quinta-feira, 4 de junho de 2020

Festa de Santo Antônio dos Anjos não foi realizada em 1905

Por todo o século XX, 1905 foi o único ano em que a Festa de Santo Antônio dos Anjos da Laguna não foi realizada.
Mesmo durante os anos das duas Guerras Mundiais as festividades transcorreram normalmente, com novenas, procissões e transladações.
Havia dúvida se este evento religioso teria sido realizado durante a gripe Espanhola, em 1919.
Em pesquisa constatei que sim, ele de fato aconteceu no ano de 1919. É o que se verifica nos jornais da época. Mesmo porque a pandemia que ceifou milhões de vidas pelo mundo, teve seu pico em nossa cidade em dezembro de 1918. Nos meses do ano seguinte, os casos foram rareando.
Bem por isso, todas as cerimônias religiosas foram realizadas em 1919, inclusive o carnaval, que aconteceu em março daquele ano.

"Unicamente uma missa"
E por que em 1905, a Festa de Santo Antônio dos Anjos não ocorreu?  É o que vamos ler a seguir:
Jornal O Albor, página 2, de 11 de junho de 1905.
Numa pequena nota na página 2, publicada no jornal “O Albor” de 11 de junho de 1905, a Irmandade informava aos fiéis da Laguna que “devido à falta de recursos, a Irmandade de Santo Antônio resolveu mandar rezar unicamente uma missa no dia do padroeiro desta cidade”.
Além da “falta de recursos”, outro fator que certamente preponderou foram diversas obras que precisavam ser executadas no prédio da matriz. Eram serviços necessários há anos.

Obras, muitas obras
Em 1892 grandes serviços haviam sido realizados na igreja, como a substituição das janelas frontais e, principalmente, a construção das duas torres, trabalhos estes executados pelos senhores Marcos Gazola (o mesmo que vai construir o chafariz do Jardim Calheiros da Graça, em 1915) e Batista Uliano.
Daquele ano em diante nenhum outro reparo ou obra foram executados. Portanto, em 1905, já se tinham passado 12 anos.

Nail Ulysséa em seu “Três Séculos na Matriz”, diz que em 1903 a Matriz já necessitava de grandes reparos, mormente o assoalho das capelas e da sacristia.
“Tão estragados que estavam ameaçando as paredes e altares. Era tão deplorável o estado da igreja que deixaram, naquele ano, de fazer a transladação de Nosso Senhor dos Passos, devido ao mau estado da Matriz, fazendo apenas a procissão, isto porque, a imagem após a transladação, ficava na Matriz até o dia seguinte, quando voltava ao Hospital”.

De fato. A situação do prédio devia estar mesmo em situação deplorável. Um ano depois continuava no mesmo estado ou até pior.
Se não vejamos:
Com o título “Matriz em ruínas”, o semanário lagunense “O Comércio”, de 28 de fevereiro de 1904, informa que a convite do Provedor da Irmandade de Santo Antônio dos Anjos, João Monteiro Cabral, o redator do jornal havia ido até a Matriz e subido até ao madeiramento do templo.
Nele “pudemos observar o estado de ruínas em que se acha, e nos parece que só por milagre de equilíbrio não tem desabado”.
E finaliza o articulista do “O Comércio” alertando: “Não há recursos para as obras mais urgentes e o senhor Monteiro Cabral faz um apelo justíssimo ao povo lagunense para contribuir à medida de suas forças, para que a matriz de nossa terra não desabe”.
Jornal O Comércio, de 28 de fevereiro de 1904.
Veja leitor que a coisa estava feia mesmo. Até o telhado ameaçava desabar sobre os cocurutos das pessoas enquanto oravam.
E rezavam em pé, pelo menos os homens, com as mulheres e crianças sentadas por todo o assoalho.
Os bancos somente foram colocados em 1912. Bancos simples de madeira que foram substituídos pelos atuais no ano de 1952, desenho de um sacerdote do Colégio Dehon, de Tubarão.


Pedido de socorro
Bem. O pedido de socorro funcionou. Tanto que uma comissão foi montada para angariar donativos. Em sua composição, Francisco Bertero (pároco), Manoel José Dias de Pinho, Luiz Nery Pacheco dos Reis e Saul Ulysséa.
Meses depois as obras iniciaram pela reforma completa do telhado, executada pela firma Bianchini & Irmão.
Foi trocado o assoalho, no adro, e revestido de ladrilhos, com a pintura interna completa feita pelo artista Adalberto Ribas.
E salienta Nail Ulysséa que o “movimento religioso foi transferido para a capela do Hospital”.
Somente em 1908 foi completada a restauração interna e “a 25 de março foi reaberta a igreja, com benção, missa solene e “Te-Deum”, ficando por terminar a reforma externa”.

Baseado nas informações acima – movimento religioso transferido para capela do Hospital Senhor Bom Jesus dos Passos e reabertura da igreja com benção e missa somente em 1908 – fica-se com a impressão que a igreja fechou em 1905,1906, 1907 e parte de 1908.
Sem maiores preciosismos, mas deve haver algum engano na informação. Isso porque os jornais da época noticiam que cerimônias religiosas foram realizadas na matriz nos anos de 1906 e 1907, inclusive as novenas de Santo Antônio dos Anjos.


Até o surgimento da então capela de Nossa Senhora dos Navegantes, no Magalhães; e Nossa Senhora Auxiliadora, no então bairro Roseta (hoje Progresso), não existia, é evidente, a chamada Transladação de Santo Antônio dos Anjos como hoje acontece.

A imagem de Santo Antônio percorria, em procissão, as ruas do centro na tarde do dia 13 de cada ano, no mesmo percurso até hoje. Quando chovia (e se constata que chovia muito naqueles anos), o evento era transferido para o próximo domingo. 


"Santo Antônio que se contente..."
A não realização da Festa de Santo Antônio dos Anjos em 1905 parece ter descontentado muita gente do mundo católico lagunense.
Em carta cheia de reticências, não assinada, e publicada em 18 de junho daquele ano nas páginas do jornal O Albor, a missivista, que é viúva (se deduz pela leitura da carta), critica veementemente a Irmandade e lamenta a não realização do evento religioso.
Vejamos:

(...)
“Que os juízes não se importem com a festa, que neguem mesmo dinheiro e dedicação... lamenta-se, mas tolera-se... O que não se compreende, nem se tolera, nem se perdoa, é que os irmãos em Santo Antônio se reúnam e resolvam nada fazer por falta de dinheiro.
Uma missa cantada, três ladainhas, e uma procissão não consomem assim tanto dinheiro...
(...) Só o que faltou, meu amigo, foi vontade da Irmandade, e isto digo mesmo nas bochechas de qualquer irmão.
Se se tratasse de um baile, de um grupo carnavalesco, de um espetáculo ou de uma eleição, o dinheiro não faltaria; mas como se trata de Santo Antônio, que só tem feito bem a todos... a crise é tremenda...
(...) Uma missa rezada só... e Santo Antônio que se contente com isto, que a Irmandade não tem dinheiro...
Pois olhem: - Quando isto era Vila um só ano não se passou sem que a festa do miraculoso orago fosse feita inteirinha, com as trezenas, a missa solene, a procissão e sermão...
Aquilo é que eram tempos... Ai! Que saudades eu tenho d’aqueles tempos e do meu defunto marido...”

Em 1906 novamente a Festa correu risco de não se realizar
Em 1906, tal qual tinha acontecido um ano antes, novamente as festividades em honra ao padroeiro corriam sério risco de novamente não serem realizadas. Mas foi aí que um grupo de senhoritas da nossa sociedade católica lagunense assumiu as rédeas da organização, arrecadando recursos para realizá-las.
Quer saber os nomes das senhoritas que compunham a comissão? O jornal O Albor de 12 de junho daquele ano os relaciona: Enedina Moreira, Eudoxia Bessa, Joana Varejão, Noêmia Cordeiro, Maria Lima, Francisca Bessa, Ubaldina Varejão e Anna Machado.
E finaliza a nota do jornal dizendo que “não menos dignos de louvores são as senhoras Altina Alano e Cândida Amante e o senhor Manoel Fragoso que se prestam gratuitamente, as primeiras a enfeitar os andores e o segundo o templo”.

Dali por diante, todos os anos, atravessando o século XX, adentrando o XXI, a Festa de Santo Antônio dos Anjos da Laguna foi realizada sempre com brilhantismo e acompanhada tradicionalmente pelas Bandas de Música Carlos Gomes e União dos Artistas.

5 comentários:

  1. Valmir, que pesquisa. É da Paróquia guardar. Parabéns.
    Geraldo de Jesus

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  2. Meu caro amigo. Parabéns pela GRANDE lição, pela GRANDE história. Carlos A.Horn

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  3. Então, este ano de 2020, será o segundo ano da festa de Santo Antônio, que não ocorrerá!

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  4. Ótimo resgate histórico, muito bem pesquisado e escrito. Esses capítulos da história de nossa cidade é que devemos preservar.
    Parabéns Valmir.
    Edison de Andrade - Florianópolis

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  5. A festa não vai ser realizada, mas o dinheiro para política esta garantido. Renato Joinville.

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