No início do
século XX, em março de 1903, um grupo de jovens alegres senhoritas da nossa
sociedade criou na Laguna uma sociedade exclusivamente feminina: O Clube das Magnólias.
Até onde se
tem notícia, seria o primeiro clube de Luluzinhas da região sul do estado.
O Clube não
tinha sede própria. Reunia-se na casa da presidente da entidade ou na
residência de uma das sócias e promovia seus eventos em diferentes locais
cedidos.
Uma senhorita no início do século XX.
Capa da Revista Santelmo, editada na Laguna.
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Nos anos
seguintes o Clube vai promover diversos eventos beneficentes, entre bailes, peças teatrais, soirées, quermesses, sorteios em prol do nosso Hospital, da igreja Matriz, etc.
O grupo também
vai participar de solenidades cívicas, inaugurações e recepções às autoridades
em visitas a nossa cidade.
Este Clube, inexplicavelmente, não consta na relação de Saul Ulysséa, publicada em seu livro “Coisas Velhas”.
Mas a entidade
terá até um jornal, em edição única: “Magnólia”, dedicado, obviamente, ao
público feminino.
Jornal feminista O Jasmim
Não será o
primeiro jornal da Laguna consagrado a este público. Antes dele, pioneiramente,
já havia surgido em 9 de junho de 1901, com um viés mais feminista, o
quinzenário “O Jasmim” – Dedicado ao Belo Sexo”.Estranhamente este jornal era comandado por um homem, Virgílio José da Silva. O secretário era Mário Mattos, dono de gráfica e editor de outras publicações em nossa cidade. Redator-chefe: Francisco Fernandes de Oliveira e redatora Olinda Lemon.
Em sua edição
de nº 6, Jasmim traz na capa um editorial fortemente feminista para os padrões
da época, propondo o que hoje se denomina de “empoderamento” da mulher, sonhando
direitos iguais, participação no mercado profissional, reivindicando seu lugar
na sociedade, não só como mãe e esposa, mas com direitos iguais, partícipe e a
disputar espaço em igualdades de condições, numa sociedade paternalista e
machista.
Para o início
do século XX, em seu primeiro ano, era um avanço, já que a mulher não tinha nem
direito ao voto. Isso que o Brasil já vivia num regime republicano há quatorze
anos.
Jornal O Jasmim, editado na Laguna e dedicado ao Belo Sexo. |
Como se sabe, somente em 1932, e mesmo assim com restrições, no governo revolucionário de Getúlio Vargas é que a mulher passará,
oficialmente, a ter o direito de votar e ser votada.
Além disso, as
redações eram tomadas por escritores, bacharéis e jornalistas homens, inclusive
aqui na Laguna, onde é raro encontrar, nas primeiras décadas do século XX uma
colaboradora feminina nos periódicos.
Eis o
editorial do jornal lagunense e feminista “Jasmim”:
A mulher no século XX
“Estamos vendo que os nossos patrícios, à imitação
dos norte-americanos e dos ingleses, querem, neste século, abandonar o seu
inalterado egoísmo social, dando as mulheres entrada franca em todos os
misteres criados pela atividade humana.
Temos a esperança de ver a mulher possuidora do
seu congênita lugar, entre a sua espécie.
E por que não?
Não é, por ventura, a mulher o varão forte no lar,
quando adoece um filhinho?
Não é ela, o anjo guardador, quando o esposo
agita-se, no silêncio da noite, com o ardor da febre?
Não é ainda a mulher, o ser másculo que com sua
voz doce acalma, sinceramente o homem na desventura?
É!
É a mulher, na terra, o ente por excelência a quem
o homem deve o pouco gozo que sente!
Esperemos, portanto, que este ideal torne-se uma
realidade.
Veremos então a mulher encostada a uma secretaria
comercial, escriturando um livro, colocando uma barbearia, executando um corte
de cabelo com a elegância que lhe é comum; dominando uma tribuna a pregar a
moral, hoje, pelos homens desconhecida”.
O Clube das Magnólias era mais festivo
Mas voltemos a
abordar o Clube das Magnólias, cujo objetivo de criação era, digamos, mais
festivo, promovendo peças teatrais, encontros sociais, danças e músicas.
Ao relacionar
aqui nomes e sobrenomes da época, tenho como objetivo a informação mais apurada
e até curiosidade. Vai que o leitor encontre entre os citados algum ilustre antepassado seu?
É sempre possível.
Em 28 de março aconteceu reunião
primeira com as futuras sócias do Clube das Magnólias, que elegeu sua primeira
diretoria.
O encontro foi
realizado na residência do dr. Alfredo Moreira Gomes, juiz de Direito da Comarca
da Laguna. Não por coincidência, suas filhas eram líderes do movimento e três delas serão eleitas para cargos na diretoria:
Diretoria
Presidente:
Adélia Gomes
Vice-presidente:
Rosalina da Conceição
1º secretária:
Angelina Gomes
2ª secretária:
Eponina Martins
Tesoureira:
Adélia Ferreira
1ª
Procuradora: Judith Varejão
2ª
Procuradora: Maria Oliveira
Oradora:
Adalgiza Gomes
Comissões
Adorno: Noemia
Cordeiro, Leopoldina Martins, Joanna Caldeira, Genny Mattos, Geraldina Barreto
e Thereza Mancellos.
Salão e
Recepção:
Ruth Varejão, Emma Brandl, Eulina Martins, Alice Rosa, Amélia Bittencourt e
Abigail Chaves.
O Clube tinha
até hino, aliás, fato comum na época em qualquer agremiação criada.
Hino do Clube das Magnólias
“Qual um bando gentil de borboletas
Surgindo da orvalhada entre flores,
Eis o Clube das formosas Magnólias
Mais belo que os risos dos amores
Coro
Circundando de hinos e graças
Espalhando estranhos fulgores,
Em suave e branda harmonia
Vai enchendo o espaço de olores.
Coro
Se é belo n’um céu cor de safira
A lua derramar raios de luz,
É divino n’este conjunto indefinível
Ouvir nosso canto que seduz.
Coro
Ei avante, galantes consocias!
Entoemos as mais lindas canções
Nosso clube é a vida, a poesia,
Que arrouba e fascina corações”.
E as sócias do
Clube das Magnólias não perderam tempo. Diretoria formada, hino ensaiado, logo
marcaram uma festa de estreia.
O evento
realizou-se no dia 24 de maio de 1903, no “salão emprestado do Curso
Complementar do Colégio Municipal”.
O local é o
velho casarão onde em 1932 vai funcionar o Ginásio Lagunense e onde hoje está
instalada a Biblioteca Pública Romeu Ulysséa, na rua Voluntário Fermiano (rua
do Fogo, para os mais antigos).
Houve sessão
magna de instalação, com oradores se sucedendo, entre eles a senhorita Adalgiza
Gomes, o juiz da Comarca de Araranguá (e mais tarde desembargador) Heráclito Carneiro Ribeiro, Antônio
Guimarães Cabral, nosso conhecido Pereira; e Álvaro Carneiro.
Poesias também
foram recitadas por Adélia Gomes, e mais discursos proferidos por Arthur da
Silva Teixeira e Manoel Luiz Dacia Barreto.
Depois da
posse e de todo o falatório, o pessoal devia estar impaciente, louco para
balançar o esqueleto.
As danças e a
animação prolongaram-se até às 4 horas da madrugada.
A turma do
sereno não faltou, mas ficou somente na fila do gargarejo, do lado de fora.
Diz o “O Albor”
que “A multidão na rua era enorme, sendo quase impossível penetrar no
edifício”.
E o baile foi
tão marcante, assunto dos mais comentados nas rodas sociais, em clubes, bares e
cafés, que após semanas ainda se falava na festa, que marcou época.
Carta de um apaixonado
Um mês depois um
participante escreveu uma carta-aberta à presidente do Clube das Magnólias,
solicitando que ela apressasse o prometido segundo baile.
O sujeito estava agoniado, com o
coração em chamas atravessado pela flecha de algum cupido. Perdidamente
apaixonado por alguma mimosa Magnólia. Só pode!
A carta foi
publicada no jornal “O Comércio”, de 21 de junho de 1903, quase um mês após o
baile inaugural.
Eis um trecho:
“A afabilidade de V. Exa. e de vossas graciosas
consocias, a doce e respeitosa intimidade que reinou entre todos, a animação
correta daquela festa inesquecível, me animam a pedir a V. Exa., em nome de
diversos cavalheiros, a ventura de abreviar a realização do prometido segundo
baile, onde possam depor aos pés das graciosas Magnólias, toda a gratidão de
que se acham repletos os corações d’aqueles que se ufanam do convite que
tiveram”.
Quem escreveu não
ia dar bandeira e entregar o ouro, bem por isso assinou a carta com o
pseudônimo de “Humilde Servo Torquato”.
Cá pra nós, um
convite para um baile do Clube das Magnólias devia ser disputadíssimo, valia
ouro, do sujeito convidado se vangloriar entre os amigos, nos bares e
cafés da Laguna. Se “ufanar”, como diz o servo Torquato.
Pudera. Com
tantas flores no jardim esperando ser colhidas... Ou seriam despetaladas?
Era ou não era
paixonite aguda o que o distinto Torquato sentia?
Adivinhando o nome da flor
A próxima (e segunda) promoção do Clube foi uma festa em homenagem a São Pedro. Nela se implantou até
multa.
Explico.
A arrecadação
da penalidade dava-se da seguinte forma:
O cavaleiro em
público, no salão, era apresentado a uma senhorita, representando, em seu
traje, uma flor. Se o distinto não acertasse o nome da flor, pagava
imediatamente uma multa à tesoureira da agremiação, ali presente, já passando a
sacolinha e aguardando.
Devem ter
arrecadado um bom dinheiro.
Será que o Torquato apareceu?
O Torquato deve
ter comparecido. Imagine se não. Com os bolsos cheios de moedas é possível que
tenha entrado na fila várias vezes tentando acertar os nomes das flores.
Sentia-se um
verdadeiro Pato Donald em busca de sua Margarida, se os personagens infantis de
Walt Disney já existissem.
E quando
encontrou a flor de seu jardim poderia ter cantado baixinho em seus ouvidos um
futuro e ainda longínquo sucesso de Luiz Caldas:
- “Eu queria ser uma abelha pra posar na tua
flor... Haja amor... Haja amor... Fazer zum-zum na cama e gemer sem sentir dor,
Haja amor... Haja amor...”.
E pelos meses
seguintes o Clube das Magnólias promoveu inúmeros eventos, entre peças
teatrais, festas, quermesses, bailes, retretas, sorteios, etc.
Sempre com as
arrecadações em benefícios de entidades assistenciais.
Teatro com peças de Augusto e Horácio Nunes Pires
Em 24 de janeiro de 1904, conforme anúncio do jornal "O Comércio", em nosso Teatro 7 de Setembro, o Clube das Magnólias promoveu a peça teatral em quatro atos "O general ou luta por amor". No palco grande número de atores amadores lagunenses. Direção de Augusto Pires. Finalizava com a "hilariante comédia" O Idiota, do "festejado escritor" Horácio Nunes Pires. Abrilhantava o espetáculo a Banda Carlos Gomes.
Nova diretoria
Em abril de 1905 foi eleita nova diretoria do Clube Magnólia - gestão 1905-1906:
Presidente: Adélia Gomes (reeleita)
Vice-presidente: Emma Strauch
1ª secretária: Angelina Gomes
2ª secretária: Eponina Martins
Tesoureira: Josephina Amaral
Oradora: Leopoldina Martins
1ª procuradora: Nohemia Cordeiro
2ª procuradora: Enedina Moreira
Teatro com peças de Augusto e Horácio Nunes Pires
Em 24 de janeiro de 1904, conforme anúncio do jornal "O Comércio", em nosso Teatro 7 de Setembro, o Clube das Magnólias promoveu a peça teatral em quatro atos "O general ou luta por amor". No palco grande número de atores amadores lagunenses. Direção de Augusto Pires. Finalizava com a "hilariante comédia" O Idiota, do "festejado escritor" Horácio Nunes Pires. Abrilhantava o espetáculo a Banda Carlos Gomes.
Nova diretoria
Em abril de 1905 foi eleita nova diretoria do Clube Magnólia - gestão 1905-1906:
Presidente: Adélia Gomes (reeleita)
Vice-presidente: Emma Strauch
1ª secretária: Angelina Gomes
2ª secretária: Eponina Martins
Tesoureira: Josephina Amaral
Oradora: Leopoldina Martins
1ª procuradora: Nohemia Cordeiro
2ª procuradora: Enedina Moreira
O jornal Magnólia
Em 24 de maio
de 1905, em comemoração ao segundo aniversário de fundação, o Clube lançou, em
edição única, o seu jornal “Magnólia”, trazendo o dístico: “Rir e Folgar –
Viver e Amar”. Diretora: Angelina (Nina) Gomes.
Na Escola do Romantismo da época, a publicação traz inúmeros poemas e poesias.
Na Escola do Romantismo da época, a publicação traz inúmeros poemas e poesias.
Uma loja comercial, a tradicional Casa Esmeralda de propriedade de José de Araújo Teixeira aproveitou o clima de festa e publicou sua publicidade:
Jornal O Albor de 14 de maio de 1905. |
O jornal “A
Actualidade” relatou o evento.
Compareceram o
juiz de Direito Alfredo Moreira Gomes, representando o governador Vidal Ramos
Júnior; Demosthenes Veiga, por parte do “Correio do Povo”, de Florianópolis; o
alferes do governador, Euclydes de Castro; Álvaro Carneiro, pelo Clube Congresso
Lagunense; Ary Cabral e Cyd Gonzaga, pelo Clube Blondin; Raul Aquino e José de
Araújo Teixeira, pelos Clubes 12 de Agosto e 16 de Abril, respectivamente, de
Florianópolis; Ascendino Fontes de Resende, promotor Público; e o superintendente
da Laguna, José Maurício dos Santos, entre outros.
O salão foi “ricamente”
ornamentado, inclusive com um belo escudo do Clube Magnólia feito pelo artista
e pintor Roberto Trompowsky, ofertado pelo protetor do Clube, José Antônio de
Souza.
A uma da manhã
“foi oferecida aos convidados uma supimpa e fartíssima mesa de doces e bombons e
finíssimos vinhos”.
Hummm...
Na noite
seguinte (25) novo baile, o que mostra que a turma não era fraca não.
Outra vez a Banda Carlos Gomes se fez presente, “enchendo sempre de contentamento os
corações de todos com as harmoniosas peças do seu vasto repertório”.
Enaltecendo a
mulher brasileira, usaram da palavra as senhoritas Leopoldina Martins e Adélia Gomes, da diretoria das Magnólias; e João Carvalho.
Poesias foram
recitadas e pela primeira vez foi executado o “CakeWalk”, dançado pelas
senhoritas Mimosa Souza, Judith Diniz e Angelina Gomes, acompanhadas de seus
pares João Gomes, Ary Cabral e Cyd Gonzaga.
Será que um desses três homens listados aí em cima seria o Torquato? Vai saber...
Será que um desses três homens listados aí em cima seria o Torquato? Vai saber...
A dança "CakeWalk", sucesso nos salões. Crédito Mass História. |
O “CakeWalk” é
uma dança afro americana que se originou entre os escravos no sul do EUA. Era
um verdadeiro sucesso nos salões da Belle Époque em fins do século XIX e início
do século XX.
Os dois bailes
“terminaram alta madrugada”.
Depois, os eventos rarearam
Em 28 de julho
de 1905 o jornal “A Actualidade”, anuncia Baile no Clube Congresso Lagunense
para a noite de 30, promovido pelas Magnólias.
Depois, praticamente cessam os anúncios de novas promoções. Houve ainda dois ou três eventos em 1906, mas sem maiores repercussões.
E foi só.
E foi só.
Houve ainda
tentativas de reerguer o Clube por parte de outras senhoritas, inclusive com
convite pelos periódicos lagunenses, mas não se obteve mais sucesso.
Como tudo na
vida, o Clube das Magnólias, que marcou época entre cavalheiros e gentis e
alegres senhoritas da nossa melhor sociedade da Laguna, acabou-se, entre
suspiros e doces lembranças.
Muito interessante! Pena que as Magnólias não estenderam a luta por uma sociedade mais justa entre os sexos, talvez castradas por maridos ou noivos ciumentos. Talvez o próprio Torquato, após conquistar o tão almejado coração magnólico, tenha cortado as pétalas de sua magnólia.
ResponderExcluirMinha nossa! Que pesquisa. Viajei Valmir. Deu até vontade de estar num baile desses.
ResponderExcluirGeraldo de Jesus
Valmir, o que era a nossa Laguna. Tudo gente de berço.
ResponderExcluirEdison de Andrade Florianópolis
Belo resgate de nossa história. Conheci alguns desses personagens mas todos eles já bem velhinhos. Quanta coisa eles tinham pra contar. Talvez a gente ficasse sabendo quem foi o Torquato. Será que ele casou com sua amada?
ResponderExcluirRosangela Almeida