quarta-feira, 19 de maio de 2021

As epidemias na Laguna

"As febres loucas e breves que mancham o silêncio e o cais"
(Corsário - Aldir Blanc/João Bosco)

Foram diversas epidemias que atingiram a nossa velha e tricentenária Laguna. Algumas delas devastadoras à população.
Dentre as doenças infecciosas estão a varíola, febre amarela, a temida febre cerebral, cólera e coqueluche.
Quando surgiam pelos jornais notícias de surtos de epidemias em outras regiões ou cidades como, por exemplo, o Rio de Janeiro, a população local já ficava apavorada.

Editoriais dos periódicos lagunenses pediam providências preventivas às autoridades.
Sem vacinas para a maioria das doenças naqueles recuados anos, com conhecimentos médicos ainda incipientes, apesar das lutas incansáveis dos profissionais da saúde e cientistas, além da falta de recursos, a população ficava entregue à misericórdia Divina, e a sua própria sorte.
Grande parte da população também resistia em ser vacinada à medida que as vacinas surgiam.
Se nos dias atuais isso ainda acontece, imagine naquelas épocas.
Acreditava-se que era melhor ser contaminado de uma vez para ficar imune pelo resto da vida, “Já que ela não dava duas vezes”.
O problema é que em muitos casos a varíola matava ou deixava terríveis sequelas, como cegueiras e o rosto do doente todo marcado, esburacado, bexiguento, bem por isso o nome popular da doença.
Nas páginas da história do Brasil ficou registrada a Revolta da Vacina, reação de parte da população no Rio de Janeiro à vacinação obrigatória, tornada lei em outubro de 1904 e inserida nas medidas sanitaristas do médico Oswaldo Cruz.
 
Laguna: “Emanações pantanosas”
Além disso, as condições sanitárias das cidades, das Vilas, dos povoados, da população em geral, não eram das melhores.
Francisco Isidoro Rodrigues da Costa, juiz de Direito na Laguna em 1877, deixou um manuscrito de 216 páginas, contando sobre Laguna, seus aspectos geográficos, históricos, sociológicos e econômicos.
No tópico “Higiene”, Isidoro Rodrigues escreveu: 

“A higiene pública, que sempre mereceu particular atenção da parte dos governos, é, infelizmente, questão de pouca monta entre nós, apesar de diariamente se darem casos funestos, por onde se pode avaliar a sua necessidade e importância. A Laguna, cidade importante da Província, não tem procurado melhorar o seu estado sanitário.
As emanações pantanosas, sobretudo, que favorecem a propagação de epidemias, não são extintas. A providência favoreceu o povo com uma contínua mudança de ventos, que carregam os miasmas e contribuem para a salubridade, embora de 1874 a 1878 a epidemia da Varíola dizimasse a população.
Estando em frequente comunicação com o Rio de Janeiro, facilmente se importa a Febre Amarela, as Bexigas e todas as espécies de epidemias. Deve-se por isso conservar as casas, as ruas, os valos e outros focos de miasmas sempre acionados, observando os preceitos higiênicos”.

Oswaldo Rodrigues Cabral diz que a varíola não poderia nem se considerada uma epidemia, porque ela nunca deixou de estar presente entre nós catarinenses, tanto no século XIX como nos anos iniciais do século XX.
Ano após ano surgiam os surtos de maior ou menor intensidade.

Varíola pela primeira em SC em 1775, diz Cabral
Para Cabral a varíola entrou pela primeira vez em território catarinense em 1775, trazida pela tropa que rumava para o sul e que ficou aguardando transporte na Ilha. 

“Alguns soldados contraíram as “bexigas” e foram desembarcados na Vila para serem tratados na enfermaria militar”.
Morreram trinta e cinco rapidamente. Cinquenta e sete tiveram ordens de embarcar.
“O restante, embora poupado à morte, mas atingido, mal convalescido, debilitado, ainda no período de descamação, perseguido por uma sarna impertinente, teve ordem, mesmo assim, de prosseguir viagem, de embarcar para a Laguna e de lá seguir para o Rio Grande... a pé!
E continua Cabral: “Laguna foi atingida, nem poderia deixar de ser... E, notícias recolhidas falam de que Porto Alegre e Rio Pardo também. Resultado: de toda a tropa, metade, ou mais, não chegou ao destino”.

A varíola nos anos de 1870
Conforme vimos no Relatório do juiz Rodrigues da Costa, a varíola atacou a população lagunense e dizimou muitas vidas nos anos de 1874 a 1878.
De fato. A varíola aqui atacou por vários anos do século XIX.
Na seta indicativa, o prédio onde funcionou o primeiro hospital da Laguna, no caminho do Magalhães, à beira da Lagoa Santo Antônio dos Anjos.
Nosso primeiro hospital, São Francisco de Assis, fundado em 1864, (conforme Saul Ulysséa, já que outros autores falam em 1855 como ano de sua criação), funcionava precariamente num prédio alugado na então chamada Praia do Estaleiro.
Década de 1970. À esquerda ruínas do Hospital São Francisco de Assis (Estaleiro). À direita obras do futuro Iate Clube. Aos fundos, as primeiras casas na chamada Ponta dos Martins (hoje Ponta das Pedras).

Era no caminho para o Magalhães, à beira da Lagoa, ao lado do palacete de Francisco Fernandes Martins. Tinha somente dez leitos e não atendia doentes epidêmicos.
Hospital de Caridade Senhor Bom Jesus dos Passos na virada dos século XIX/XX
O Hospital de Caridade Senhor Bom Jesus dos Passos foi fundado em 1884.
Não tínhamos um local exclusivo para recolhimento de doentes epidêmicos, um lazareto, como era então denominado.

1874: “A morte parecia insaciável”
Em 13 de agosto de 1874, o jornal A Regeneração publicava um abaixo-assinado contendo 68 nomes de ilustres personalidades lagunenses.
Agradeciam ao médico Pedro G. de Argollo Ferrão pelo seu trabalho incansável no atendimento aos doentes de varíola em nossa cidade.
Os parágrafos iniciais diziam:

“Os abaixo-assinados são testemunhas oculares das cenas de consternação produzidas pela terrível epidemia da varíola, que assola há cinco meses esta população, fazendo uma mortalidade como até hoje nunca foi vista neste lugar.
Hoje era o filho pranteando a morte de seus pais; amanhã a viúva que trajava o crepe pelo esposo que perdera; mais logo, a mãe desolada que beijava o cadáver do filhinho querido!
A morte parecia insaciável, e o luto cobria já muitas famílias! O povo em desânimo sentia-se tomado de pavor ante tantas cenas lutuosas!”.

Em novembro do mesmo ano a varíola ainda fazia vítimas, tanto que o presidente da Província mandou à disposição da nossa Câmara a quantia de 200$000 (duzentos mil réis) “para socorrer os indigentes atacados da varíola”, conforme noticiou A Regeneração de 26 de novembro de 1874.
No mês seguinte, dezembro, desembarcou na Laguna, certamente desavisado, vindo a bordo do Vapor S. Lourenço, o Visconde de Barbacena e grande comitiva para visitas, principalmente às minas de carvão e ao futuro leito da estrada de ferro.
Hospedou-se na casa do juiz de Direito Manoel do Nascimento Fonseca Galvão. No dia seguinte pela manhã cedo assistiu missa na Matriz.
Aí deve ter sabido que a varíola continuava atacando por aqui. Não quis saber de mais nada. Imediatamente embarcou no navio e dali não mais saiu. Horas depois foi embora, saindo pela barra afora. 

1878: Governador pede providências
Em 13 de outubro de 1878 o jornal A Regeneração publicou correspondência do presidente (governador) da Província de Santa Catarina ao inspetor de Saúde Pública do estado.
Solicitava quais providências a serem tomadas “para acautelar ou impedir a propagação da epidemia de varíola, que grassa atualmente na corte, e já se manifestou na Laguna, segundo comunicação do delegado de polícia daquele lugar”.
Não há maiores informações na imprensa, mas o ofício bem demonstra que a varíola novamente visitava nossa cidade.
 
1879: Doentes atendidos numa casa perto da Carioca
Em 1879 a imprensa publicava notícias sobre a moléstia que estava novamente entre nós.
Foi nos primeiros dias de janeiro daquele ano. Como não havia lazareto, como sabemos, o doentes foram atendidos numa pequena casa situada no Largo da Carioca.
“Logo perto da Carioca! por onde diariamente transitam centenas de pessoas”, criticava o jornal O Município, de 8 de abril daquele ano. Possuía um enfermeiro e dois ajudantes pagos pela municipalidade.
O médico Francisco José Luiz Vianna explicou que a casa nas imediações da Carioca foi utilizada porque já haviam no local seis moradores, uma mãe e cinco filhos infectados.

“Habitando regiões incógnitas”
No dia 22 de abril era anunciado o fechamento da enfermaria improvisada “por não haver mais doentes de varíola”. Pudera, tinham morrido todos.
O jornal O Município dizia que a falta de maiores cuidados e recursos, além da inexperiência no tratamento dos doentes atacados do mal, fizeram com que eles “tivessem mais tarde alta, não para se reunirem aos seus cá na terra, mas sim a aqueles que habitam nas regiões incógnitas”.
Fechou a casa, mas a doença continuava.

Em 13 de julho, o jornal A Verdade pedia providências às autoridades, tendo em vista o reaparecimento da varíola em seis pessoas no Potreiro, como era então chamado o Largo do Rosário, na hoje Praça Jerônimo Coelho.
Jornal A Verdade de 13 de julho de 1879.
Em 20, o mesmo jornal dizia que a varíola ia fazendo vítimas pela cidade.
“Vai de novo fazendo vítimas essa terrível enfermidade, sendo que, segundo consta-nos, não se tem tomado as medidas precisas: pois tendo já falecido três pessoas daquele flagelo, algumas delas têm ficado insepultas por mais de 12 horas, quando parece que não se deveria prolongar por tanto tempo”.

Varíola a bordo no Porto em 1902 – 1ª Revolta Popular
Em 31 de janeiro de 1902, logo pela manhã abafada e quente, uma notícia assustadora correu rapidamente pelas estreitas ruas, casas comerciais e residenciais da Laguna.
Ela dizia que havia um marinheiro portador de varíola a bordo do navio Industrial, que chegava naqueles instantes ao nosso velho porto, proveniente do Rio de Janeiro.
Como a notícia chegou antes da embarcação, não se sabe.
O navio, de propriedade da empresa de Manoel Pinho & Filhos, uma das mais importantes de nossa cidade, fazia o trajeto regular entre a Capital Federal, Florianópolis e Laguna, transportando variadas cargas.
Porto da Laguna em 1906
O comissário de Polícia Gentil Collaço Veras logo foi avisado do fato e se dirigindo rapidamente ao local proibiu qualquer comunicação ou contato dos tripulantes com pessoas em terra. Deu ordens expressas ao comandante para manter a embarcação ao largo na Lagoa Santo Antônio dos Anjos, isto é, sem atracar.
As ordens não foram acatadas e o navio encostou ao trapiche reservado à empresa.
Com medo de contágio, apavorados mesmo, tendo em vista os acontecimentos do passado que ainda estavam bem nítidos na lembrança das pessoas, das mortes e sofrimentos no final dos anos de 1870, populares exaltados se mobilizaram e foram ao local protestar.
Lá intimaram o comandante para se retirar com seu navio. Ficaram de vigília durante à tarde e noite e como o ultimato não foi cumprido, cortaram as amarras.
 No dia seguinte o médico Henrique Chenaud foi convocado para subir a bordo e constatar ou não a suspeita.
Confirmada a doença, ordens foram dadas para que a embarcação saísse pela barra, o que logo aconteceu.
O Industrial foi para Florianópolis, deixou o doente no Lazareto da capital, situado na Ilha de Ratones, foi desinfetado e retornou à Laguna, onde desembarcou sua carga. Dias depois, em 7 de fevereiro, partiu novamente em direção ao Rio de Janeiro.
Este acontecimento serve para demonstrar como o povo tinha verdadeiro pavor das epidemias, até porque tinha passado por várias delas ao longo dos anos, perdido entes queridos ou ficaram com sequelas.
 
Laguna não tinha Lazareto
Lazareto era um local para isolamento de pacientes acometidos pelas doenças infectocontagiosas. Laguna, mesmo sendo uma cidade portuária de grande movimento, com entradas e saídas de muitas embarcações de várias praças, por incrível que pareça, ainda não possuía um.
 
Varíola a bordo no Porto em 1904 – 2ª Revolta Popular
Nos primeiros dias de julho de 1904 começam a chegar a nossa cidade notícias alarmantes do Rio de Janeiro dando conta do aumento pavoroso da varíola por lá.
O Albor de 15 de julho noticia o fato, dizendo que a média diária de mortes na então capital federal era de 20 pessoas.
“Só no Hospital São Sebastião estavam em tratamento de varíola em 6 do corrente, 246 doentes”, destacava o semanário lagunense.
A imprensa aconselhava o povo a vacinar-se, como medida preventiva, mas havia muita resistência por parte da população.
Na edição seguinte de 20 de agosto O Albor volta ao tema: 
O Albor de 20 de agosto de 1904: alerta!
“Cuidado! A varíola está fazendo grande número de vítimas no Rio de Janeiro.
É conveniente que nos acautelemos, procurando vacinar-nos e revacinar-nos.
O boletim de estatística demógrafo-sanitária, relativo a semana de 25 a 31 de julho último, acusa naquela cidade 267 notificações de varíola às delegacias de saúde.
Do obituário d’esses sete dias constam terem sucumbido ao terrível morbus (doença) 92 pessoas!
Cuidado!”

Nos dias de hoje O Albor poderia ser facilmente acusado de estar propalando o terror, xingado de coveiro ou de publicar fake news.
Mas eram fatos verdadeiros. Com tão terríveis números e avisos pela imprensa o pessoal já ficava alarmado muito antes, já aguardando o pior.
 
Guardas para proibir entrada de abelhudos
Em 9 de setembro o superintendente (prefeito) municipal em exercício da Laguna, Oscar Guimarães Pinho solicitou dois guardas (praças) para que ficassem postados nos trapiches quando da chegada de navios provenientes do Rio de Janeiro.
A medida visava evitar a entrada de pessoas, principalmente crianças que, por curiosidade, invadiam as embarcações.
“Esse costume, em épocas como a atual, em que grassam com intensidade várias epidemias no Rio de Janeiro, pode trazer consequências gravíssimas, no caso de haver epidemias a bordo, pois o contágio se estabeleceria de forma a se tornar difícil o emprego de medidas higiênicas de isolamento”, esclarecia o superintendente pelas páginas do O Albor.
Eita gente mexeriqueira que não podia ver chegar um navio que já ia entrando na embarcação sem ser convidada. 
 
Doente é levado em carroça do Areal ao Iró
Em setembro, um novo caso de varíola a bordo do mesmo navio Industrial, repete o acontecido dois anos antes, em 1902.
Novamente ficou resolvido que o navio partisse para deixar o doente no lazarento da Capital.
Só que desta vez as condições da nossa Barra não permitiram a saída do navio. A tripulação também se negava a prosseguir viagem com o doente a bordo e solicitou que ele fosse, com brevidade, removido para terra.
Aí foi que a porca torceu o rabo.
Dois anos tinham se passado e ninguém tinha tomado providências quanto à construção de uma casa de acolhimento em nossa cidade.
Eita Laguna! A coisa já vem de tempos!
O coronel superintendente José Maurício dos Santos já de volta ao cargo (devia estar de férias ou licença médica, sei lá), conseguiu uma casa no Areal em propriedade cedida por Álvaro Carneiro para instalar o enfermo. Para lá mandou seguir móveis, objetos e materiais higiênicos.
Com isso, parecia tudo resolvido.
Nãnãninanão... Não na nossa Laguna onde tudo é sempre difícil.
Moradores da rua Almirante Lamego – é o jornal quem o diz -, foram até a prefeitura protestar porque o local escolhido ficava muito próximo de suas casas.
Foto feita do alto do Morro do Rosário. À direita a rua Almirante Lamego, no Campo de Fora. À esquerda, na seta, o local provável da casa de Álvaro Carneiro, no Areal.
O prefeito que não era bobo nem nada, certamente pensando nos votos de sua próxima candidatura, acatou a reivindicação e solicitou aos comerciantes Pacheco & Irmãos a cessão de uma casa no Morro do Iró, completamente isolada e distante da população.
No meio da tarde, o doente foi transportado em canoa do Industrial para a praia do Areal e de lá em carroça até o Iró.
Diz o jornal O Commercio de 2 de outubro de 1902 que Fernando Souza e Alípio Berthinho foram contratados pela municipalidade para buscar, levar e tratar o marinheiro.
Já o jornal O Albor informa que “Foram necessários quatro pessoas para segurá-lo, visto o seu estado de delírio violento”.
O que prova que a condição do doente já não era das melhores.
Finalmente, no dia 27 de setembro, o navio Industrial partiu para o Rio de Janeiro, “ficando assim a população mais tranquila, pois muitas pessoas receavam que fossem aparecendo outros casos a bordo”.
Em 7 de outubro O Albor noticiava que no dia 1º o “desditoso” foguista do Industrial acometido de varíola havia falecido, com seu corpo sendo inumado (sepultado) próximo a casa do Iró, “tendo sido expedidas ordens severas para a desinfecção rigorosa de tudo quanto lhe serviu”.
Nem o nome do infeliz tripulante foi citado para o registro na história. 

Vacinas gratuitas
Dias antes, o jornal O Commercio, de 2 de outubro, editado em nossa cidade, avisava que o médico Henrique Chenaud já estava vacinando gratuitamente a população lagunense às quartas-feiras e sábados, no edifício do Governo Municipal.
Jornal O Commercio de 2 de outubro de 1902.
Na mesma edição o jornal traz a informação que o caso da varíola a bordo do Industrial “produziu pânico em Florianópolis pelo menos nas autoridades sanitárias”.
Ordens foram dadas para que todo navio proveniente do Rio de Janeiro fosse visitado pelo médico de saúde e as roupas e bagagens, bem como o navio fossem desinfetados.
O redator do jornal aproveitou a deixa para dar uma paulada nas autoridades da Laguna:
“Tanta cautela não há aqui para os navios procedentes do Rio de Janeiro. Sirva, pois, de exemplo”.

Enfim, é criado o Lazareto na Laguna
Somente anos depois desses tristes acontecimentos, em setembro de 1908, é que finalmente foi inaugurado um Lazareto na Laguna.
Para isso o governador do estado, coronel Gustavo Richard enviou 750$000 (setecentos e cinquenta mil réis) para auxiliar com as obras na casa situada no Morro do Iró adquirida pela municipalidade e que já vinha sendo utilizada provisoriamente para esses casos.
Jornal O Albor de 20 de setembro de 1908.
O local vai servir dali em diante para isolamento dos acometidos pela varíola e outras moléstias de caráter epidêmico.
Dez anos depois, em 1918, ali também serão instalados alguns dos atingidos pela Gripe Espanhola. Será a casa de falecimento de Renê Rollin, chefe dos Escoteiros da Laguna e que muito socorreu os atingidos pela moléstia, sendo ele mesmo uma das vítimas.
Sua história pode ser lida Aqui

Coqueluche em 1910
Em 1910, a coqueluche atacou a população lagunense, principalmente crianças.
O jornal O Albor em sua edição de 5 de junho daquele ano informa que esta doença estava deixando muitas crianças doentes e provocando muitas mortes.
“Durante o mês de maio, a coqueluche roubou dos carinhos dos lares 16 crianças”, informa o jornal.
A publicação também alertava que “Continuavam a ser feitos enterros de crianças em caixões descobertos, o que é um grande mal para evitar-se a propagação da moléstia”.
Era então hábito enraizado na população o de carregarem as urnas funerárias descobertas nos enterros de crianças (os anjinhos), só as fechando no momento que desciam às sepulturas.
As autoridades sanitárias e os jornais também alertavam sobre o perigo de outro nefasto procedimento:

“Há poucos dias, vimos caixões em que esses inocentes seres eram conduzidos para o cemitério por crianças.
É um hábito que pensamos deva ser abolido. Todas as precauções e cuidados são poucos para evitar a propagação da moléstia”.

Há muito custo, com criação de normas e multas, com o passar dos anos e o surgimento de vacinas, esses péssimos hábitos caíram em desuso.
A DTP, vacina tríplice bacteriana, contra tétano, difteria e coqueluche foi criada na década de 1930 e desde os anos 1980 é usada em larga escala.
Mas as mortes por coqueluche na Laguna chegarão a 25 nos meses de abril, maio e junho de 1910.
Conforme informa o jornal O Albor de 17 de julho daquele ano, em quadro de obituários e suas causas enviado por Antônio Luiz de Carvalho, escrivão de paz da Laguna, serão um total de 76 falecimentos naquele 2º trimestre.
Pelo demonstrativo podemos observar que a varíola continuava fazendo suas vítimas, em número de 14: 

Gripe Espanhola em 1918
A gripe Espanhola em 1918 apareceu na Laguna “sorrateiramente, sem ninguém esperar”.
Os primeiros casos da gripe em nossa cidade se deram em 4 de novembro daquele ano, conforme registra O Albor de 26 de janeiro de 1919.
O número de pessoas atingidas foi de 2/3 da população da época, diz o mesmo jornal. Como a população da Laguna, conforme IBGE - Censo Demográfico de 1920 era de 27.573 habitantes, mais de 18 mil pessoas teriam sido atingidas.
Calcula-se em 130 o número de mortos, entre adultos e crianças. As vítimas fatais eram de cinco a dez pessoas diariamente.
Do Hospital Senhor Bom Jesus dos Passos saíam pela manhã, em carroças em direção aos cemitérios, dezenas de corpos das pessoas falecidas à noite.
Enfermarias lotadas, todos os leitos ocupados. Nos corredores pacientes deitados em esteiras pelos corredores.
Um Posto de Socorro foi montado na sede da Loja Maçônica Fraternidade Lagunense, então situada na Praça Vidal Ramos. Os salões dos Clubes Blondin, Congresso Lagunense, Anita Garibaldi e 3 de Maio, também foram utilizados.
O Lazareto situado no Morro do Iró também foi ocupado.
Na Praça Vidal Ramos o prédio da Loja Maçônica Fraternidade Lagunense foi utilizado como Posto de Socorro aos infectados pela Gripe Espanhola em 1918. A edificação foi demolida posteriormente. Situava-se entre o Cine Palace, onde depois funcionou a Rádio Difusora e a sede do Clube Blondin, onde hoje funciona o escritório do Iphan.
O comércio foi paralisado. A cidade ficou com aspecto desolador.
Falecimentos de comerciantes, profissionais liberais, operários, armadores. A gripe não distinguiu classes, nem sexo, nem idade. Atingiu a todos, indistintamente.
Os funcionários da Agência dos Correios da Laguna foram atingidos, paralisando por completo o tráfego postal em todo o sul do estado. Funcionários tiveram que ser deslocados de Florianópolis para substituí-los.
As escolas isoladas do município ficaram sem frequência e, no maior estabelecimento, o Grupo Escolar Jerônimo Coelho, no centro da cidade, todos os professores e funcionários ficaram doentes.
Damas de Caridade, Tiro 137 e Irmãs da Divina Providência do Hospital e do Colégio Stella Maris, além de dezenas de pessoas da nossa sociedade, ficaram à frente da batalha contra o mal.
O Grupo de Escoteiros da Laguna também vai participar ativamente do auxílio aos necessitados. O instrutor do Grupo, René Rollin, será uma das vítimas da pandemia, cuja morte causou profundo abalo na sociedade lagunense. 
Vendo-se contaminado pela doença, Rollin despediu-se da família e partiu sozinho, a pé pelo morro em direção ao Lazareto.
Em meados de dezembro de 1918 já cessavam os casos de gripe na Laguna.
Cerca de um mês e quinze dias haviam se passado desde a primeira ocorrência.
Por ser cidade portuária, o vírus deve ter vindo a bordo de algum vapor proveniente de praças maiores, como a do Rio de Janeiro, onde a epidemia atingiu grandes proporções. Ou Santos, Paranaguá ou a capital do estado, Florianópolis, cidades atingidas dias antes.

Para ler mais sobre a Gripe Espanhola na Laguna, ver posts já publicados neste Blog em 2020: Aqui  Aqui Aqui e Aqui

Essas são algumas histórias de surtos epidêmicos ou ameaças em nossa cidade.
Houve outros tipos e situações, como a febre amarela, febre cerebral, cólera e febre intermitente. 
Esta última, de caráter epidêmico, atingiu a localidade de Mirim em 1902, fazendo 700 doentes, como registra O Albor de 28 de março daquele ano.

12 comentários:

  1. Geraldo de Jesus19/05/2021, 11:58

    Mais uma ótima pesquisa. Não sabia de todas essas epidemias em nossa cidade.

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  2. Quanto Laguna penou. E pensar nos antepassados e nas doenças que enfrentaram.

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    1. Realmente. Anos de enfrentamento. Grato pela leitura.

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  3. Naquela época, embora a medicina estivesse aquém da necessidade, o povo podia dispor dos médicos com verdadeira vocação o que era verdadeiro tesouro. Hoje, a vocação está em falta, o que produz médicos que não têm disposição para salvar vidas. A nossa sorte são as vacinas e os tratamentos especializados que previnem e nos salvam.

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  4. Bom dia Valmir! Belo relato. Gosto muito desses temas abordados , os quais fizeram parte de nossa história. Obrigada e parabéns pelas postagens.
    Fafá - ali do Magalhães, não tem? (rsss)

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    1. Agradeço a leitura e comentário. "Fafá do Magalhães" tem mais algumas. Hehehe. Abraço Fátima Martins.

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  5. Valmir, tal lá como cá, a assistência e acesso à saúde do povo sempre precária, mesmo na pujante Laguna dos séculos XIX e XX. Esse valioso resgate que fazes dos profissionais da saúde, das instituições e das doenças que assolaram e dizimaram o nosso povo, se não esquecidos, nunca constaram da memória do lagunense, principalmente aquele das gerações mais recentes.
    A temida gripe espanhola, recente até, para os dias atuais, traz o mesmo pavor de outrora quando estamos convivendo com a pandemia de COVID-19.
    Há relatos, que recordo, de pessoas que sobreviveram à espanhola, que cadáveres jaziam nas calçadas e que eram empilhados em carroças para serem sepultados; de mães que, pelo menos de uma, a minha avó paterna, que mal acabavam de enterrar um filho, ao chegar em casa, encontravam outro filho morto.
    Para dar aquele toque de época, as imagens do teu acervo também nos fazem viajar à Laguna de outrora. Abraço do Adolfo PV da Silva

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    1. Agradeço a leitura e tuas palavras de incentivo, Adolfo.

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  6. Olá Valmir. Poxa, lendo essas passagens nem parece que aconteceram aqui. Parece que foi algo que ocorreu em uma terra distante, longe de todos nós, pelo menos para mim, apesar de algumas similaridades com os dias atuais, por conta desta doença que nos atinge no presente. Talvez por nunca ter imaginado que já tivemos um outro hospital na cidade e que carecíamos de um local mais apropriado chamado de lazareto. Muito interessante mesmo. Fico pensando como os nossos antepassados enfrentavam tudo isso, em uma época pouco avançada cientificamente e com tantas crendices, o que com certeza poderia dificultar as coisas. Mais uma bela matéria, de grande importância e significado para todos. Parabéns. Obrigado.

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    1. Bem isso Norton. Cada vez mais vamos conhecendo nossa história e se surpreendendo com a luta e dificuldades dos nossos antepassados. E era um lutar sem fim num tempo de parcos recursos e infraestrutura quase zero.
      Grato pela leitura.

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