sexta-feira, 12 de agosto de 2016

O sino do povo

O sino do Museu Anita Garibaldi, furtado semana passada, além do seu valor material, em bronze, possui valor histórico incalculável. É uma relíquia e ao que parece, vai também entrar para o rol do “Laguna já teve”.

Caderno da Laguna nº 1
Quando em 1714 Laguna foi elevada à Vila, uma área foi determinada para construção da Casa da Câmara e Cadeia, como era usual.
Na Praça da Cadeia, como ficou conhecida (hoje República Juliana), foi construído o prédio de dois pavimentos, inaugurado em 1747. No térreo ficava a Cadeia e no sobrado a Câmara. O acesso ao andar superior era feito por uma escada lateral.

No alto da escada, sob um arco, estava o “Sino do Povo”. Com seus diferentes repicares avisava à população o horário de se recolher, fechamento das casas comerciais e também comunicava aos habitantes sobre deliberações da Câmara, como taxas e posturas, falecimentos e nascimentos da família real, além de avisar e pedir ajuda do povo para conter incêndios.

A parte mais alta da edificação foi erguida em 1870, quando o prédio foi ampliado atendendo às novas exigências administrativas e penitenciárias, com mais uma sala no sobrado para audiências e mais duas celas no térreo, deixando-se lateralmente um saguão para quartel, com uma pequena sala onde morava o carcereiro.

Saul Ulysséa, em seu livro “Laguna de 1880”, página 53, falando sobre as edificações da Praça Conde D’Eu, anteriormente chamada de Praça da Cadeia, depois Praça da República, Conselheiro Mafra, Praça da Bandeira, Praça Anita Garibaldi e finalmente Praça República Juliana, assim se refere ao prédio do hoje Museu Anita Garibaldi e seu sino:

“Em um prédio isolado, o edifício da Câmara Municipal, no mesmo estado em que se acha, a não ser a retirada do sino e das grades da antiga cadeia. Edifício histórico. Ali foi proclamada a República Catarinense, em 29 de julho de 1839.
A parte mais baixa foi edificada em 1747, com a denominação de Paço do Conselho”.

A afirmação acima mostra claramente que em 1880 o sino e as grades da edificação já haviam sido retirados.

E continua Saul Ulysséa, referindo-se ao sino já conjugando o verbo no passado.

No alto da escadaria, existia um arco contendo no centro um sino de bronze que servia para anunciar a hora das audiências e chamada de jurados.
No verão às 22 horas e no inverno às 21, o sino indicava a hora de fechamento das casas comerciais e a dos escravos se recolherem às casas dos respectivos senhores. Dessa hora em diante os escravos encontrados na rua, eram recolhidos à prisão.

Em 1903, obras de melhoramentos foram executadas no prédio. As externas e do pavimento térreo a cargo do governo do estado; e as salas do júri e câmara, pela superintendência municipal (prefeitura).
Ao que parece, o arco e o sino já deveriam ter retornado ao lugar. Digo isso porque matéria de capa publicada no Jornal O Albor, de 1º de outubro do mesmo ano, intitulada “As nossas relíquias”, faz uma ode ao sino e ao mesmo tempo um desabafo contra a retirada do sino que alguns pretendiam promover.

(...)
“Vetusto sino da cadeia. Órgão austero e incorruptível da lei! Vigilante inflexível da ordem! Patriarca badaloso da nossa terra! Tu és uma preciosidade sem par. Tua antiguidade e teus serviços devem ter uma sagração maior, mais pomposa e retumbante que a tua simples conservação pelo infinito das eras!
Foi ao teu som rigoroso que Domingos de Brito Peixoto venceu em 1684 a luta travada com o cacique Tairanha... Mais que o vicentista aventureiro e heroico foste o fundador da Laguna e mais que tudo e todos ficaste sendo o órgão indispensável da nossa existência social e poderoso braço forte da lei e da polícia.
Quem, se não tu, reuniu os expedicionário de 1700 à Colônia do Sacramento? Quem, se não tu, anunciou a Proclamação da República Catarinense e a derrocada dos Farrapos? Quem, se não tu, compelia os jurados ao cumprimento dos seus deveres? Quem, se não tu, foi sempre o protetor do sono dos caixeiros? A quem, se não a ti, devem as famílias a dita de ter os seus chefes em casa às 9 horas da noite? Quem e a quem, sentinela incorruptível da lei, advogado perpétuo e incansável do Morfeu e da tranquilidade dos lares?
E como se pode tolerar, pois, em vista da tua fé de ofício, que jacobinos rubros premeditem extirpar o teu badalo corroído e venerável, para que fique a Laguna sem a vigilância protetora do teu toque?
Como se há de admitir que iconoclastas falem em arrancar-te da tua muxara no alto da tua escada histórica, da qual és o complemento direto?
Custa crer-se, realmente, em tamanha irreverência, em sacrilégio tamanho!”.
(...)

Sacrilégio ou não, com "badalo corroído e venerável", com muxara e tudo, o "patriarca badaloso", isto é, o sino, deve ter sido novamente retirado do local no começo do século XX. 
Em 1917 o hoje prédio do Museu foi abandonado.

Neste mesmo ano foi inaugurado, no governo de João Guimarães Cabral, a nova edificação do Fórum, situada entre as ruas Voluntário Benevides e Carpes, e onde já funcionou também a prefeitura, câmara e atualmente se instalou novamente parte da prefeitura (gabinete).

O prédio em 1940, sem o arco e sino. No andar térreo, as garagens.
Bem por isso, uma foto de 1940 mostra o prédio da antiga Câmara na então denominada Praça da Bandeira, totalmente abandonado e deteriorado. O arco e o sino não mais existem como se pode constatar. Já as celas do térreo eram utilizadas como garagens para veículos da prefeitura.

Em 17 de abril de 1956, quando do centenário da criação da Comarca, o Museu Anita Garibaldi foi inaugurado com uma grande festa, com a presença de várias autoridades, entre elas o governador de Santa Catarina Jorge Lacerda e o prefeito lagunense Walmor de Oliveira.
Manhã de 17 de abril de 1956, quando da inauguração do Museu. 
O arco e sino retornaram aos seus lugares.
À ocasião, o professor Ruben de Lima Ulysséa fez uso da palavra e enalteceu o prédio e o sino:

“Este velho edifício, já arruinado e modificado no seu aspecto exterior e nas suas divisões internas, estava destinado a um fim melancólico, prestes a ser abandonado, pela insegurança que apresentava. Em boa hora, porém, foi restaurado nas suas linhas primitivas pelo Patrimônio Histórico Nacional. Foi-lhe devolvida a sua fisionomia secular, recolocadas as grades de sua prisão, reconstruída a sineira que lhe ficava no alto da escada de acesso e ali colocado o mesmo sino que, no passado, anunciava as audiências do juiz da terra e convocava os vereadores para as reuniões da câmara; que dirigia ao povo o seu apelo sonoro a que cooperasse na extinção dos incêndios e, todas as noites, às nove horas, como ainda nos recordamos, tocava a recolher, obrigando o fechamento das casas de comércio, impondo à população o silêncio e convidando-a a descansar dos labores quotidianos”.

Como se vê, o professor Ruben Ulysséa frisa muito bem em seu discurso que o sino que retornou ao local era o mesmo sino de histórico passado. 

Um comentário:

  1. E lá se vai mais um pedaço de nossa história. E o poder público omisso em sua responsabilidade de bem guardar as coisas públicas nada diz.
    Nisso temos nossa parte de responsabilidade pois não sabemos eleger nossos representantes. A grande maioria está mais preocupada no quanto vai levar para votar. E aí aparecem os espertos com algum capital comprando votos visando apenas seus interesses. Enquanto não mudar este pensamento é como malhar em ferro frio. Agora o sino antes as placas depois o que será?
    João Carlos Nunes

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