João Eduardo Souza Varella, fez
entrega à prefeitura da Laguna, de uma tela pintada por ela, do antigo casarão.
O imóvel foi residência dos progenitores do desembargador Souza Varella, Itamar
de Souza Varella e Antônio Nunes Varella. A obra está exposta no Museu Anita Garibaldi.
Surge um caixote sem estilo arquitetônico
O palacete foi
ao chão no ano de 1968, adquirido pelo Banco do Brasil para construção de sua
agência bancária. Em seu lugar surgiu um caixote, sem nenhum atrativo ou estilo
arquitetônico.
Já o palacete
era uma obra arquitetônica de rara beleza, atravessando os anos e servindo de
cenário a tantos acontecimentos sociais, religiosos, carnavalescos, esportivos e militares na
Laguna.
A derrubada do
majestoso palacete situado ali na Praça Vidal Ramos provocou indignação em
muitas pessoas que previam uma onda de “bota-abaixo” em todo o centro da
Laguna, com perdas lastimáveis e irrecuperáveis em seu rico patrimônio
arquitetônico.
Antes deste
fato não se encontra em jornais de nossa cidade qualquer escrito ou campanha
pela preservação de imóveis e sua importância paisagística.
Para
corroborar esta afirmação, basta ver que a única construção tombada na Laguna até
1977, foi o prédio da Casa da Câmara e Cadeia (futuro Museu Anita Garibaldi),
em 5 de março de 1954, realizado pelo Patrimônio Artístico Nacional. Um dos
relatores do documento foi o poeta Carlos Drummond de Andrade.
O entendimento na Laguna – e isso facilmente pode ser
constatado nas notas dos jornais - era a de quando um proprietário
derrubava seu antigo imóvel para construção de outro mais moderno, recebia
elogios louvando o progresso que chegava.
Poder público não se manifestou à época, diz
arquiteto
O arquiteto
Dagoberto Martins diz que a empresa contratada pela instituição bancária para
instalar/construir agências do banco em todo o Brasil certamente ficou até
surpresa por não ter encontrado qualquer tipo de resistência à derrubada deste
prédio, por parte do poder público municipal da época.
“À exemplo de agências em outras cidades
históricas, de rica arquitetura, eles poderiam ter aproveitado o próprio imóvel,
com algumas adaptações, guardando suas características originais”, salienta
Martins, que anos depois vai ser o primeiro chefe do escritório do Iphan na
Laguna.
Se não houve
interesse das autoridades da época na preservação do local, não existia também lei ou decreto regulamentando demolições e/ou conservação de imóveis no centro
da cidade.
A criação desses mecanismos legais de preservação e tombamentos vai iniciar em meados da década de 70.
É matéria para um futuro post que ainda estou escrevendo.
Lamentação, choro e poesia pela derrubada do
palacete
Renato
Ulysséa, de saudosa memória, foi funcionário da filial da empresa Hoepcke em
nossa cidade, até sua aposentadoria. Faleceu aos 99 anos. Morando vizinho ao palacete, foi
um dos inconformados com a derrubada do casarão. Sempre dizia a este autor que
chorou muito na esquina do Clube Congresso Lagunense quando da demolição.
“Era um
patrimônio arquitetônico que ia embora e eu me sentia impotente para evitar tal
disparate”, lamentava-se nas conversas com familiares e amigos.
O professor Ruben
Ulysséa, numa crônica publicada alguns anos depois, no jornal Semanário de Notícias de 7 de maio de
1977, lamentava a derrubada:
(...)
“A minha admiração de menino era pelo suntuoso
palacete de João Monteiro Cabral, ali na Praça da Igreja, centralizando um
vasto terreno que compreendia quase todo o quarteirão. Casa que, juntamente com
essas que antes citei, muito bem representava uma época de prestígio e riqueza,
digamos, a “belle époque” dessa Laguna já distante... Infelizmente esta
preciosidade arquitetônica foi demolida para a construção do edifício do Banco
do Brasil. Com tantas esquinas velhas que existem na cidade, foram derrubar
justamente essa casa apalaçada que emprestava uma incontestável beleza à praça
da Matriz...”(...).
Norberto
Ungaretti em seu livro “Laguna um pouco
do passado”, pág. 252, relembra:
“Era aquele o prédio residencial mais bonito da
Laguna, e continuou sendo enquanto existiu. Dava para a rua Voluntário Carpes,
com seis altas janelas de estilo ogival, três de cada lado da porta principal,
à qual se chegava subindo uma pequena escada com degraus laterais. No lado que
dava para a Praça Vidal Ramos, eram cinco as janelas, nas mesmas medidas e
estilo. Tinha um andar apenas, mas dispunha de um porão habitável, se é que se
podia chamar de porão àquela parte, onde o dr. Milton Bortolluzzi de Souza
muito mais tarde instalou, com toda a comodidade e conforto, seu escritório de
advocacia”
Ungaretti,
quando da derrubada do imóvel, escreveu uma poesia que intitulou “Réquiem para uma casa branca – A esquina do
seu João Thomaz não é mais”, que tomo a liberdade de reproduzir:
“Onde estão as
paredes brancas,
sempre
brancas,
as janelas
ogivais?
não estão
mais.
Agora,
os nossos
olhos flutuam
naquele pedaço
vazio de paisagem urbana,
à procura da
velha casa,
branca,
como uma
visão...
Tão forte, tão
de pedra,
e no entanto
tão frágil...
quem diria?”.
Foi uma pena isto ter acontecido.
ResponderExcluirFoi uma pena o que aconteceu, na época os Lagunenses não davam valor às coisas belas da cidade.
ResponderExcluirÓtima pesquisa Valmir. Mais uma vez. A gente desconhece detalhes, nomes, genealogia, como foi que tudo aconteceu. José de Abreu.
ResponderExcluirMeu pai me contava desta casa. Dizia que era a mais bonita da cidade e que muita gente chorou e achou absurda a derrubada. Gostei da reportagem agora sei como foi. Wilmar Coelho
ResponderExcluirRealmente um pecado sem perdão, a derrubada dese palacete!!!!
ResponderExcluirSó nos resta lamentar!!#
Depois da missa, aos domingos, ficar pendurada no muro do palacete era programa certo.
ResponderExcluirZuleida por acaso és da famili
ExcluirBoa tarde!
ResponderExcluirNão tenho muita certeza, mas penso que Jaqueline Aisemann também cita o referido palacete em um de seus livros. Ela certamente vivenciou este, uma vez que morava nas proximidades. Eu soube de sua existência bem mais tarde... Enfim, adorei mais uma aula de História. Maravilhoso!
Sugiro que continue a contar nossa história, pois creio que muitos não a conhecem. Parabéns pela matéria!!!
Grata!
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirbela matéria.....
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