Um fato acontecido na Laguna no final da
década de 1970 poderia ter alterado a história da política nacional e, portanto,
do Brasil.
Como este Blog
estava em recesso quando o médico João Romão do Nascimento faleceu aos 88 anos em
25 de fevereiro deste ano, não pude relembrar e escrever um acontecimento em
que ele participou diretamente.
Cearense de
Ubajara, Dr. João Romão aqui veio morar no início da década de 70, logo após
sua formatura, casando-se com a lagunense Ana Maria (Remor). Na Laguna teve
seus filhos e fez muitos amigos com seu jeito alegre e expansivo de ser. Trabalhou
no Hospital Senhor Bom Jesus dos Passos como cardiologista e também na maternidade.
Médico Dr. João Romão, falecido em fevereiro passado, deixando muitas saudades. |
Sucessão de João Figueiredo
O fato se passou
em dezembro de 1979, no governo do general João Batista Figueiredo, que havia
assumido naquele ano. Foi o último presidente do ciclo militar.
Em novembro
havia acontecido em Florianópolis o episódio da Novembrada. No mesmo ano havia
sido decretada a Anistia e restaurado o pluripartidarismo no país.
Mesmo em início
de governo, vários candidatos da situação (Arena, que se tornou PDS em 31
janeiro de 1980) já ensaiavam suas candidaturas à sucessão presidencial.
Era um processo
de abertura lenta e gradual, que culminaria com a escolha de um candidato
civil. A preferência passava pelos nomes de Aureliano Chaves (então vice-presidente),
Petrônio Portela (ministro da Justiça), Mário Andreazza (ministro dos Transportes)
e Paulo Maluf (governador de São Paulo).
Ministro Portela na Laguna
Petrônio Portella. Imagem: Wikipédia |
Tinha enorme
capacidade de articulação política, notório orador, sempre criando frases de
feito e era o candidato preferido do presidente Figueiredo à sua sucessão em
1984.
Noite de Gala 79 na Laguna
Com apresentação
do cronista social Celso Pamplona e, da então, TV Catarinense (futura RBS), na
noite de sábado, 29 de dezembro de 1979 aconteceu uma Noite de Gala com coquetel,
jantar e baile na Boate do Tourist Hotel. O mundo social da Laguna e do sul do
estado esteve presente, além de inúmeros políticos do estado, inclusive o
governador Jorge Bornhausen.
Portella sentiu-se mal
Petrônio
Portella, em visita ao estado naqueles dias, aqui se hospedou para participar
do evento e prestigiar seu sobrinho Elói Portella, então administrador do porto
lagunense, e um dos homenageados da noite. A esposa de Petrônio, Iracema Portella, acompanhada da primeira dama do estado, Déa Bornhausen, visitaram no período diurno os pontos turísticos da cidade, entre eles a Casa e Museu Anita Garibaldi.
Logo após a
solenidade, ainda durante o baile, já madrugada, o ministro da Justiça sentiu-se
mal. Foi atendido rapidamente pelo clínico geral dr. Oscar Pinho, também presente
ao evento. Mas o quadro era sério, com suspeitas de enfarte. O staff do
ministro chamou com urgência um especialista na cidade: o cardiologista Dr. João
Romão dos Nascimento.
Enfarte foi o diagnóstico
Em seu
diagnóstico, munido apenas de seu estetoscópio e de todo seu conhecimento e experiência, o médico constatou que o ministro havia enfartado e recomendou que
ele fosse transferido imediatamente para o Instituto do Coração, em São Paulo.
Previa cirurgia, repouso, dieta, etc. Era o único modo de salvá-lo. Se acontecesse o
segundo enfarte, seria fatal, previu o dr. João.
O dr. Oscar, convidado a acompanhar Portella, indicou o médico dr. Antônio Filomeno, residente em Brasília e que, por coincidência, encontrava-se em nossa cidade em visita a familiares. Foi o que aconteceu.
O dr. Oscar, convidado a acompanhar Portella, indicou o médico dr. Antônio Filomeno, residente em Brasília e que, por coincidência, encontrava-se em nossa cidade em visita a familiares. Foi o que aconteceu.
Elio Gaspari em
seu livro “A ditadura acabada”, editora
Intrínseca, 2016, diz que Petrônio era “Diabético, hipertenso, atazanado por
uma hérnia de hiato. Achava que devia viver cada dia como se fosse uma dádiva.
Sobrevivera a um câncer no pulmão e fumava”.
E continua o
jornalista: “Petrônio chegou a Santa Catarina numa quinta-feira, abatido.
Dormira mal e vomitara. Na madrugada de sábado um médico foi chamado ao seu hotel. Ao final da manhã, o governador
da Bahia, Antônio Carlos Magalhães, telefonou a um amigo: “O Petrônio enfartou
em Santa Catarina”.
Portella não
seguiu as recomendações expressas do dr. João Romão. Em vez de ir para São
Paulo e se internar para cirurgia e recuperação foi direto para Brasília “passou
discretamente por uma casa de saúde e seguiu para casa, tomando soro”.
Uma semana
depois estava morto, no dia 6 de janeiro de 1980.
O resto é história
Sem o candidato
preferido do regime militar, Maluf tomou à dianteira entre os pré-candidatos,
mesmo encontrando fortes resistências de uma ala do PDS e dos militares.
Na convenção Maluf
ganha de Mário Andreazza a indicação presidenciável, mas racha o partido. Da
dissensão surge o Partido da Frente Liberal (PFL), tendo em seus quadros Aureliano
Chaves, Marcos Maciel, José Sarney, Antônio Carlos Magalhães e Jorge Bornhausen,
entre outros.
Com as eleições
diretas não passando no Congresso, Sarney torna-se candidato a vice-presidente
na chapa com Tancredo Neves. Derrotam Maluf em 1984. Tancredo não assume, e
falece em 21 de abril de 1985. Sarney toma seu lugar.
Eis aí o imponderável ou a chamada partícula “se”
Eis aí, leitor,
um breve resumo de um fato acontecido na Laguna que influenciou diretamente uma
eleição presidencial na década de 1980 e alterou os rumos da história política
brasileira.
Evidentemente se
dermos crédito ao imponderável ou a chamada conjunção subordinativa
condicional, o tal da partícula “se” nas ações e acontecimentos futuros na história.
Se Portella
tivesse seguido as recomendações do Dr. João Romão; se tivesse passado por uma
cirurgia, teria sido provavelmente o candidato à presidência no lugar de Maluf;
O PDS não teria rachado e Sarney não seria vice de Tancredo. Petrônio Portela seria
o candidato eleito?
Anos depois, numa entrevista, Figueiredo disse: "O Petrônio, que foi meu ministro da Justiça, tinha enormes chances de ser candidato à Presidência da República, mas morreu no início do meu governo".
Anos depois, numa entrevista, Figueiredo disse: "O Petrônio, que foi meu ministro da Justiça, tinha enormes chances de ser candidato à Presidência da República, mas morreu no início do meu governo".
Evidentemente
nunca saberemos se os rumos do chamado destino tivessem sido outros. O “se” é imponderável.
Mas não custa nada conjecturarmos na trajetória de cada um de nós e do mundo. Com ou sem arrependimentos.
Bom dia Valmir!
ResponderExcluirQue bom tê-lo de volta.
Como sempre, mais uma preciosíssima aula de História para enriquecer ainda mais as nossas mentes.
Parabéns!
Fatima Martins - Blumenau
Bom dia Fátima. Agradeço a leitura. Vanos en frente. Abraços
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