quinta-feira, 3 de setembro de 2020

O desaparecimento do navio “Oswaldo Aranha” com 36 pessoas a bordo

Além do desaparecimento do navio “Laguna II”, com seus 15 tripulantes, matéria já abordada neste Blog aqui, outro navio consta da lista dos mistérios da navegação brasileira-catarinense.
Trata-se do sumiço do navio cargueiro “Oswaldo Aranha”, que partiu do porto de Imbituba na manhã de 1º de abril de 1949, em direção ao Rio de Janeiro.
Capa da "Noite Ilustrada" RJ de 26 de abril de 1949. Desenho de Reconstituição de Monteiro Filho.
O cargueiro nunca chegou ao seu destino e além da embarcação, todas as 36 pessoas a bordo também desapareceram misteriosamente.
Foram mobilizadas nas buscas pela Marinha e pela FAB centenas de profissionais e gastas milhares de horas-homens, mas a procura, após semanas, foi infrutífera.
O que teria acontecido? Colisão? Excesso de carga? Tempestade em alto mar e seu consequente naufrágio? Por que não houve pedido de socorro? Por que não houve sobreviventes?
É o que veremos a seguir.

O navio cargueiro “Oswaldo Aranha” – Dados técnicos
O navio mercante “Oswaldo Aranha” foi construído em 1912 pela empresa Mackie Thompson Ltda, no estaleiro de Glasgow, na Inglaterra.
Seu nome de batismo era “Jacuhí” e foi adquirido pela empresa brasileira Pereira Carneiro & Cia Ltda, do Rio de Janeiro, sua proprietária de 1912 a 1935.
O navio "Oswaldo Aranha", quando ainda se chamava "Jacuhí".
Em 1935 passou à propriedade da Companhia de Comércio e Navegação, situada no mesmo estado, e recebeu a nova nomenclatura..

Seu casco era de aço, com as dimensões de 82m88cm; boca 13m, pontal 5,00m; calado máximo 16 pés, mínimo, 6 pés; propulsores: 2 hélices; velocidade: máxima, 8 milhas, econômica, 7 milhas; tonelagem: bruta, 1.951 ton - líquida 654 ton – sob convés, 1.599 ton; calado: de carga, 1.750 ton
Força em cavalos nominais: HPN 208
Propulsão: a vapor de propulsão tripla
Consumo de carvão: 26 ton/dia
Consumo de óleo: 18 litros em 24 horas
Consumo de água: 4 ton/em 24 horas
Número de guinchos: 8
Paus de carga: 12
Caldeiras: 2
Capacidade das carvoeiras: 589 ton
Porões de carga: 4 tanques de lastro, 5 com capacidade para 862 ton
Água potável: 243 ton
Telegrafia sem fio. Indicativo de chamada: PUGH

Tripulação
A tripulação do navio mercante “Oswaldo Aranha” em sua última e fatídica viagem era composta de 36 pessoas (35 tripulantes e uma passageira).
Comandante: Luiz Sutter
Imediato: Osmarino Lameira de Carvalho
1º Piloto: Cincinato Pires de Albuquerque
2º Piloto: Lourival de Jaime Maia
Radiotelegrafista: Ataliba Lopes de Vasconcelos
Mestre: João Álvares Conceição Anjos
Marinheiros: Raimundo Fagundes de Paiva, Juvenal Brasiliano Vieira, Pedro Silva, Felício Gomes da Silva, Leobino Bispo.
Moços de convés: José Costa Sobrinho, Antônio José dos Santos, Luiz Câmara Fonseca.
1º Maquinista: Adão Eduardo Angelo Porto
2º Maquinista: Pedro Marinho de Lima
3º Maquinista: Oscar Ribeiro dos Santos
Cabos-foguistas: Firmino Francisco dos Santos, Angelo de Andrade e Américo de Andrade.
Foguistas: Raul Pinheiro, Antônio Felipe, Praxedes Teodoro dos Santos, Manoel Joaquim de Santana e Heitor Amaro da Anunciação.
Carvoeiros: Antônio Ponciano, Severino Felipe Ferreira, Nicolau Bispo dos Santos e Francisco Xavier dos Santos.
Comissário: Antônio Ribeiro Cardoso
2º Cozinheiro: Carlos Alberto da Silva
3º Cozinheiro: Hemetério Tomaz de Aquino
Taifeiros: João Gonçalves Camargo, Manoel dos Santos e Aureliano Santos Machado.

A partida de Imbituba
Manhã de sexta-feira, 1º de abril de 1949. Sob o comando do capitão Luis Sutter, o navio cargueiro “Oswaldo Aranha”, às 9 horas da manhã, com um carregamento de 2.450 toneladas de carvão mineral, parte do porto de Imbituba, no litoral catarinense, com destino ao porto do Rio de Janeiro.
Era a mesma tonelagem de carga que o navio levara em viagens anteriores. A capacidade da embarcação era de 2.713 toneladas.
O “Oswaldo Aranha havia sido docado em Imbituba em 23 de fevereiro daquele ano.
Era, como de costume, uma navegação direta. O mercante alcançava Naufragados e após a marcação deste farol, fazia rumo direto à capital federal da República, onde sua chegada estava prevista para o dia 3 ou no mais tardar no dia 4 pela manhã.
Em velocidade reduzida, o navio foi se afastando do cais do porto de Imbituba. Ainda a pouca distância, como de praxe, ouviu-se três apitos da embarcação a guisa de despedida.
A temperatura era considerada elevada naquele dia, com máxima de 28.8 e a mínima prevista de 24.2, ventos do quadrante Norte, com rajadas frescas. O céu estava límpido, com pequenas nuvens, mas a previsão do tempo para as próximas horas publicada no jornal O Estado marcava tempo instável, agravando-se com chuvas, trovoadas e vento sul.

O navio "Taquari", da mesma empresa, irmão gêmeo do "Oswaldo Aranha", que manteve o último contato.  Foto J. Souza. Jornal A Noite RJ.

Às 19 horas do mesmo dia da partida, o “Oswaldo Aranha” comunicou-se pelo rádio com o vapor “Taquari”, da mesma Companhia, com quem cruzara e que ia em direção a Imbituba. Não houve relatos de qualquer problema.

O desaparecimento e as providências
O “Oswaldo Aranha” deveria ter chegado ao porto de destino em 3 de abril. Não acontecendo, autoridades marítimas e portuárias deram o alarme em busca do paradeiro da embarcação.
Estações radiotelegráficas foram avisadas, assim como todos os navios e aviões em tráfego na rota que a embarcação deveria ter percorrido receberam ordens para procurá-lo.
O então ministro da Marinha, Sílvio de Noronha deu ordens para que o contratorpedeiro “Baependi” partisse em direção ao sul para cooperar nas buscas, assim como o rebocador “Tritão”.
(Não confundir com o paquete Baependi, navio brasileiro afundado anos antes, em 15 de agosto de 1942 pelo submarino alemão U-507, com 270 mortes).
Desenho publicado no jornal A Noite RJ de 26 de abril de 1949, mostra o trajeto da embarcação, o provável local do naufrágio e o aparecimento de seus vestígios, como salva-vidas e baleeiras.
O Ministério da Marinha expediu o seguinte telegrama:
“O almirante Flávio Figueiredo de Medeiros, chefe do Estado-Maior da Armada, recebeu, na tarde de ontem (11 de abril) comunicação do comandante do 5º Distrito Naval, sediado em Florianópolis, de que aviões da F.A.B. sobrevoaram a costa sul entre aquela capital e Imbituba, nenhum vestígio encontrado do navio mercante “Oswaldo Aranha”, desaparecido há dias”.
Já o Ministério da Aeronáutica informou o seguinte: “Estando o governo empenhado em descobrir o paradeiro do navio “Oswaldo Aranha”, há alguns dias desaparecido, determinou o ministro Armando Trompowski que os aviões da Força Aérea Brasileira procedessem buscas no litoral, entre Imbituba e o Rio de Janeiro.
O comandante da 4ª Zona Aérea, brigadeiro Carlos Brasil, comunicou ao titular da pasta da Aeronáutica que as buscas procedidas com aviões B-25 produziram resultados negativos”.

Vestígios do navio
Dias depois uma baleeira e dois salva-vidas do navio “Oswaldo Aranha” apareceram na Ponte de Jureia, em Iguape, na costa sul de São Paulo.
Outra das baleeiras foi encontrada boiando de bordo a 10 milhas e 67 graus da Lage da Conceição, litoral de Santos.
De número 1, essa baleeira tinha capacidade para 24 pessoas, estando com a vela enrolada debaixo de um dos brigues, demonstrando com isso que a pequena embarcação nem chegou a ser utilizada pela tripulação.
Uma da baleeiras e o salva-vidas do navio. Foto: J. Souza. Jornal A Noite R.J. 26 de abril de 1949.
Foram os únicos vestígios do “Oswaldo Aranha” encontrados.
Da causa real de seu desaparecimento, do drama que se passou a bordo e do destino dos seus tripulantes nunca se ficou sabendo, porque nenhum deles jamais foi encontrado.
No dia 12 de abril o “Baependi” recebeu ordens para o regresso, encerrando com isso suas pesquisas em busca do navio.
No dia seguinte, 13, as autoridades navais já consideravam oficialmente perdido o navio mercante “Oswaldo Aranha”.
Um navio que desapareceu nas águas sem que fosse emitido um pedido de socorro, sem que uma vida fosse salva, sem um corpo no mar ou nas praias para demonstrar o naufrágio da embarcação e para familiares chorarem e prantearem seus mortos. Um verdadeiro mistério marítimo.

Imprensa catarinense não noticiou
O desaparecimento do navio e dos 36 tripulantes do “Oswaldo Aranha” em 1º de abril de 1949, partindo do porto de Imbituba para o Rio de Janeiro transportando carvão catarinense, estranhamente não mereceu qualquer destaque na grande imprensa de nosso estado.
Em pesquisa realizada na Hemeroteca da Biblioteca Pública de Santa Catarina não encontrei uma nota sequer sobre o fato em nossos diários ou semanários da época. 
Já outros jornais do Brasil noticiaram amplamente o incidente, inclusive com elaboração de cadernos especiais.
Capa jornal Diário de Notícias RJ de 8 de abril de 1949.

Capa Jornal A Noite RJ de 13 de abril de 1949.

Jornal Correio Paulistano de 10 de abril de 1949.

Jornal de Notícias SP, 14 de abril de 1949.
Jornais de São Paulo como Jornal de Notícias e Correio Paulistano traziam diariamente reportagens; assim como os jornais Correio da Manhã, Diário de Notícias, Gazeta de Notícias e A Noite, do Rio de Janeiro.

A decisão do Tribunal Marítimo
O Anuário de Jurisprudência do Tribunal Marítimo de cinco de junho de 1951, dois anos depois dos fatos, publicou o Acórdão que levou o nº 1.782, sobre o acontecimento, conclusões e decisões.
No documento consta: “Presume-se que o desaparecimento do navio “Oswaldo Aranha” tenha sido do dia 2 para 3, no trecho compreendido entre o Farol de Bom Abrigo e Queimada Grande. 
Nesse dia um forte temporal varreu o trecho da costa por onde costumava navegar o citado navio e aconteceu ao vapor “Maria Luíza”, sob o comando do capitão Marcos Otto, nessa mesma ocasião, quando navegava de Santos para Porto Alegre, ser obrigado a arribar ao porto de Florianópolis, com o convés destroçado, não o tendo feito a Bom Abrigo, Paranaguá ou outro qualquer local, por não ser possível fazê-lo”.

Ouvidas todas as testemunhas dos portos e especialistas, observados os documentos da embarcação, manifesto de carga e o inquérito realizado, o Tribunal Marítimo, após duas sessões realizadas em 31 de maio e 5 de junho de 1951, concluiu:
“O “Oswaldo Aranha” sofreu um grave acidente, em circunstâncias excepcionais e instantâneas, não dando tempo a que fossem emitidos sinais radiotelegráficos de socorro ou noticia do que ocorria, nem tampouco permitindo que a tripulação abandonasse o navio nas baleeiras”.

Os ministros consideraram em decisão, isentar de culpa a companhia proprietária e considerar o acidente resultante de “fortuna do mar, face à robusta prova sobre o mau tempo reinante durante a viagem”.

Um dos relatores do caso defendeu que o desastre do “Oswaldo Aranha” poderia ter ocorrido de duas formas:
a)   Rompimento da estrutura do casco (alquebramento) em virtude de grande esforço longitudinal proveniente de acentuado desequilíbrio entre o peso e a força de impulsão sobre os diversos pontos do casco;
b)  Emborcamento devido ao corrimento ou deslocamento da carga (carvão) para um dos bordos.

“Uma das duas é a verdadeira, devendo a primeira ser a mais provável. A ruptura do casco deu-se exatamente quando o navio se achava levantado sobre a crista da vaga”.

A misteriosa passageira
Além dos 35 tripulantes da embarcação, uma passageira também embarcou em Imbituba, totalizando assim 36 pessoas a bordo do “Oswaldo Aranha”.
Quem era essa mulher? Parente de algum tripulante? Alguém que ganhou uma mera carona até o Rio de Janeiro?
Testemunhos da época dizem que era uma mulher distinta, bonita, trajando um longo vestido.
Quem seria essa mulher? Eis mais um dos mistérios da história do navio cargueiro “Oswaldo Aranha”.

O sonho da esposa o salvou
Reportagem de Eva Ban para o jornal A Noite, do Rio de Janeiro de 26 de abril de 1949 trouxe impressionante entrevista com João Ferreira Soares, um velho oficial da Marinha Mercante. O título da matéria: “O homem que ficou”.
No relato ficamos sabendo que estava tudo certo para Soares viajar como imediato do navio “Oswaldo Aranha” para Imbituba e de lá retornar com a carga de carvão para o Rio de Janeiro. Viagem rotineira, feita há vários anos. Ele só aguardava o telefonema da empresa convocando-o.
Ao acordar na véspera da viagem, sua esposa Dalme contou que teve um sonho, na verdade um verdadeiro pesadelo com cenas de horror:
“- Meu querido, ó meu querido, não vás! Sonhei que vi o navio afundando, tragado pelas ondas gigantescas, aos clarões de milhares de relâmpagos. Havia escuridão e trevas incríveis se agigantavam para correr atrás do vapor que fugia, espavorido, em corrida louca... Mas nada adiantou. O turbilhão de águas alcançou o barco pequenino e, ó, meu querido! Vi teu corpo rolando pelo mar...”.
Soares achava bobagem, superstições da mulher. Onde já se viu deixar de viajar, deixar de trabalhar por causa de um sonho.
A esposa insistia:
“-Não vás... Não vás... Eu te amo! Não quero que morras! Fica... e se atirou aos seus pés, implorando”.
Mas Soares parecia irredutível.
Foi quando a esposa, num último gesto, em desespero, levantou a filhinha deles e disse:
“- Queres que ela fique órfã? Queres?”.

João, comovido, desistiu da viagem.
E salvou-se.
Em seu lugar foi convocado Osmarino Lameira de Carvalho.
Ao saber do trágico ocorrido, João Ferreira Soares misturava felicidade por continuar com a vida e estar com sua família, mas, ao mesmo tempo angustiado se perguntava:
“- Fui eu que levei outro homem à morte? Será que ele morreu, sumiu em meu lugar?”.

E a repórter Eva Baun termina sua comovedora reportagem dizendo:
“Decerto no livro dos destinos, riscaram um nome, deixando outro escrito com a tinta eterna que escreve sobre vida e morte”.

Final
No rugir dos relâmpagos, na noite e águas escuras do Oceano Atlântico, sem tempo de pedir socorro pelo rádio ou embarcar nos botes salva-vidas, submergiu em segundos o navio “Oswaldo Aranha” tragado rapidamente pelas vergas e levando com ele 36 almas para a pátria do eterno.
Em algum lugar do fundo do mar do nosso litoral sul está seu resto de esqueleto carcomido pela maresia, servindo de moradia para inúmeras espécies da fauna marinha.
Lá está ainda ecoando dos seus porões um sussurro rouco, infeliz, estranho, chorando seus mortos e destino ingrato.
Não singra mais os mares levando riquezas e homens-marinheiros sonhando todos os portos.
Lá está, submerso no fundo do mar, repousando tranquilo, como num túmulo.

9 comentários:

  1. Valmir, como sempre uma baita pesquisa. Desconhecia esses fatos, o sumiço desse navio e dessa gente.
    Parabéns pela matéria.
    Edison de Andrade

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  2. Lendo a matéria vi desenrolar um filme na minha imaginação. Bem narrada e escrita.
    Cenas de horror, drama. Dava um filme mesmo. E essa mulher que salvou o marido com seu sonho. Surreal. Valeu
    Geraldo de Jesus

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  3. Viajei na historia triste! Belissima matéria!

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  4. Que história impressionante. São cenas de horror. Será que não foram abduzido por extraterrestres? Tipo Triângulo das Bermudas? Cruzes!
    Rosângela de Almeida

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  5. José Costa Sobrinho é meu avô! A anos procurávamos sobre o navio. Que loucura achar essa materia agora...

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  6. A passageira desconhecida. Era prima da minha avó Feliciana Pereira de Sousa de Imbituba SC..o nome dela era Abigail eu cresci escutando a vó falando..dela era muito linda!

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  7. Edilene Souza26/03/2023, 11:07

    Meu tio Heitor A.da Conceição.Sempre ouvia minha mãe falar sobre seu tio e do ocorrido. Hoje pediu que procurasse algo sobre o aassunto .Minha avó jamais se conformou com o fato,pois amava muito aquele irmão.

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  8. A passageira que ninguém conhece era minha prima. Abigail!! era muito linda loira minha mãe fala sempre dela!

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  9. Meu pai foi Comandante da Marinha Mercante, e o Primeiro Comando dele foi o navio SS OSWALDO ARANHA.

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