sexta-feira, 25 de novembro de 2016

Projeto de lei reconhece simbolicamente o poeta Cruz e Sousa como promotor público

Políticos locais teriam negado à época sua nomeação à Comarca da Laguna. Mito ou verdade?

Em 1883, durante a monarquia, o então presidente da Província de Santa Catarina, Francisco Gama Rosa, nomeou João da Cruz e Sousa promotor público da Laguna, mas ele não pôde tomar posse no cargo devido à pressão de  políticos locais, que não aceitaram um negro ocupando o cargo. Pesou ainda o fato de que, na época, Cruz e Sousa já se destacava como fervoroso conferencista em prol da abolição da escravatura.

Mito ou verdade? A discriminação aconteceu ou não? Historiadores catarinenses, dentre eles Henrique da Silva Fontes e Norberto Ungaretti, contestam a versão da nomeação e resistência de políticos locais ao nome Cruz e Sousa, dizendo tratar-se de uma lenda. 
Veja adiante:

Projeto de Lei
Na manhã da última quinta-feira (24), o deputado Dirceu Dresch (PT), assinou nas dependências do Palácio Cruz e Sousa, junto ao mausoléu do poeta, em Florianópolis, um projeto de lei que o reconhece simbolicamente como promotor público, direito que lhe foi negado em 1883 devido à cor da sua pele. O ato foi acompanhado de autoridades e de representantes do movimento negro.
Fotos: Fábio Queiroz/Agência AL
A data foi escolhida em função do aniversário do poeta, o mais importante escritor do período simbolista.
A sugestão de reconhecer simbolicamente o poeta como promotor público, cargo que foi impedido de assumir, partiu de integrantes do movimento negro da capital do estado.
O ato de assinatura do projeto foi precedido de uma cerimônia na Praça XV de Novembro, em frente ao busto do poeta, onde anualmente são depositadas flores para celebrar o aniversário do “cisne negro”, como é conhecido Cruz e Sousa.

O autor da iniciativa disse que o reconhecimento póstumo é um ato de justiça. “Mesmo tarde, precisamos fazer justiça a quem está aqui hoje, a todos os negros e negras que precisam ter seu espaço respeitado”, disse Dresch. Para ele, “a discriminação que Cruz e Sousa sofreu continua todos os dias, com a vitimização da juventude pobre e negra deste país”.

O procurador-geral de Justiça, Sandro Neis, parabenizou o deputado pela iniciativa. Ele considerou que o projeto promove um reconhecimento histórico.

“Apesar de ser um gesto simbólico, o projeto reconhece um equívoco da história e mostra que precisamos trabalhar para ter uma sociedade mais justa e mais igualitária. Cruz e Sousa, que deixou de ser promotor de Justiça em razão da discriminação, representa os mesmos ideais que o Ministério Público tem na sua atuação, que é a luta pela aplicação da justiça, pela igualdade e, especialmente, pela fraternidade social.”
Márcio de Souza, deputado estadual Dirceu Dresch e
Sandro Neis, procurador-geral de Justiça
O promotor frisou que Cruz e Sousa foi um homem à frente de seu tempo, pois “difundia valores pelos quais ainda estamos lutando hoje”. “Ele não foi reconhecido porque era negro, não podemos usar outras palavras porque foi isso que aconteceu. Sempre é tempo de reconhecer um erro”, defendeu o representante do Ministério Público.

O projeto
Após a cerimônia de assinatura, o projeto será oficialmente protocolado na Assembleia Legislativa. O deputado Dirceu Dresch espera contar com o apoio dos demais deputados e com o respaldo do Ministério Público e da sociedade para aprovar a proposta na Assembleia Legislativa.

Cruz e Sousa
Filho de escravos alforriados, Cruz e Sousa nasceu no dia 24 de novembro de 1861 e faleceu  pobre  em 1898, no interior de Minas Gerais, vítima de tuberculose. 
Foi criado junto à família do marechal Guilherme Xavier de Sousa, por isso teve acesso a uma educação refinada – aprendeu francês, latim e grego, além de ter sido discípulo do alemão Fritz Müller, com quem aprendeu matemática e ciências naturais. 
Entre anseios, lutas e doenças, construiu sua obra poética, deflagrando o Simbolismo no Brasil, com a publicação de Missal, em fevereiro, e Broquéis, em agosto de 1893.

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Nomeação de Cruz e Sousa para Promotor na Laguna é uma lenda, afirmam historiadores
Alguns historiadores catarinenses, de saudosa memória, sempre afirmaram não passar de uma lenda, a versão de que a nomeação de Cruz e Sousa para Promotor na Laguna foi recusada por políticos.

Dentre eles, dois desembargadores. Henrique Fontes, por exemplo, em seu trabalho “O nosso Cruz e Sousa”, fez  vasta pesquisa sobre o assunto e desmente a versão que até hoje circula sobre o assunto.

Fontes encontrou nomeações para Virgílio Várzea (para São José) e Manoel dos Santos Lostada (para Itajaí); nenhuma, porém, para Cruz e Sousa e frisa em sua obra:  "No governo Gama Rosa, Cruz e Sousa se encontrava ausente da terra natal, acompanhando como andava a companhia dramática de Moreira de Vasconcelos, de que era primeira figura a menina Julieta dos Santos".

E vai adiante Henrique Fontes dizendo que "Poderia ele ter sido lembrado pelos amigos para alguma promotoria, e até mesmo cogitado para a Comarca da Laguna, porém nenhuma notícia há de resistência à problemática nomeação, nem notícia há de movimentação de chefes políticos".

Já Norberto Ulysséa Ungaretti em comentário publicado aqui neste Blog, em janeiro de 2012, quando levantei o assunto, escreveu: 

“Quanto ao fato de Cruz e Souza ter sido recusado para Promotor de Laguna, embora repetido pela imprensa, é uma lenda. Cruz e Souza nunca foi nomeado Promotor, nem da Laguna nem de qualquer outra comarca”.

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