Quando a realidade não está agradável,
o presente não está muito bom no país, no estado, em nossa cidade, em nossas
vidas, e as decepções são muitas e esperanças poucas, costumamos mergulhar no
passado.
Vamos buscar momentos felizes, de fatos
acontecidos que nos trouxeram alegrias, relembrando nomes que nos fizeram bem,
em algum período de nossas trajetórias.
A idade também contribui muito para
isso. Mas, por outro lado, há tanta gente nova por aí saudosa... como explicar?
Saudosismo é auto-defesa?
Saudosismo é auto-defesa?
Dizem alguns especialistas no assunto,
que esse saudosismo seria uma espécie de autodefesa do organismo psíquico, uma
chave liga-desliga (hoje mais conhecida em inglês por power) momentânea,
como uma espécie de retorno ao passado que nos repõe as energias, nos distancia
de alguns odores putrefatos de "tenebrosas transações" políticas do
presente, para continuarmos nossas tarefas atuais. Enfim, continuar respirando.
E vivendo.
A memória seleciona e idealiza
A memória seleciona e idealiza
Mas o passado é para ir e voltar. Há os
que insistem em ficar por lá, se perdem e aí o perigo é passar a viver fora da
realidade.
Osvaldo Rodrigues Cabral, nosso
historiador, costumava dizer que “O
passado é um bom lugar para se visitar, mas ninguém quer morar lá”.
Existe uma frase, que gosto muito, do
personagem Pedro, no livro Aos
meus amigos, de Maria Adelaide Amaral, que depois virou série na
Globo, lembra? Ela, a frase, diz:
“Não sei se a gente tem saudade daquilo que
realmente viveu, ou daquilo que pensou ter vivido, ou daquilo que desejou
viver. A memória seleciona e idealiza”.
E não é bem isso? Quantas pessoas,
fatos vividos, relacionamentos, experiências, lugares morados e visitados, passados
os anos, na distância que tudo ameniza, tornamos hoje melhores, muito melhores
do que realmente o foram?
Será que aquele namorado ou namorada,
marido, esposa, amigo, amiga, foi tudo de bom realmente? Ou éramos nós que nos
contentávamos com muito pouco? Será que na maioria das vezes não idealizado?
Às vezes só fica o bagaço. De ambas ou de todas as partes
Às vezes só fica o bagaço. De ambas ou de todas as partes
Se pensarmos bem e melhor, se
extrairmos a essência, o que sobra? O que pode ser aproveitado? Às vezes fica somente o bagaço, não é mesmo? De ambas ou de todas as partes.
Tenho também dúvidas naquelas
expressões que a gente tanto ouve por aí, nas conversas, que afirmam que “antes
era melhor”; “no meu tempo era diferente”; “a gente aproveitava mais”; "as
festas eram melhores", “o pessoal era mais humano”; “havia verdadeiras amizades”.
É de se perguntar: era melhor mesmo?
Era diferente? Aproveitava-se mais? Eram melhores? Eram mais humanos? Eram verdadeiras
as amizades?
Será?
E há ainda – e aí penso ser uma espécie
de masoquismo, só pode! – os que idealizam a miséria em que viviam. Verdadeiras
Amélias a dizerem: “A gente não tinha nada, passava fome, mas era feliz”. Como
feliz? Feliz? Uma ova! Duvido. Quer voltar?
Diz aí leitor, quer retornar a dormir
com vários irmãos num quarto apertado? A não ter um lanche? A reaproveitar a roupa
do mais velho? A andar remendado? A ter somente uma roupa e um sapato novos pra
missa? Não ter uma moeda para a matinê de domingo no Cine Mussi? Ou para comer
uma pipoca? Um chocolate ou um sorvete na Miscelânea? Comprar um gibi? Um pacote de figurinhas da Copa?
Quer voltar quer?
Quer voltar quer?
Quer voltar a sonhar o ano inteiro com
uma bola? A andar descalço ou com um chinelo velho por não poder ter um tênis?
Que seja um mísero Kixute? Uma calça? Uma bicicleta? Uma boneca? Sonhar com um
aparelho de TV? Um telefone? Um relógio? A comer galinha só no fim de semana. E
se dizia que pobre só via galinha quando um dos dois estivesse doente.
Churrasco era uma miragem, bicicleta ou automóvel uma utopia. E não faz tanto
tempo assim, trinta, quarenta, cinquenta anos.
Quer voltar, quer? Verdade?
Diz aí minha senhora, quer voltar a
lavar toda a roupa da filharada no tanque e passar com ferro à brasa? Cozinhar
em fogão à lenha, soprando pra acender o fogo, em meio à fuligem? Quer viver
grávida dez anos em vinte? Uma escadinha de filhos, sem o devido resguardo?
Quer voltar? Quer mesmo? Fala sério?
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