O sino do
Museu Anita Garibaldi, furtado semana passada, além do seu valor material, em
bronze, possui valor histórico incalculável. É uma relíquia e ao que parece,
vai também entrar para o rol do “Laguna já teve”.
Caderno da Laguna nº 1 |
Quando em
1714 Laguna foi elevada à Vila, uma área foi determinada para construção da
Casa da Câmara e Cadeia, como era usual.
Na Praça
da Cadeia, como ficou conhecida (hoje República Juliana), foi construído o
prédio de dois pavimentos, inaugurado em 1747. No térreo ficava a Cadeia e no
sobrado a Câmara. O acesso ao andar superior era feito por uma escada lateral.
No alto da
escada, sob um arco, estava o “Sino do Povo”. Com seus diferentes repicares
avisava à população o horário de se recolher, fechamento das casas comerciais e
também comunicava aos habitantes sobre deliberações da Câmara, como taxas e
posturas, falecimentos e nascimentos da família real, além de avisar e pedir
ajuda do povo para conter incêndios.
A parte
mais alta da edificação foi erguida em 1870, quando o prédio foi ampliado
atendendo às novas exigências administrativas e penitenciárias, com mais uma
sala no sobrado para audiências e mais duas celas no térreo, deixando-se
lateralmente um saguão para quartel, com uma pequena sala onde morava o
carcereiro.
Saul Ulysséa,
em seu livro “Laguna de 1880”,
página 53, falando sobre as edificações da Praça Conde D’Eu, anteriormente
chamada de Praça da Cadeia, depois Praça da República, Conselheiro Mafra, Praça
da Bandeira, Praça Anita Garibaldi e finalmente Praça República Juliana, assim
se refere ao prédio do hoje Museu Anita Garibaldi e seu sino:
“Em um
prédio isolado, o edifício da Câmara Municipal, no mesmo estado em que se acha,
a não ser a retirada do sino e das grades da antiga cadeia. Edifício
histórico. Ali foi proclamada a República Catarinense, em 29 de julho de 1839.
A parte
mais baixa foi edificada em 1747, com a denominação de Paço do Conselho”.
A
afirmação acima mostra claramente que em 1880 o sino e as grades da edificação já
haviam sido retirados.
E continua
Saul Ulysséa, referindo-se ao sino já conjugando o verbo no passado.
No alto da
escadaria, existia um arco contendo no centro um sino de bronze que servia para anunciar a hora das audiências
e chamada de jurados.
No verão
às 22 horas e no inverno às 21, o sino indicava a hora de fechamento das casas
comerciais e a dos escravos se recolherem às casas dos respectivos senhores.
Dessa hora em diante os escravos encontrados na rua, eram recolhidos à prisão.
Em 1903,
obras de melhoramentos foram executadas no prédio. As externas e do pavimento
térreo a cargo do governo do estado; e as salas do júri e câmara, pela
superintendência municipal (prefeitura).
Ao que parece, o arco e o sino já deveriam ter retornado ao lugar. Digo isso porque matéria de capa publicada no Jornal O Albor, de 1º de outubro do mesmo ano, intitulada “As nossas relíquias”, faz uma ode ao sino e ao mesmo tempo um desabafo contra a retirada do sino que alguns pretendiam promover.
Ao que parece, o arco e o sino já deveriam ter retornado ao lugar. Digo isso porque matéria de capa publicada no Jornal O Albor, de 1º de outubro do mesmo ano, intitulada “As nossas relíquias”, faz uma ode ao sino e ao mesmo tempo um desabafo contra a retirada do sino que alguns pretendiam promover.
(...)
“Vetusto sino da cadeia. Órgão
austero e incorruptível da lei! Vigilante inflexível da ordem! Patriarca
badaloso da nossa terra! Tu és uma preciosidade sem par. Tua antiguidade e teus
serviços devem ter uma sagração maior, mais pomposa e retumbante que a tua
simples conservação pelo infinito das eras!
Foi ao teu som rigoroso que
Domingos de Brito Peixoto venceu em 1684 a luta travada com o cacique Tairanha...
Mais que o vicentista aventureiro e heroico foste o fundador da Laguna e mais
que tudo e todos ficaste sendo o órgão indispensável da nossa existência social
e poderoso braço forte da lei e da polícia.
Quem, se não tu, reuniu os
expedicionário de 1700 à Colônia do Sacramento? Quem, se não tu, anunciou a
Proclamação da República Catarinense e a derrocada dos Farrapos? Quem, se não
tu, compelia os jurados ao cumprimento dos seus deveres? Quem, se não tu, foi
sempre o protetor do sono dos caixeiros? A quem, se não a ti, devem as famílias
a dita de ter os seus chefes em casa às 9 horas da noite? Quem e a quem,
sentinela incorruptível da lei, advogado perpétuo e incansável do Morfeu e da
tranquilidade dos lares?
E como se pode tolerar, pois, em
vista da tua fé de ofício, que jacobinos rubros premeditem extirpar o teu
badalo corroído e venerável, para que fique a Laguna sem a vigilância protetora
do teu toque?
Como se há de admitir que
iconoclastas falem em arrancar-te da tua muxara no alto da tua escada
histórica, da qual és o complemento direto?
Custa crer-se, realmente, em
tamanha irreverência, em sacrilégio tamanho!”.
(...)
Sacrilégio
ou não, com "badalo corroído e venerável", com muxara e tudo, o "patriarca badaloso", isto é, o sino, deve ter sido novamente retirado do local no começo do século XX.
Em 1917 o hoje prédio do Museu foi abandonado.
Em 1917 o hoje prédio do Museu foi abandonado.
Neste mesmo ano foi inaugurado, no governo de João Guimarães Cabral, a nova edificação do Fórum, situada
entre as ruas Voluntário Benevides e Carpes, e onde já funcionou também a prefeitura,
câmara e atualmente se instalou novamente parte da prefeitura (gabinete).
O prédio em 1940, sem o arco e sino. No andar térreo, as garagens. |
Bem por
isso, uma foto de 1940 mostra o prédio da antiga Câmara na então denominada Praça da
Bandeira, totalmente abandonado e deteriorado. O arco e o sino não mais existem
como se pode constatar. Já as celas do térreo eram utilizadas como garagens
para veículos da prefeitura.
Em 17 de
abril de 1956, quando do centenário da criação da Comarca, o Museu Anita
Garibaldi foi inaugurado com uma grande festa, com a presença de várias
autoridades, entre elas o governador de Santa Catarina Jorge Lacerda e o
prefeito lagunense Walmor de Oliveira.
Manhã de 17 de abril de 1956, quando da inauguração do
Museu.
O arco e sino retornaram aos seus lugares.
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À ocasião,
o professor Ruben de Lima Ulysséa fez uso da palavra e enalteceu o prédio e o
sino:
“Este
velho edifício, já arruinado e modificado no seu aspecto exterior e nas suas
divisões internas, estava destinado a um fim melancólico, prestes a ser
abandonado, pela insegurança que apresentava. Em boa hora, porém, foi
restaurado nas suas linhas primitivas pelo Patrimônio Histórico Nacional.
Foi-lhe devolvida a sua fisionomia secular, recolocadas as grades de sua
prisão, reconstruída a sineira que lhe ficava no alto da escada de acesso e
ali colocado o mesmo sino que, no passado, anunciava as audiências do juiz da
terra e convocava os vereadores para as reuniões da câmara; que dirigia ao
povo o seu apelo sonoro a que cooperasse na extinção dos incêndios e, todas as
noites, às nove horas, como ainda nos recordamos, tocava a recolher, obrigando
o fechamento das casas de comércio, impondo à população o silêncio e
convidando-a a descansar dos labores quotidianos”.
Como se
vê, o professor Ruben Ulysséa frisa muito bem em seu discurso que o sino que
retornou ao local era o mesmo sino de histórico passado.
E lá se vai mais um pedaço de nossa história. E o poder público omisso em sua responsabilidade de bem guardar as coisas públicas nada diz.
ResponderExcluirNisso temos nossa parte de responsabilidade pois não sabemos eleger nossos representantes. A grande maioria está mais preocupada no quanto vai levar para votar. E aí aparecem os espertos com algum capital comprando votos visando apenas seus interesses. Enquanto não mudar este pensamento é como malhar em ferro frio. Agora o sino antes as placas depois o que será?
João Carlos Nunes