terça-feira, 13 de dezembro de 2016

O navio fantasma do Farol de Santa Marta

Em 1879, com o projeto do Farol do Cabo de Santa Marta já em estudos, um navio (um brigue) encalhou em suas praias. O porão da embarcação continha diversos mantimentos, barris e colchões. O mais misterioso: não havia tripulantes a bordo. Um verdadeiro navio fantasma.
Qual seu nome, de onde veio e o que aconteceu com seus passageiros e tripulantes? É o que veremos adiante.
 
Desenho de um Brigue. Fonte: Marinha de Guerra Portuguesa
A região do Cabo de Santa Marta é repleta de histórias, lendas, mitos e mistérios.
O local é também conhecido pelos inúmeros naufrágios acontecidos ao longo dos séculos.

Mesmo antes da construção e inauguração do Farol de Santa Marta, em 11 de junho de 1891, a região já acumulava vasto repertório.
Além da lenda do tesouro perdido de piratas, há depoimentos antigos sobre a aparição do fantasma de um índio, o chefe indígena Mangueru, que nas noites de luar é visto pairando acima dos sambaquis. Esferas de luzes também já teriam sido avistadas na linha do horizonte, o que muitos levam a crer na passagem ou presença de Ovnis.

Cemitério de navios
Já naufrágios aconteceram às dezenas, e o local ficou conhecido como um cemitério de navios, principalmente pela terrível laje do Campo Bom. A “laje da Jagua”, como é mais conhecida, situada em águas do vizinho município de Jaguaruna e responsável pelo afundamento de dezenas de embarcações. E que já mereceu filme.
Foi nela que em julho de 1839, um dos lanchões de Giuseppe Garibaldi, o Farroupilha, teria colidido, tragando para suas profundas águas muitos dos marinheiros revolucionários que para Laguna se dirigiam.

Dizem também que as rochas do Cabo de Santa Marta guardam em seu interior um secreto mundo subterrâneo e que o magnetismo das pedras teria o poder de enlouquecer as agulhas das bússolas de navios e aviões, além de desviar tempestades para o alto mar.

O navio fantasma
Lendas e mistérios à parte, voltemos ao navio fantasma, este uma história verdadeira, contada nos antigos jornais da época, como a folha conservadora lagunense A Verdade nº 9, de 31 de agosto de 1879, de propriedade do bacharel Thomaz Argemiro Ferreira Chaves.

Manhã de inverno do dia 28 de agosto do ano de 1879 de Nosso Senhor Jesus Cristo, como então se dizia e se escrevia nas aberturas de antigas atas, cartas náuticas e em diários de bordo.
A paz reinava no Cabo de Santa Marta, naquela época um deserto de habitações. Aqui e ali gaivotas grasnavam seus gritos nos céus, em voos rasantes sobre as ondas.
Solitários pescadores vindos das imediações estendiam suas redes naquelas águas, em busca do pescado.
E foram eles testemunhas primeiras que avistaram na linha do horizonte um navio se aproximando da costa.
Tinha apenas umas improvisadas velas de estais, de proa e do meio,
O navio procurava a praia, empurrado pelas águas e o vento.

O jornal registrou os depoimentos dos pescadores:
“Ao aproximar-se do Cabo de Santa Marta Pequena, bateu numa pedra ali existente, demorou-se alguns instantes e o próprio mar encarregou-se de arrancá-lo dali e depositá-lo no lugar da arrebentação, em péssimo estado, fazendo água”.
Como objetos a bordo: mesa, colchões, barris, garrafas vazias e uma cômoda.
Autoridades da Laguna (juiz, delegado, escrivão) logo chamadas ao local constataram tratar-se de um brigue, um tipo de embarcação à vela, com dois, por vezes três mastros.
Observaram também barris de toucinho e “quantidades enormes de pão e bolacha em perfeitos estados”, relata o jornal. O mais misterioso: nenhum tripulante a bordo.

É como se toda a tripulação de marinheiros, por algum motivo misterioso, tivesse saído às pressas da embarcação. Sumiram. Mas para onde? Não havia marcas de luta ou sangue no navio e nenhum corpo foi encontrado em seu convés e porão ou que tenha dado nas areias das praias naquele dia e nos seguintes.

Piratas? Tempestades? Monstros marinhos?
A notícia logo se espalhou pela cidade e na falta de explicações oficiais muitos de seus habitantes recorriam à imaginação. Os marinheiros teriam sido vítimas de piratas? Tempestades? Monstros marinhos? Sereias com seus cantos fascinantes e enfeitiçados?
Fosse o acontecido nos dias atuais certamente alguém diria que os tripulantes foram abduzidos por extraterrestres.

Um poeta de antanho, cujo nome não ficou registrado à posteridade, na capa da mesma edição do jornal que registrou o incidente, dedicou ao misterioso navio algumas palavras de sua lavra:

“Ao longe, em meio do mar que se eleva e espadana raivoso, singra um baixel a lutar com as águas. Vaivém das vagas, que lhe embatem o dorso, que lhe invadem frenéticas, que lhe cospem espumas, o pobre lenho demanda um porto, vem procurar um asilo – mas tão longe está ainda a praia!”.

Isso foi em fins de agosto de 1879, como já falado. Era um tempo em que praticamente as comunicações eram feitas pelo mar, entre portos e levavam tempos para chegar aos destinatários. O telégrafo, surgido no Brasil somente em 1857, no Rio de Janeiro, era ainda incipiente e a ligação com outro país da Europa, Portugal, por exemplo, somente se deu em 1873.

E o mistério do navio, mesmo semanas depois, certamente era ainda comentado nas boticas da Laguna, em barbearias, à luz bruxuleante de velas e lampiões e nas conversas entre velhos marujos que saiam e adentravam pelo porto lagunense.

Mistério desvendado
Somente dois meses mais tarde, já em fins de outubro, é que chegou a explicação e o jornal prontamente a publicou aos seus leitores, pondo fim ao misterioso caso do navio fantasma do Cabo de Santa Marta.
Tratava-se de um navio sueco, de nome “Oscar”, conduzido pelo capitão H.T. Alm from Kalmar.
Em vista das precárias condições da embarcação, impossibilitada de seguir viagem, com risco de naufrágio, toda a tripulação havia sido conduzida, sã e salva, por um navio inglês que passou na mesma rota, ao porto do Rio Grande.

A mercê dos ventos e marés, abandonado, o então navio misterioso não afundou em águas profundas e foi encontrar sua derradeira sepultura na praia e areias do Cabo de Santa Marta.

2 comentários:

  1. Muito bom hein.... Parabéns pela postagem.... Nossa Laguna sempre guardando histórias surpreendentes, dignas de livros ou filmes.... Muito obrigado por nos ofertar esses conhecimentos...

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  2. Show de bola. Muito interessante.

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