quinta-feira, 9 de julho de 2020

Gafanhotos já atacaram Laguna

Há mais de 100 anos já se registrava a chegada de gafanhotos nos três estados da região sul do Brasil, atingindo, inclusive, São Paulo.
Há relatos de infestações de gafanhotos desde 1896, mas foi a partir dos primeiros anos do século XX, que os ataques desses insetos se tornaram periódicos.
Em Santa Catarina há notícias de nuvens dessa praga em 1906, 1916 e 1946.
Jornais da Laguna em 1906 noticiam a chegada de gafanhotos em nossa região, como veremos a seguir.

Notícia alarmante. Mais uma
Em tempos de pandemia e isolamento social, temporais e ciclones, uma notícia divulgada há algumas semanas deixou muita gente apavorada.
Nuvem de gafanhotos. Foto Senasa/Divulgação.
No fim do mês passado, junho, foi anunciado pela imprensa de todo o Brasil que uma nuvem de gafanhotos que estava sobre a Argentina se movimentava em direção ao Oeste.
A preocupação das autoridades do setor agropecuário e de produtores rurais brasileiros foi a de que os insetos atingissem o Rio Grande do Sul e Santa Catarina.
O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento logo decretou situação de emergência fitossanitária.

O fenômeno segue sendo acompanhado, mas a possibilidade de atingir Santa Catarina parece ser remota.
A nuvem de insetos, dizem os técnicos, entrou na Argentina pelo Paraguai, causando estrago em lavouras.
Um quilômetro quadrado pode conter 40 milhões de gafanhotos que chegam a devorar o que 2 mil vacas consomem em um dia.
A dieta do inseto, que mede em torno de 15 cm de envergadura, varia entre folhas, cereais, capins e outras gramíneas. Uma nuvem chega a ter 15 quilômetros de extensão.
Inseticidas foram aplicados, o que diminuiu de 10% a 30% o tamanho da nuvem.
O nefasto acontecimento meio que sumiu do noticiário nos últimos dias. Mas o monitoramento continua.

Os gafanhotos no passado
Na Laguna, o jornal O Albor de 6 de janeiro de 1906, transcreveu pequeno trecho de um periódico de São Paulo.
Nele explicava-se que nuvens de gafanhotos vindas do sul geralmente não atacavam os cafezais paulistas.
Jornal O Albor de 6 de janeiro de 1906.
Em compensação seus filhotes, nascidos paulistas, em grande proliferação atacavam os cafezais novos e idosos “com extraordinária voracidade e devoram as folhas, os frutos e até a casca dos cafeeiros”.
O texto prossegue dizendo que os colonos gastavam enorme tempo espantando e matando os insetos, mas que era inútil devido “ao número incalculável deles”.
“Em alguns lugares de rampa (subida) nas estradas de ferro, os comboios têm chegado a parar por não encontrarem resistência nos trilhos, tornados escorregadios pelo esmagamento dos gafanhotos”, detalha a nota publicada no O Albor.

Em 18 de março o mesmo jornal volta ao tema e informa que devido à seca no Rio Grande do Sul, o presidente (governador) daquele estado, Borges de Medeiros havia mandado suspender temporariamente a cobrança do imposto territorial “tomando em consideração os grandes prejuízos que a lavoura tem sofrido com a seca e a praga dos gafanhotos naquele estado”.
Jornal O Albor de 16 de março de 1906.
Os gafanhotos na Laguna
Em 27 de maio de 1906, com a manchete “Nuvem de gafanhotos”, o jornal O Albor faz, o que acredito ser, o primeiro registro do temível inseto em nossa região. É um comunicado curto, de “ouvir dizer” e não entra em maiores detalhes, nem se houve ataques à lavoura.
Jornal O Albor de 27 de maio de 1906.
“Ouvimos que há poucos dias foi visto passando no lugar Camacho, deste município, uma grande nuvem de gafanhotos”!

Jornal O Albor de 6 de setembro de 1906.
Quatro meses depois, em 6 de setembro, o mesmo jornal registrava que os gafanhotos estavam entre nós e que haviam feito estragos nas plantações da região e que “na quarta-feira estragaram no Ribeirão Pequeno e Ribeirão Grande, roças de feijão, de cana e cafeeiros”.

Clima seco na região
Um dos principais fatores para proliferação dos gafanhotos, dizem ainda hoje os técnicos, é o clima seco, a falta de chuvas, temperatura e a circulação de ventos.
De fato, em 1906 quando Laguna foi atacada e sofreu uma invasão de nuvens do inseto, o ano tinha sido extremamente seco, sofrendo estiagem por vários meses.
A falta de chuvas foi tão prejudicial, que em dezembro daquele ano, nos dias 22, 23, 24 e 25, preces foram feitas em nossa Matriz pedindo por chuva.
Jornal O Albor de 30 de dezembro de 1906.
Quem as celebrava era o padre Manoel João Luiz da Silva, vigário da nossa paróquia.
“Como as anteriormente celebradas, estas preces tiveram grande concorrência de fiéis”.
O registro do fato novamente é do jornal O Albor de 30 daquele mês, e pelo texto se deduz que outras inúmeras preces já haviam sido dirigidas anteriormente ao Pai Celestial, pelo mesmo motivo.

As primeiras providências por parte do governo
A grande maioria dos autores afirma que as primeiras providências do governo contra a praga dos gafanhotos em nosso país se deram a partir do ano de 1910.
Neste ano de 1910 o “Brasil começou a organizar um plano de defesa contra o gafanhoto, sobretudo, da contratação, por intermédio do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, de Cacildo Boy funcionário do serviço de Defesa Agrícola da República Argentina”.

Em 1906 O Albor já trazia Instruções aos lavradores
Mas, quatro anos antes, “Na convicção de prestarmos relevantíssimo serviço aos lavradores”, o jornal O Albor, com o título “Extincção dos Gafanhotos”, edições seguidas de 16 e 28 de dezembro de 1906, já reproduzia em suas páginas, em matérias de capa, as “Instruções Práticas para a Extinção dos Ovos de Gafanhotos”.
Jornal O Albor de 28 de dezembro de 1906.
O material havia sido organizado pela “Comissão Oficial encarregada de superintender os serviços de extermínio desses terríveis insetos, tão daninhos às searas”.
Esta Comissão havia sido nomeada pela Secretaria da Agricultura, Comércio e Obras Públicas do Estado de São Paulo, sendo composta por Adolpho Hempel, Everardo de Souza Júnior, Amandio Sobral e Antônio de Milita.

Instruções detalhadas
Nas instruções detalhadas pode-se ler que “Uma vez que o bando de gafanhotos pousou na fazenda, cumpre ao lavrador observar se eles fizeram a desova.
Foto Senasa/ Divulgação.
Tendo havido a desova, é preciso DESTRUÍREM OS NINHOS o mais depressa possível, devendo cada lavrador ficar sabendo que 25 a 30 dias depois delas, em média, começam a nascer os primeiros saltões (gafanhotos ainda sem asas) ou “nymphas”; por isso a destruição deve ser feita sem perda alguma”.

Tochas, azeite e querosene
E segue as instruções publicadas no jornal, recomendando a utilização de lavras com arado ou cultivadores e cavas com enxada ou enxadão e quando não for possível “O lavrador deverá isolar as reboleiras (parte semeada) fazendo, à roda delas, uma valeta de 30 cm de largo e outro tanto de fondura, para nella cahirem e se irem matando os saltões que forem nascendo”.
Fala-se também no emprego de “tochas ou archotes de panos embebidos de querosene, azeite ou pixe”.
“Poderá o fazendeiro, mais prontamente se quiser, exterminar todos os saltoêzinhos novos, empregando para esse fim as pulverizações de querosene, por meio de qualquer dos apparelhos especiaes destinados à aplicação de inseticidas. A água de sabão da terra também dará resultados satisfactórios”.

E o jornal O Albor finaliza com mais um conselho e um alerta:
“O fazendeiro nunca deve desanimar; se tal acontecer ele só terá a perder, porque, quando mais tardar para combater os saltões, maiores serão os danos por estes causados, e mais difícil e dispendiosa será a debellação ou o extermínio da praga”.

Em 1916
Dez anos depois desses fatos, já em 1916, há relatos pela imprensa (Gazeta do Commercio de 30/09/1916) da chegada de gafanhotos em Santa Catarina. Joinville foi uma das cidades atingidas.

Em 1946
Em 1946 um novo combate é feito, com relatos de ataque de gafanhotos em cidades do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e sul do Paraná. No oeste catarinense os insetos atacaram várias cidades, entre elas Joaçaba. (Jornal O Estado de 5/10/1946).

Sonho ou pesadelo?
Não constatei em jornais da nossa região, principalmente no nosso O Albor, nos dois anos listados acima, registros de novas chegadas de gafanhotos.
Uma pequena nota publicada no jornal Correio da Manhã, do Rio de Janeiro, de 1º de outubro de 1946, em reportagem sobre a praga de gafanhotos no sul do Brasil me chamou a atenção pelo seu inusitado final. 
Reproduzo abaixo e a aproveito para concluir estas minhas pesquisas:

Sonhando com gafanhotos
"O senhor Cardoso da Veiga, diretor do Fomento Agrícola em Santa Catarina, disse que viu ali nuvens de gafanhotos que se perdem de vista, medindo 10, 20 e até 30 metros de espessura. Acrescentou que tantas são as suas preocupações com a praga que tem até sonhado com os gafanhotos".

Sonhar com gafanhotos... Minha nossa! Então era um verdadeiro pesadelo...
Jornal Correio da Manhã de 1º de outubro de 1946.

5 comentários:

  1. Hoje os "gafanhotos" são outros, e são bem mais devoradores. E é uma praga também com o dinheiro público.
    Geraldo de Jesus

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  2. E os políticos? São piores que os gafanhotos! Essas pragas, nunca se acabam! Olha o dinheiro da saúde! Sumiu rapidamente! Eta praga desgraçada!

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  3. Ótima pesquisa Valmir. Sabes que um dia desses me perguntava se a nossa cidade já havia sofrido com a praga? Aí está. Mas também, o que Laguna já não passou n]ao é mesmo?
    Edison de Andrade Florianopolis

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  4. Querosene na plantação, Deus nos livre! Rsrs. Mas praga é praga.

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  5. Fogo, dedetização, buracos...nada muito diferente de hoje. E lá se foram mais de 100 anos.
    Rosangela Almeida

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