quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Democráticas esquinas

Muitos foram os lugares onde desde imemoráveis tempos o homem exerceu o direito de se manifestar. Exprimir-se democraticamente ou aos cochichos, olhando para os lados temendo eventuais ditaduras e perseguições de governos, através de suas polícias políticas.

Os cafés sempre foram ponto de encontros democráticos
No interior ou defronte às antigas boticas, em armazéns, mercados e bodegas, cafés e bares, simpatizantes, candidatos e filiados, jornalistas, artistas e escritores se reúnem em conversas e discussões, compartilhando dúvidas e sugestões, criando, aliviando tensões, fomentando oposições, criando resistências e apoios a esse ou àquele governo.
São lugares de suma importância como fórum de socialização política, de pluralidade opinativa.
Alguns desses locais, bares e cafés, esquinas e ruas ficaram famosos e são lembrados por gerações.

Em Porto Alegre, por exemplo, a esquina da avenida Sarmento Leite com avenida Osvaldo Aranha, no bairro Bom Fim, é um deles. Durante anos foi conhecida como Esquina Maldita. Nos bares da região reuniam-se intelectuais, professores e alunos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. A rua da Praia igualmente é uma via onde pulsam as notícias e novidades assim também como o Largo da prefeitura.

Em Florianópolis, a conhecida esquina democrática, entre a Trajano e Felipe Scmidt, com seu tradicional Ponto Chic, durante anos abrigou os mais diferentes públicos. Do funcionário do governo que dava uma fugidinha para um cafezinho e saber das últimas, a jornalistas em busca de fontes; do vendedor de bilhetes de loteria ao “mordedor” em busca de uns trocados. Político que se prezava tinha que diariamente dar uma passada por ali onde facilmente se encontrava vereadores, prefeito, deputados e até o governador.
Basta ver que o próprio presidente da República João Batista Figueiredo em novembro de 1979 lá passou para um tradicional cafezinho e logo depois resultou numa confusão que já vinha desde o Palácio Cruz e Souza e Praça XV, no episódio conhecido como Novembrada.

Em Curitiba, a Boca Maldita, o espaço ao redor de cafés, bancas de revistas e calçadão da rua Luiz Xavier (Rua das Flores) é um conhecido local no centro da cidade das mais diferentes manifestações políticas, sociais e artísticas. Há até um obelisco em homenagem à área.
E também uma confraria que “existe para debater e criticar tudo sem qualquer restrição, expressando as vontades e expressões populares”
O lema da entidade, por paradoxal que seja é “Nada vejo, nada ouço, nada falo”.
Anualmente há um jantar quando pessoas recebem o título de “Cavaleiro da Boca Maldita”.

No Rio de Janeiro, a Confeitaria Colombo, na rua Gonçalves Dias, criada em fins do século XIX tornou-se ponto obrigatório de uma elite que desde a República frequentou seus salões desfilando elegância e luxo tão bem apreciados e descritos pelos cronistas.
Ponto de encontro de artistas, intelectuais e políticos, como Olavo Bilac, Rui Barbosa, Chiquinha Gonzaga, Villa Lobos, Getúlio Vargas...
Seus gigantescos espelhos belgas, mármores e o mobiliário são testemunhas até hoje de mais de um século de história.
A Rua do Ouvidor igualmente é conhecida por ser uma das mais famosas da então Capital Federal. Um escritor a ela assim se referiu:
“A Rua do Ouvidor, a mais passeada e concorrida, e mais leviana, indiscreta, bisbilhoteira, esbanjadora, fútil, noveleira, poliglota e enciclopédica de todas as ruas da cidade do Rio de Janeiro”.
A Cinelândia também vai marcar sua época.

Em São Paulo, o Vale do Anhangabaú, as Avenidas São João e Ipiranga, com seu cruzamento imortalizado na canção Sampa, de Caetano, também são lembradas. E o Centro Novo com seus bares, confeitarias, restaurantes, livrarias, e estúdios das principais emissoras de rádio e redações de jornais.

Na Laguna
A Casa da Câmara em nossa cidade, ao contrário de Nossa Senhora de Desterro e de São Francisco, foi erigida em outro local que não à Praça de sua matriz principal.
Bem por isso a Praça da Cadeia, como em princípio era chamada a atual Praça República Juliana, constituiu-se no palco principal onde se sucediam os fatos e acontecimentos na Laguna.
Não foi por menos que ali, naquele prédio histórico, de sua sacada foi proclamada a República Catarinense, em 29 de julho de 1839.

Diz Saul Ulysséa em sua sempre citada obra Laguna de 1880, referindo-se à edificação, que “A parte mais baixa foi edificada em 1747, com a denominação de Paço do Conselho.”
O pavimento térreo era ocupado pela cadeia pública, ficando na parte fronteira ao lado norte o corpo da guarda. Já o sobrado na parte menor pelo Conselho Municipal e na parte mais alta o Tribunal do Júri e repartição municipal.
Como vemos, ali eram criadas as leis que regiam a população, onde os julgamentos aconteciam e eram anunciados, através do sino, horários de audiência, fechamento do comércio e dos escravos se recolherem.
Hoje chamaríamos de Centro Administrativo onde funcionariam conjuntamente os três poderes, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
Havia também na praça uma biblioteca fundada em 1876 com quase quinhentos volumes e que recebia regularmente exemplares de jornais, como o Jornal do Comércio, do Rio de Janeiro.

Em seu entorno, no começo da rua então chamada Direita (atual Raulino Horn), em casarão ainda existente na esquina desta rua com Barão do Rio Branco (antiga rua 1º de Março) funcionava a Estação telegráfica da Laguna, inaugurada em 4 de janeiro de 1867.
E é por esta Estação que chegavam e partiam notícias, encomendas eram feitas às principais praças, negócios eram fechados e onde se ficava sabendo das últimas novidades.

A esquina do ABC
Pois foi esta esquina certamente a primeira da Laguna onde o pessoal mais se aglomerava e surgiam rodinhas para uma prosa.
Logo foi denominada pelo povo de esquina do ABC. Por quê?
Vejamos. Em uma das esquinas havia um armazém do seu Antônio Bessa, conhecido por Bembem. (Onde funcionou, em novo prédio, o Lido Hotel e depois as oficinas dos jornais Semanário de Notícias e O Renovador), ligado ao Partido Republicano.
Defronte a este, a casa comercial de Acácio Soares Moreira (Conservador) No sobrado do outro lado da rua, um armazém de comestíveis e miudezas, pertencente a Antônio Candemil.
Em frente a este sobrado, na esquina, onde hoje é o prédio do extinto hotel Rio Branco, a farmácia de Américo Antônio da Costa, do partido Liberal, que tinha no seu filho e ajudante Manoel Américo, um gozador nato que costumava pilheriar e satirizar quem não gostava, principalmente correligionários de partidos adversários.

Esquina do ABC


E diz Ulysséa na sua já citada obra “A este local da cidade apelidavam “ESQUINA DO ABC”, em consequência de serem as quatro esquinas ocupadas por pessoas com as iniciais ABC: Acácio e Américo,  Bembem (Bessa) e Candemil”.

O Café Tupi e sua esquina
Em 1905 surgia na Laguna, na esquina das ruas XV de Novembro com Raulino Horn, um empreendimento que vai marcar época e se tornar o mais famoso estabelecimento comercial lagunense.
Nos primeiros dias de abril daquele ano surgia O Café-Restaurant Tupi, de propriedade de Ulysséa e Cia, tendo como gerente Jacob Ulysséa.
O jornal O Albor assim noticiou o fato:

Logo o local se tornou popular. O mundo político, industrial e comercial, intelectual e jornalístico ali vai se reunir por gerações. Em suas mesas de tampos de mármore e pés de ferro, confabulações serão feitas, planos urdidos. Suas paredes testemunharão nascimentos de associações, times de futebol, entidades carnavalescas...
Poetas declamarão versos, embalados pelo vento nordeste que certamente soprará lá fora. Músicos comporão partituras e com seus mais variados instrumentos musicais puxarão acordes que se perderão no tempo.

Anos depois, com o surgimento do serviço de alto falante Tupã, sua corneta instalada na esquina e a criação da Rádio Difusora, em 1946, memoráveis crônicas serão ali rabiscadas pelos nossos mais competentes cronistas, embalados por xícaras de café e rodadas de cerveja. Ali acorrerão populares para ouvir os resultados das apurações eleitorais. Gritos de torcedores ecoarão em comemorações esportivas, aplausos reverbarão por desfiles carnavalescos.

Prédio onde funcionou o Café Tupi
Depois, o Café Tupi será vendido e arrendado inúmeras vezes. Um dos proprietários por mais tempo foi Manoel Fiúza Lima que, além do salão de bilhar, dotou o estabelecimento de farto sortimento de bebidas e gêneros alimentícios, como se pode constatar neste reclamo, como então se denominava a publicidade:
 
Evidentemente que existem e existiram outros locais como palcos democráticos para manifestações. Salões de clubes como o do Blondin e Congresso, barbearias, boticas, armazéns, livrarias, bancas, padarias.
O próprio Mercado Municipal, o Café Bascherotto, o Monte Carlo, o Brigitte Bar, o Bar do Chico, para ficarmos em alguns mais recentes. Mas, o Café Tupi (e sua esquina), talvez – também - pela sua longevidade, pontifica na liderança como o mais conhecido. Ainda hoje, mesmo após anos de seu desaparecimento é comum ouvir de pessoas que viveram àqueles anos, a utilização do nome Café Tupi como ponto de referência.

E nos dias atuais? Existirá uma esquina na Laguna que ainda represente o palco e platéia onde se mesclam atores e público, em que o pensamento navega em desconhecidos mares e a palavra é livre? Onde se pratica o hábito desde que o homem é homem, de falar da vida alheia?
Em qual estabelecimento ainda reúnem-se seres em torno de uma mesa em busca da ágape fraternal que satisfaça paladares e igualmente forneça respostas existenciais e espirituais para nossas dúvidas?

Um comentário:

  1. Excelente matéria. Excelente pesquisa. Parabéns!
    Fatima Barreto Michels

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