segunda-feira, 7 de maio de 2018

A história de uma sucessão presidencial no Brasil já passou por Laguna

Um fato acontecido na Laguna no final da década de 1970 poderia ter alterado a história da política nacional e, portanto, do Brasil.

Como este Blog estava em recesso quando o médico João Romão do Nascimento faleceu aos 88 anos em 25 de fevereiro deste ano, não pude relembrar e escrever um acontecimento em que ele participou diretamente.
Cearense de Ubajara, Dr. João Romão aqui veio morar no início da década de 70, logo após sua formatura, casando-se com a lagunense Ana Maria (Remor). Na Laguna teve seus filhos e fez muitos amigos com seu jeito alegre e expansivo de ser. Trabalhou no Hospital Senhor Bom Jesus dos Passos como cardiologista e também na maternidade.
Médico Dr. João Romão, falecido em fevereiro
 passado, deixando muitas saudades.
 Ano passado, indagado por mim, contou maiores detalhes de um  fato ocorrido há quase 40 anos, onde foi testemunha ocular e participante da história.

Sucessão de João Figueiredo
O fato se passou em dezembro de 1979, no governo do general João Batista Figueiredo, que havia assumido naquele ano. Foi o último presidente do ciclo militar.
Em novembro havia acontecido em Florianópolis o episódio da Novembrada. No mesmo ano havia sido decretada a Anistia e restaurado o pluripartidarismo no país.

Mesmo em início de governo, vários candidatos da situação (Arena, que se tornou PDS em 31 janeiro de 1980) já ensaiavam suas candidaturas à sucessão presidencial.
Era um processo de abertura lenta e gradual, que culminaria com a escolha de um candidato civil. A preferência passava pelos nomes de Aureliano Chaves (então vice-presidente), Petrônio Portela (ministro da Justiça), Mário Andreazza (ministro dos Transportes) e Paulo Maluf (governador de São Paulo).

Ministro Portela na Laguna
Petrônio Portella.
Imagem: Wikipédia
Petrônio Portella Nunes era natural do Piauí. Em poucos anos foi deputado estadual, governador, senador e ministro. Foi também presidente da Arena e presidente do senado. Mesmo oposicionistas o reconheciam como um político liberal num processo de transição.
Tinha enorme capacidade de articulação política, notório orador, sempre criando frases de feito e era o candidato preferido do presidente Figueiredo à sua sucessão em 1984. 

Noite de Gala 79 na Laguna
Com apresentação do cronista social Celso Pamplona e, da então, TV Catarinense (futura RBS), na noite de sábado, 29 de dezembro de 1979 aconteceu uma Noite de Gala com coquetel, jantar e baile na Boate do Tourist Hotel. O mundo social da Laguna e do sul do estado esteve presente, além de inúmeros políticos do estado, inclusive o governador Jorge Bornhausen.

Portella sentiu-se mal
Petrônio Portella, em visita ao estado naqueles dias, aqui se hospedou para participar do evento e prestigiar seu sobrinho Elói Portella, então administrador do porto lagunense, e um dos homenageados da noite. A esposa de Petrônio, Iracema Portella, acompanhada da primeira dama do estado, Déa Bornhausen, visitaram no período diurno os pontos turísticos da cidade, entre eles a Casa e Museu Anita Garibaldi.
Logo após a solenidade, ainda durante o baile, já madrugada, o ministro da Justiça sentiu-se mal. Foi atendido rapidamente pelo clínico geral dr. Oscar Pinho, também presente ao evento. Mas o quadro era sério, com suspeitas de enfarte. O staff do ministro chamou com urgência um especialista na cidade: o cardiologista Dr. João Romão dos Nascimento.

Enfarte foi o diagnóstico
Em seu diagnóstico, munido apenas de seu estetoscópio e de todo seu conhecimento e experiência, o médico constatou que o ministro havia enfartado e recomendou que ele fosse transferido imediatamente para o Instituto do Coração, em São Paulo. Previa cirurgia, repouso, dieta, etc. Era o único modo de salvá-lo. Se acontecesse o segundo enfarte, seria fatal, previu o dr. João.
O dr. Oscar, convidado a acompanhar Portella, indicou o médico dr. Antônio Filomeno, residente em Brasília e que, por coincidência, encontrava-se em nossa cidade em visita a familiares. Foi o que aconteceu.

Elio Gaspari em seu livro “A ditadura acabada”, editora Intrínseca, 2016, diz que Petrônio era “Diabético, hipertenso, atazanado por uma hérnia de hiato. Achava que devia viver cada dia como se fosse uma dádiva. Sobrevivera a um câncer no pulmão e fumava”.
E continua o jornalista: “Petrônio chegou a Santa Catarina numa quinta-feira, abatido. Dormira mal e vomitara. Na madrugada de sábado um médico foi chamado ao seu hotel. Ao final da manhã, o governador da Bahia, Antônio Carlos Magalhães, telefonou a um amigo: “O Petrônio enfartou em Santa Catarina”.

Portella não seguiu as recomendações expressas do dr. João Romão. Em vez de ir para São Paulo e se internar para cirurgia e recuperação foi direto para Brasília “passou discretamente por uma casa de saúde e seguiu para casa, tomando soro”.
Uma semana depois estava morto, no dia 6 de janeiro de 1980.

O resto é história
Sem o candidato preferido do regime militar, Maluf tomou à dianteira entre os pré-candidatos, mesmo encontrando fortes resistências de uma ala do PDS e dos militares.
Na convenção Maluf ganha de Mário Andreazza a indicação presidenciável, mas racha o partido. Da dissensão surge o Partido da Frente Liberal (PFL), tendo em seus quadros Aureliano Chaves, Marcos Maciel, José Sarney, Antônio Carlos Magalhães e Jorge Bornhausen, entre outros.
Com as eleições diretas não passando no Congresso, Sarney torna-se candidato a vice-presidente na chapa com Tancredo Neves. Derrotam Maluf em 1984. Tancredo não assume, e falece em 21 de abril de 1985. Sarney toma seu lugar.

Eis aí o imponderável ou a chamada partícula “se”
Eis aí, leitor, um breve resumo de um fato acontecido na Laguna que influenciou diretamente uma eleição presidencial na década de 1980 e alterou os rumos da história política brasileira.
Evidentemente se dermos crédito ao imponderável ou a chamada conjunção subordinativa condicional, o tal da partícula “se” nas ações e acontecimentos futuros na história.

Se Portella tivesse seguido as recomendações do Dr. João Romão; se tivesse passado por uma cirurgia, teria sido provavelmente o candidato à presidência no lugar de Maluf; O PDS não teria rachado e Sarney não seria vice de Tancredo. Petrônio Portela seria o candidato eleito?

Anos depois, numa entrevista, Figueiredo disse: "O Petrônio, que foi meu ministro da Justiça, tinha enormes chances de ser candidato à Presidência da República, mas morreu no início do meu governo".

Evidentemente nunca saberemos se os rumos do chamado destino tivessem sido outros. O “se” é imponderável. Mas não custa nada conjecturarmos na trajetória de cada um de nós e do mundo. Com ou sem arrependimentos.

2 comentários:

  1. Bom dia Valmir!
    Que bom tê-lo de volta.
    Como sempre, mais uma preciosíssima aula de História para enriquecer ainda mais as nossas mentes.
    Parabéns!

    Fatima Martins - Blumenau

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  2. Bom dia Fátima. Agradeço a leitura. Vanos en frente. Abraços

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