Além do
desaparecimento do navio “Laguna II”, com seus 15 tripulantes, matéria já
abordada neste Blog aqui, outro navio consta da lista dos mistérios da
navegação brasileira-catarinense.
Trata-se do
sumiço do navio cargueiro “Oswaldo Aranha”, que partiu do porto de Imbituba na
manhã de 1º de abril de 1949, em direção ao Rio de Janeiro.
O cargueiro
nunca chegou ao seu destino e além da embarcação, todas as 36 pessoas a bordo
também desapareceram misteriosamente.
Capa da "Noite Ilustrada" RJ de 26 de abril de 1949. Desenho de Reconstituição de Monteiro Filho. |
Foram
mobilizadas nas buscas pela Marinha e pela FAB centenas de profissionais e
gastas milhares de horas-homens, mas a procura, após semanas, foi infrutífera.
O que teria
acontecido? Colisão? Excesso de carga? Tempestade em alto mar e seu consequente naufrágio? Por que não houve pedido de socorro? Por que não houve sobreviventes?
É o que
veremos a seguir.
O navio cargueiro “Oswaldo Aranha” – Dados
técnicos
O navio
mercante “Oswaldo Aranha” foi construído em 1912 pela empresa Mackie Thompson
Ltda, no estaleiro de Glasgow, na Inglaterra.
Seu nome de
batismo era “Jacuhí” e foi adquirido pela empresa brasileira Pereira Carneiro
& Cia Ltda, do Rio de Janeiro, sua proprietária de 1912 a 1935.
Em 1935 passou à propriedade da Companhia de Comércio e Navegação, situada no mesmo estado, e recebeu a nova nomenclatura..
O navio "Oswaldo Aranha", quando ainda se chamava "Jacuhí". |
Seu casco era de aço, com as dimensões de 82m88cm; boca 13m, pontal 5,00m; calado máximo 16 pés, mínimo, 6 pés; propulsores: 2 hélices; velocidade: máxima, 8 milhas, econômica, 7 milhas; tonelagem: bruta, 1.951 ton - líquida 654 ton – sob convés, 1.599 ton; calado: de carga, 1.750 ton
Força em
cavalos nominais: HPN 208
Propulsão: a
vapor de propulsão tripla
Consumo de
carvão: 26 ton/dia
Consumo de
óleo: 18 litros em 24 horas
Consumo de
água: 4 ton/em 24 horas
Número de
guinchos: 8
Paus de carga:
12
Caldeiras: 2
Capacidade das
carvoeiras: 589 ton
Porões de
carga: 4 tanques de lastro, 5 com capacidade para 862 ton
Água potável:
243 ton
Telegrafia sem
fio. Indicativo de chamada: PUGH
Tripulação
A tripulação
do navio mercante “Oswaldo Aranha” em sua última e fatídica viagem era composta
de 36 pessoas (35 tripulantes e uma passageira).
Comandante: Luiz Sutter
Imediato: Osmarino Lameira de Carvalho
1º Piloto: Cincinato Pires de Albuquerque
2º Piloto: Lourival de Jaime Maia
Radiotelegrafista: Ataliba
Lopes de Vasconcelos
Mestre: João Álvares Conceição Anjos
Marinheiros: Raimundo Fagundes de Paiva, Juvenal
Brasiliano Vieira, Pedro Silva, Felício Gomes da Silva, Leobino Bispo.
Moços de convés: José Costa Sobrinho, Antônio
José dos Santos, Luiz Câmara Fonseca.
1º Maquinista: Adão Eduardo Angelo Porto
2º Maquinista: Pedro Marinho de Lima
3º Maquinista: Oscar Ribeiro dos Santos
Cabos-foguistas: Firmino Francisco dos Santos,
Angelo de Andrade e Américo de Andrade.
Foguistas: Raul Pinheiro, Antônio Felipe,
Praxedes Teodoro dos Santos, Manoel Joaquim de Santana e Heitor Amaro da
Anunciação.
Carvoeiros: Antônio Ponciano, Severino Felipe
Ferreira, Nicolau Bispo dos Santos e Francisco Xavier dos Santos.
Comissário: Antônio Ribeiro Cardoso
2º Cozinheiro: Carlos Alberto da Silva
3º Cozinheiro: Hemetério Tomaz de Aquino
Taifeiros: João Gonçalves Camargo, Manoel dos
Santos e Aureliano Santos Machado.
A partida de Imbituba
Manhã de sexta-feira,
1º de abril de 1949. Sob o comando do capitão Luis Sutter, o navio cargueiro
“Oswaldo Aranha”, às 9 horas da manhã, com um carregamento de 2.450 toneladas
de carvão mineral, parte do porto de Imbituba, no litoral catarinense, com
destino ao porto do Rio de Janeiro.
Era a mesma
tonelagem de carga que o navio levara em viagens anteriores. A capacidade da
embarcação era de 2.713 toneladas.
O “Oswaldo
Aranha havia sido docado em Imbituba em 23 de fevereiro daquele ano.
Era, como de
costume, uma navegação direta. O mercante alcançava Naufragados e após a
marcação deste farol, fazia rumo direto à capital federal da República, onde
sua chegada estava prevista para o dia 3 ou no mais tardar no dia 4 pela manhã.
Em velocidade
reduzida, o navio foi se afastando do cais do porto de Imbituba. Ainda a pouca
distância, como de praxe, ouviu-se três apitos da embarcação a guisa de
despedida.
A temperatura
era considerada elevada naquele dia, com máxima de 28.8 e a mínima prevista de
24.2, ventos do quadrante Norte, com rajadas frescas. O céu estava límpido, com
pequenas nuvens, mas a previsão do tempo para as próximas horas publicada no
jornal O Estado marcava tempo
instável, agravando-se com chuvas, trovoadas e vento sul.
O desaparecimento e as providências
O “Oswaldo
Aranha” deveria ter chegado ao porto de destino em 3 de abril. Não acontecendo,
autoridades marítimas e portuárias deram o alarme em busca do paradeiro da
embarcação.
Estações
radiotelegráficas foram avisadas, assim como todos os navios e aviões em
tráfego na rota que a embarcação deveria ter percorrido receberam ordens para
procurá-lo.
O então ministro
da Marinha, Sílvio de Noronha deu ordens para que o contratorpedeiro “Baependi”
partisse em direção ao sul para cooperar nas buscas, assim como o rebocador
“Tritão”.
(Não confundir
com o paquete Baependi, navio brasileiro afundado anos antes, em 15 de agosto
de 1942 pelo submarino alemão U-507, com 270 mortes).
Desenho publicado no jornal A Noite RJ de 26 de abril de 1949, mostra o trajeto da embarcação, o provável local do naufrágio e o aparecimento de seus vestígios, como salva-vidas e baleeiras. |
“O almirante
Flávio Figueiredo de Medeiros, chefe do Estado-Maior da Armada, recebeu, na
tarde de ontem (11 de abril) comunicação do comandante do 5º Distrito Naval,
sediado em Florianópolis, de que aviões da F.A.B. sobrevoaram a costa sul entre
aquela capital e Imbituba, nenhum vestígio encontrado do navio mercante
“Oswaldo Aranha”, desaparecido há dias”.
Já o
Ministério da Aeronáutica informou o seguinte: “Estando o governo empenhado em
descobrir o paradeiro do navio “Oswaldo Aranha”, há alguns dias desaparecido,
determinou o ministro Armando Trompowski que os aviões da Força Aérea
Brasileira procedessem buscas no litoral, entre Imbituba e o Rio de Janeiro.
O comandante
da 4ª Zona Aérea, brigadeiro Carlos Brasil, comunicou ao titular da pasta da
Aeronáutica que as buscas procedidas com aviões B-25 produziram resultados
negativos”.
Vestígios do navio
Dias depois
uma baleeira e dois salva-vidas do navio “Oswaldo Aranha” apareceram na Ponte
de Jureia, em Iguape, na costa sul de São Paulo.
Outra das
baleeiras foi encontrada boiando de bordo a 10 milhas e 67 graus da Lage da
Conceição, litoral de Santos.
De número 1,
essa baleeira tinha capacidade para 24 pessoas, estando com a vela enrolada
debaixo de um dos brigues, demonstrando com isso que a pequena embarcação nem
chegou a ser utilizada pela tripulação.
Foram os
únicos vestígios do “Oswaldo Aranha” encontrados.
Uma da baleeiras e o salva-vidas do navio. Foto: J. Souza. Jornal A Noite R.J. 26 de abril de 1949. |
Da causa real
de seu desaparecimento, do drama que se passou a bordo e do destino dos seus
tripulantes nunca se ficou sabendo, porque nenhum deles jamais foi encontrado.
No dia 12 de
abril o “Baependi” recebeu ordens para o regresso, encerrando com isso suas
pesquisas em busca do navio.
No dia
seguinte, 13, as autoridades navais já consideravam oficialmente perdido o
navio mercante “Oswaldo Aranha”.
Um navio que
desapareceu nas águas sem que fosse emitido um pedido de socorro, sem que uma
vida fosse salva, sem um corpo no mar ou nas praias para demonstrar o naufrágio
da embarcação e para familiares chorarem e prantearem seus mortos. Um verdadeiro mistério marítimo.
Imprensa catarinense não noticiou
O
desaparecimento do navio e dos 36 tripulantes do “Oswaldo Aranha” em 1º de
abril de 1949, partindo do porto de Imbituba para o Rio de Janeiro
transportando carvão catarinense, estranhamente não mereceu qualquer destaque
na grande imprensa de nosso estado.
Em pesquisa realizada
na Hemeroteca da Biblioteca Pública de Santa Catarina não encontrei uma nota
sequer sobre o fato em nossos diários ou semanários da época.
Capa jornal Diário de Notícias RJ de 8 de abril de 1949. |
Capa Jornal A Noite RJ de 13 de abril de 1949. |
Jornal Correio Paulistano de 10 de abril de 1949. |
Jornal de Notícias SP, 14 de abril de 1949. |
A decisão do Tribunal Marítimo
O Anuário de
Jurisprudência do Tribunal Marítimo de cinco de junho de 1951, dois anos depois
dos fatos, publicou o Acórdão que levou o nº 1.782, sobre o acontecimento, conclusões
e decisões.
No documento
consta: “Presume-se que o desaparecimento do navio “Oswaldo Aranha” tenha sido
do dia 2 para 3, no trecho compreendido entre o Farol de Bom Abrigo e Queimada
Grande.
Nesse dia um forte temporal varreu o trecho da costa por onde costumava navegar o citado navio e aconteceu ao vapor “Maria Luíza”, sob o comando do capitão Marcos Otto, nessa mesma ocasião, quando navegava de Santos para Porto Alegre, ser obrigado a arribar ao porto de Florianópolis, com o convés destroçado, não o tendo feito a Bom Abrigo, Paranaguá ou outro qualquer local, por não ser possível fazê-lo”.
Nesse dia um forte temporal varreu o trecho da costa por onde costumava navegar o citado navio e aconteceu ao vapor “Maria Luíza”, sob o comando do capitão Marcos Otto, nessa mesma ocasião, quando navegava de Santos para Porto Alegre, ser obrigado a arribar ao porto de Florianópolis, com o convés destroçado, não o tendo feito a Bom Abrigo, Paranaguá ou outro qualquer local, por não ser possível fazê-lo”.
Ouvidas todas
as testemunhas dos portos e especialistas, observados os documentos da
embarcação, manifesto de carga e o inquérito realizado, o Tribunal Marítimo,
após duas sessões realizadas em 31 de maio e 5 de junho de 1951, concluiu:
“O “Oswaldo
Aranha” sofreu um grave acidente, em circunstâncias excepcionais e
instantâneas, não dando tempo a que fossem emitidos sinais radiotelegráficos de
socorro ou noticia do que ocorria, nem tampouco permitindo que a tripulação
abandonasse o navio nas baleeiras”.
Os ministros consideraram em decisão, isentar de
culpa a companhia proprietária e considerar o acidente resultante de “fortuna
do mar, face à robusta prova sobre o mau tempo reinante durante a viagem”.
Um dos relatores do caso defendeu que o desastre do “Oswaldo Aranha”
poderia ter ocorrido de duas formas:
a)
Rompimento
da estrutura do casco (alquebramento) em virtude de grande esforço longitudinal
proveniente de acentuado desequilíbrio entre o peso e a força de impulsão sobre
os diversos pontos do casco;
b) Emborcamento
devido ao corrimento ou deslocamento da carga (carvão) para um dos bordos.
“Uma das duas
é a verdadeira, devendo a primeira ser a mais provável. A ruptura do casco
deu-se exatamente quando o navio se achava levantado sobre a crista da vaga”.
A misteriosa passageira
Além dos 35 tripulantes da embarcação, uma passageira também embarcou em Imbituba, totalizando assim 36 pessoas a
bordo do “Oswaldo Aranha”.
Quem era essa
mulher? Parente de algum tripulante? Alguém que ganhou uma mera carona até o
Rio de Janeiro?
Testemunhos da época dizem que era uma mulher distinta, bonita, trajando um longo vestido.
Quem seria essa mulher? Eis mais um dos mistérios da história do navio cargueiro “Oswaldo Aranha”.
Testemunhos da época dizem que era uma mulher distinta, bonita, trajando um longo vestido.
Quem seria essa mulher? Eis mais um dos mistérios da história do navio cargueiro “Oswaldo Aranha”.
O sonho da esposa o salvou
Reportagem de
Eva Ban para o jornal A Noite, do Rio
de Janeiro de 26 de abril de 1949 trouxe impressionante entrevista com João Ferreira
Soares, um velho oficial da Marinha Mercante. O título da matéria: “O homem que
ficou”.
No relato ficamos
sabendo que estava tudo certo para Soares viajar como imediato do navio “Oswaldo
Aranha” para Imbituba e de lá retornar com a carga de carvão para o Rio de
Janeiro. Viagem rotineira, feita há vários anos. Ele só aguardava o telefonema
da empresa convocando-o.
Ao acordar na
véspera da viagem, sua esposa Dalme contou que teve um sonho, na verdade um verdadeiro
pesadelo com cenas de horror:
“- Meu
querido, ó meu querido, não vás! Sonhei que vi o navio afundando, tragado pelas
ondas gigantescas, aos clarões de milhares de relâmpagos. Havia escuridão e trevas
incríveis se agigantavam para correr atrás do vapor que fugia, espavorido, em
corrida louca... Mas nada adiantou. O turbilhão de águas alcançou o barco pequenino
e, ó, meu querido! Vi teu corpo rolando pelo mar...”.
Soares achava
bobagem, superstições da mulher. Onde já se viu deixar de viajar, deixar de
trabalhar por causa de um sonho.
A esposa
insistia:
“-Não vás...
Não vás... Eu te amo! Não quero que morras! Fica... e se atirou aos seus pés,
implorando”.
Mas Soares
parecia irredutível.
Foi quando a
esposa, num último gesto, em desespero, levantou a filhinha deles e disse:
“- Queres que
ela fique órfã? Queres?”.
João,
comovido, desistiu da viagem.
E salvou-se.
Em seu lugar
foi convocado Osmarino Lameira de Carvalho.
Ao saber do
trágico ocorrido, João Ferreira Soares misturava felicidade por continuar com a
vida e estar com sua família, mas, ao mesmo tempo angustiado se perguntava:
“- Fui eu que
levei outro homem à morte? Será que ele morreu, sumiu em meu lugar?”.
E a repórter
Eva Baun termina sua comovedora reportagem dizendo:
“Decerto no
livro dos destinos, riscaram um nome, deixando outro escrito com a tinta eterna
que escreve sobre vida e morte”.
Final
No rugir dos
relâmpagos, na noite e águas escuras do Oceano Atlântico, sem tempo de pedir
socorro pelo rádio ou embarcar nos botes salva-vidas, submergiu em segundos o navio “Oswaldo
Aranha” tragado rapidamente pelas vergas e levando com ele 36 almas para a
pátria do eterno.
Em algum lugar
do fundo do mar do nosso litoral sul está seu resto de esqueleto carcomido pela
maresia, servindo de moradia para inúmeras espécies da fauna marinha.
Lá está ainda
ecoando dos seus porões um sussurro rouco, infeliz, estranho, chorando seus
mortos e destino ingrato.
Não singra
mais os mares levando riquezas e homens-marinheiros sonhando todos os portos.
Lá está,
submerso no fundo do mar, repousando tranquilo, como num túmulo.
Valmir, como sempre uma baita pesquisa. Desconhecia esses fatos, o sumiço desse navio e dessa gente.
ResponderExcluirParabéns pela matéria.
Edison de Andrade
Lendo a matéria vi desenrolar um filme na minha imaginação. Bem narrada e escrita.
ResponderExcluirCenas de horror, drama. Dava um filme mesmo. E essa mulher que salvou o marido com seu sonho. Surreal. Valeu
Geraldo de Jesus
Viajei na historia triste! Belissima matéria!
ResponderExcluirQue história impressionante. São cenas de horror. Será que não foram abduzido por extraterrestres? Tipo Triângulo das Bermudas? Cruzes!
ResponderExcluirRosângela de Almeida
José Costa Sobrinho é meu avô! A anos procurávamos sobre o navio. Que loucura achar essa materia agora...
ResponderExcluirA passageira desconhecida. Era prima da minha avó Feliciana Pereira de Sousa de Imbituba SC..o nome dela era Abigail eu cresci escutando a vó falando..dela era muito linda!
ResponderExcluirMeu tio Heitor A.da Conceição.Sempre ouvia minha mãe falar sobre seu tio e do ocorrido. Hoje pediu que procurasse algo sobre o aassunto .Minha avó jamais se conformou com o fato,pois amava muito aquele irmão.
ResponderExcluirA passageira que ninguém conhece era minha prima. Abigail!! era muito linda loira minha mãe fala sempre dela!
ResponderExcluirMeu pai foi Comandante da Marinha Mercante, e o Primeiro Comando dele foi o navio SS OSWALDO ARANHA.
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