quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Ópera do malandro lagunense

Esta aconteceu já faz alguns anos, mas somente agora me contaram.
Lagunense dos mais conhecidos, divorciado há algum tempo, quase sexagenário, vinha há meses jogando charme para uma colega de serviço, um órgão público da Laguna. Papo vai, papo vem e nada da mulher aceitar um convite para um chope num barzinho, uma circulada de carro ou um cinema.
Semanas se passaram, já estava até desistindo da empreitada quando, inesperadamente recebeu um convite dela para um jantar na sexta-feira, em sua casa, para ouvir umas músicas clássicas, uns CDs recém adquiridos. Ele gostava, pois não?
(PS: Esta é mais velha do que convidar para conhecer coleção de selos, mas, vá lá).

Ele respondeu:
- Música clássica? Imagina? É o que mais adoro.
O convite mexeu com seus pontos fracos. Um jantar a luz de velas, um bom vinho e ouvir uns clássicos no sofá eram tudo de bom, sonho de consumo seu, além de unir o útil ao agradável.
O resto ficaria por conta da noite, do papo e dos hormônios. Aceitou o convite, é claro.

O restante da semana foi de êxtase, de preparativos e de expectativa.
No início da noite da sexta se preparou. Um bom banho, camisa e cueca novas, uma colônia, barba feita, hálito perfumado.
Vinte horas exatamente estacionou seu carro defronte a casa da colega. Pontualidade era seu forte e fazia questão de ser assim. Até hoje.
Qual foi sua surpresa quando foi recebido pela anfitriã e por dezenas de cachorros os mais variados, em tamanho, sexo e raças.
Se ele gostava de música clássica, sua colega adorava bichos e adotava todos os cães abandonados pelas ruas. Questão de gosto e de um coração bondoso.

Enquanto o jantar esquentava ao forno ficaram a ouvir uns clássicos no aparelho de som. Pois ficaram na tentativa.
Porque tão logo A Royal Philharmonic Orchestra, de Londres, executava o “Concerto para violino e orquestra nº 2 em Mi Menor”, da magia de Felix Mendelssohn, o cães do lado de fora faziam o acompanhamento, entre uivos e latidos. E imitavam trompetes, violinos e até piano, em movimentos e compassos introdutórios, se estendendo em rapsódicas variações.

Trocaram o disco para o romântico Frédéric Chopin em seu “Concerto para piano nº 2 em Fá Menor”...
Tentaram um ar mais rural com Joseph Haydn e seu “Minueto e Trio – Moderato”...
A tudo, qual orquestra afinada, os peludos acompanhavam os acordes musicais. Era uma orquestra digna de figurar no Guiness Book e de participar do Domingão do Faustão.

O jantar até estava maravilhoso, mas o clima romântico não rolou e logo após, com uma desculpa qualquer, ele partiu pra nunca mais.
Aquilo ali era um assassinato da música clássica, um desrespeito aos grandes compositores da humanidade. Aquele acompanhamento quebrava a vara, digo, a batuta de qualquer maestro, murchava (êpa!) qualquer veia poética, ele pensou enquanto voltava pra casa.

Até hoje, já passado anos, quando ele põe um clássico pra tocar, seus tímpanos parecem ainda ouvir uns latidos e uivos ao fundo, testemunhando um caso, um concerto inacabado que ficou registrado nas páginas de sua memória e nas partituras de suas frustradas conquistas.

Um comentário:

  1. Bom dia Sr. Valmir!
    Diante do relato, confesso, a curiosidade mata...
    como em qualquer imortal...

    Quem será? Com certeza devo conhecer, pois pelo visto é das antigas...
    Um excelente início de semana!
    Maria de Fatima Martins

    ResponderExcluir